O campo de ciência e tecnologia no Brasil obteve um marco histórico recentemente, com o lançamento do primeiro satélite 100% brasileiro ao espaço. O satélite, batizado de Amazonia 1, foi desenvolvido pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e tem como objetivo melhorar o monitoramento do desmatamento, entre outras condições ambientais em todo o território nacional. Conforme nota explicativa do INPE, as imagens e os dados gerados pelo satélite poderão ser utilizados pela comunidade científica, órgãos governamentais e qualquer pessoa interessada em obter “Uma melhor compreensão do ambiente terrestre.”
Ciência e tecnologia estão cada vez mais sendo aplicadas em serviços ambientais mundo afora. Segundo Irina Bokova, ex-diretora da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), a ciência e a tecnologia têm um papel-chave nos esforços de gestão dos recursos naturais, combate às mudanças climáticas e promoção do desenvolvimento sustentável.
No Brasil, projetos científico-tecnológicos vêm emergindo nesse ecossistema apelidado de “Greentech”, ou Tecnologias Verdes, voltado à conservação da natureza. Mas essas inovações ajudarão a combater danos socioambientais persistentes no país?
Robô de detecção de poluição no mar
Um sistema robótico capaz de detectar vazamentos de óleo no mar, com precisão e rapidez, está sendo desenvolvido no Brasil. Batizado de Ariel, acrônimo para Autonomous Robot for Identification of Emulsified Liquids, ou Robô Autônomo para Identificação de Líquidos Emulsificados, em tradução literal, esse projeto é resultado de uma parceria entre quatro instituições: o Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e as empresas TideWise (formada por ex-alunos da Coppe/UFRJ), Farol Serviços e Repsol Sinopec Brasil.
O sistema Ariel consiste na “Junção de dois robôs, um robô que é um barco autônomo [não tripulado] junto com um drone autônomo,” diz Alessandro Jacoud, professor de Engenharia Elétrica e coordenador do projeto Ariel na Coppe/UFRJ. Embora ainda esteja sendo testado, o sistema funcionará da seguinte forma: enquanto o barco autônomo navega pelo mar, o drone vai decolar e fazer um monitoramento aéreo para avistar manchas de óleo, utilizando câmeras visual e térmica.
Se uma mancha for detectada pelo drone, o barco vai automaticamente se dirigir até o local para verificar a presença de óleo com seus sensores – o que poderá minimizar o risco de falsos positivos ou falsos negativos, explica o professor.
Outra vantagem do sistema Ariel é a rapidez na identificação e na comunicação do problema. “Quando a embarcação sinalizar a detecção de vazamento [de óleo], a parte operacional – as autoridades e empresas de resposta de emergência – é acionada,” diz Jacoud. Essa função pode ajudar a prevenir um desastre ecológico no mar, além de danos sociais e econômicos graves.
Em 2019, por exemplo, um vazamento de óleo de origem desconhecida impactou mais de mil praias em 11 estados do Nordeste e Sudeste da costa brasileira. Esse acidente, sobretudo devido à imprevisibilidade e à demora na resposta de emergência, resultou no maior desastre ambiental em extensão no país e prejudicou a saúde e o sustento de centenas de milhares de pescadores e comunidades tradicionais litorâneas.
Segundo Jacoud, a tecnologia do sistema Ariel pode ser adaptada para outras funções, como fazer inspeções em plataformas de petróleo. Isso também ajudaria a prevenir danos associados com o derramamento de óleo. A Petrobras, por exemplo, registrou o vazamento de 415 mil litros de óleo e derivados de suas plataformas no mar, apenas no ano de 2019.
Jacoud explica que os algoritmos de detecção do sistema Ariel, podem ainda ser treinados para detectar outros impactos no mar, como a concentração de lixo ou outros poluentes. “Com pequenos ajustes e modificações [nos algoritmos], conseguiríamos resolver outros problemas,” destaca. Essa inovação ajudaria nos esforços de proteção da vida marinha, tendo em vista que mais de 800 espécies de animais marinhos são feridos ou mortos pela presença de lixo no mar, o que também impacta a cadeia alimentar humana.
Os testes realizados pela equipe da Coppe/UFRJ já demonstraram que a parte robótica do sistema Ariel é funcional. Entretanto, o aprimoramento da tecnologia dependerá de mais pesquisas científicas e recursos humanos. “Estamos imersos em um ambiente universitário de pesquisa, então a ideia é, cada vez mais, formar pessoas e aprimorar o sistema para abarcar outras vertentes”, diz Jacoud. “Na universidade, tentamos fomentar que os alunos construam startups, para desenvolver e colocar produtos [de base científica e tecnológica] no mercado,” acrescenta.
Plataforma digital de dados sobre o Cerrado
Uma plataforma on-line e gratuita que reúne informação sobre o bioma Cerrado, foi lançada no final do ano passado pelo Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (LAPIG), da Universidade Federal de Goiás (UFG). A Plataforma de Conhecimento do Cerrado, disponibiliza diversos dados – sobre biodiversidade, uso do solo, desmatamento, socioeconomia, entre outros temas – na forma de imagens aéreas, mapas, gráficos e materiais literários. O projeto foi financiado pelo Fundo de Parceria para Ecossistemas Críticos (CEPF, na sigla original em Inglês), tendo em vista que o Cerrado é um hotspot de biodiversidade ameaçado.
“A plataforma foi pensada para que todas as pessoas que produzem dados sobre o Cerrado, em diversos aspectos e metodologias, possam colocar o seu dado nesse repositório”, explica Elaine Barbosa da Silva, professora e coordenadora do LAPIG/UFG. Segundo ela, o projeto é colaborativo e reúne dados de instituições acadêmicas, públicas, privadas e da sociedade civil. O objetivo central da plataforma é permitir que “As pessoas utilizem esses dados para conhecer melhor o Cerrado e, assim, possam ajudar na gestão e na fiscalização [do território]”, destaca a professora.
O Cerrado é o segundo maior bioma do Brasil e, embora seja a savana mais biodiversa do planeta, cerca de 55% de sua vegetação nativa já foi desmatada. Além disso, o Cerrado tem sido desmatado cinco vezes mais rápido do que a Floresta Amazônica. Também há indícios de que a crise hídrica, que vem afetando estados brasileiros nos últimos anos, está ligada a destruição ambiental do Cerrado – o berço das três maiores bacias hidrográficas do país. Fatos que mostram a importância de aumentar os esforços de monitoramento e preservação do bioma.
Segundo Silva, os dados disponibilizados na Plataforma de Conhecimento do Cerrado podem contribuir para uma gestão mais efetiva do bioma pelos órgãos governamentais.“O Ministério Público de Goiás e a Secretaria Estadual de Meio Ambiente de Goiás já têm utilizado os nossos relatórios de desmatamento – pois são laudos confiáveis – para fiscalização”, diz Silva. A ferramenta pode também reduzir os custos com ações de monitoramento pelas instituições ambientais, o que é relevante principalmente agora que o orçamento do Ministério do Meio Ambiente e órgãos vinculados é o mais baixo dos últimos 21 anos.
Outro potencial benefício, do conhecimento sistematizado pela plataforma, é apoiar políticas públicas mais inclusivas e sustentáveis para a região. Silva comentou que na plataforma há dados gerados por comunidades tradicionais do Cerrado, tais como povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos, cadastrados através do aplicativo Tô no Mapa. O aplicativo – desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia em parceria com o Instituto Sociedade, População e Natureza – permite que povos tradicionais, localizados em áreas remotas, registrem alertas e locais de queimadas, conflitos, mudanças no uso do solo, entre outras informações.
Entretanto, a disseminação de conhecimento é apenas um passo. Silva observa que, para combater os danos socioambientais no Cerrado, é preciso ainda que “Sociedade exerça maior pressão sobre o Poder Público” no sentido de “Intensificar as fiscalizações e as punições” por crimes ambientais e humanitários.
A equipe do LAPIG/UFG tem promovido cursos de capacitação para pessoas que queiram aprender como usar a plataforma para fins específicos, incluindo como extrair e analisar dados do repositório. “Já capacitamos, em mais de oito ações – desde do dia 16 de novembro, quando foi lançado [o projeto] –, aproximadamente mil pessoas através dos nossos cursos”, destaca Silva. A professora deixa um apelo à sociedade para que conheçam e contribuam com a plataforma, compartilhando os dados que tiverem sobre o Cerrado.
Mapeamento de tecnologias verdes no setor energético
Uma das atuações da Wylinka, uma organização sem fins lucrativos criada em 2013, é mapear inovações científicas e tecnológicas, verificar o potencial dessas propostas para resolver problemas de setores da economia e conectá-las ao mercado.
“Há conhecimentos científicos e tecnológicos sendo desenvolvidos no Brasil, que podem ser definitivos para fazer mudanças setoriais muito importantes”, salienta Ana Carolina Calçado, diretora-presidente da Wylinka. Tais conhecimentos podem contribuir, por exemplo, para solucionar problemas decorrentes das alterações climáticas, além de contribuir para uma economia verde e sustentável. Aliás, a crise climática é hoje considerada uma das principais ameaças à humanidade.
O DeepTech Clima é um projeto desenvolvido pela Wylinka, em parceria com o Instituto Clima e Sociedade, com foco no setor energético. O projeto mapeou 94 inovações científico-tecnológicas brasileiras que têm como objetivo prover alternativas ao uso dos combustíveis fósseis – de forma a prevenir os impactos negativos dessa fonte de energia para o clima e a saúde humana, já que libera muitos gases poluentes na atmosfera.
Dentre as inovações mapeadas, foram selecionadas 11 com maior potencial de impacto positivo. Uma delas, por exemplo, é um ônibus híbrido movido a energia elétrica e hidrogênio, com emissão zero de poluentes. Essa tecnologia foi desenvolvida pelo Laboratório de Hidrogênio da Universidade Federal do Rio de Janeiro, LabH2-Coppe/UFRJ, e é um dos poucos ônibus a hidrogênio – como alternativa aos ônibus convencionais a diesel – em operação no mundo.
Uma das conclusões do projeto DeepTech Clima é que há soluções tecnológicas verdes sendo trabalhadas em todas as regiões do Brasil. Entretanto, “No Sul e no Sudeste, essas soluções estão mais avançadas; já no Norte e no Nordeste, estão em estágio mais inicial de desenvolvimento”, destaca Calçado. Essa discrepância também é apontada em um estudo do IBGE, o qual mostra que Norte e Nordeste são as regiões do país com maior percentual de pessoas sem acesso à internet, por analfabetismo digital ou por motivo financeiro.
Um dos desafios do ecossistema de inovação tecnológica é o acesso a recursos financeiros para o desenvolvimento de pesquisas. Porém, os recursos públicos para ciência e tecnologia vêm diminuindo no país, observa Calçado. Tanto as universidades federais quanto o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações vêm sofrendo cortes de verba significativos nos últimos dois anos.
Apesar dos obstáculos, a ciência e a tecnologia – que advém principalmente das universidades – é uma ferramenta crucial para resolver grandes problemas ambientais, sociais e econômicos que persistem no Brasil. “Nós acreditamos nesse potencial, não só da tecnologia em si, mas no conhecimento científico e tecnológico para trazer novas formas de olhar para problemas e pensar soluções”, destaca a diretora da Wylinka.