Desde 2013, a Retalhar diminui o impacto negativo criado pelo descarte de tecido na natureza. Hoje, a empresa quer ir além: pretende aumentar o impacto positivo. A diferença parece pequena, apenas um jogo de palavras, mas não é. Jonas Lessa, CEO da Retalhar, é filho de jornalista e psicóloga, então aprendeu a sempre escolher muito bem as palavras. Fala com tranquilidade e explica o que pretende: “Antes a Retalhar ‘só’ aproveitava restos de tecidos para criar produtos limitados. Agora, a empresa tem uma nova missão: contribuir com a economia circular, repensando a forma de criar produtos desde o início, para que eles sejam bem recuperados e voltem a ser matéria-prima durável”.

A inovação sempre esteve presente na Retalhar, pois foi a primeira empresa a virar referência no reaproveitamento de tecidos. E isso aconteceu porque houve a fusão de dois conhecimentos fundamentais para o negócio: Jonas tinha formação em gestão ambiental, enquanto o amigo, Lucas Corvacho, tinha conhecimentos na área têxtil, herdado da família que já possuía uma confecção de uniformes profissionais.

Os dois começaram a trabalhar juntos na confecção. Mas grandes oportunidades começaram a surgir. Diversas empresas passaram a procurá-los para definir o que fazer com o pós-consumo de tecidos. “Primeiro, transformamos os retalhos dos uniformes em brindes corporativos. Depois, veio uma demanda da TAM e atendemos, mas era uma demanda 10 vezes maior do que estávamos habituados. Como acontece na história de todo empreendedor, passamos a madrugada acordados para atender”, lembra Jonas.

No final dessa força-tarefa, surgiu a certeza que Jonas e Lucas precisavam virar sócios de uma nova empresa. “Decidimos dar vida própria ao projeto, porque as oportunidades estavam caindo no colo. Estava chovendo na nossa horta. Não era só o cliente da confecção que estava nos procurando”, conta Jonas.

Jonas e Lucas criadores da Retalhar. Crédito: Retalhar

O passo seguinte

Depois de criar a Retalhar, fazer prospecção ativa e começar a atender diversas empresas, Jonas e Lucas perceberam que era necessário fazer uma alteração no negócio. Não bastava apenas transformar os retalhos em brindes cooperativos. “O Lucas tem uma frase boa. Ele diz que a gente estava vendendo a cereja do bolo como se fosse o bolo”, conta Jonas. O problema é que, em muitos casos, os clientes não tinham como escoar tantos produtos.

Surgiram, então, novas soluções para a gestão de resíduos. A Retalhar passou a desenvolver diferentes produtos. Os uniformes profissionais, que seriam descartados em aterros sanitários, foram transformados em, por exemplo, mochilas para crianças ou cobertores para moradores de rua. Viraram materiais úteis e também uma ferramenta para que diversas empresas demonstrassem engajamento em temas sociais. E a Retalhar só cresceu, reduzindo de forma real o impacto negativo no meio ambiente.

Variedade de clientes e ações

A Fedex foi uma das primeiras empresas a fazer parceria com a Retalhar. E até hoje a contribuição é significativa, pois a empresa já forneceu material para produção de sete mil cobertores só neste ano.

A Retalhar também faz parcerias pontuais, como uma ação com o Palmeiras, time de futebol paulista. O clube doou uniformes usados para que fossem transformados em cobertores. De acordo com Jonas, existe a possibilidade de ampliar esse tipo de ação para outros clubes, até com mais frequência, mas há dificuldade para atender tanta demanda.

Vídeo da ação do Palmeiras

A busca por variedade na produção é muito perceptível na parceria entre Retalhar e iFood. Afinal, o material coletado já é diferente de qualquer outro – são as mochilas térmicas, também chamadas de bags, que entregadores já utilizaram, mas não estão em condições ideais.

André Borges, head de Sustentabilidade, Saúde & Bem Estar e Benefícios no iFood. Crédito: Divulgação

A parceria, que gerou o projeto “Já Fui Bag”, surgiu por iniciativa do iFood, que até 2019 despejava as mochilas em aterros sanitários. Depois de reuniões entre as duas empresas, foi decidido que as bags podiam virar sacolas e pochetes personalizadas, que são utilizadas pela empresa e por clientes. André Borges, head de Sustentabilidade, Saúde & Bem Estar e Benefícios no iFood, comemora a parceria. “Conseguimos ressignificar a função das mochilas térmicas, fazendo com que elas se tornem novos produtos a partir da reutilização dos materiais têxteis.

 

Além disso, conseguimos gerar renda para as cooperativas de costura parceiras da Retalhar e evitamos o acúmulo de mais resíduos no planeta”, revela André.

Vídeo sobre costureiras do projeto

A parceria prepara uma novidade criativa. “Vamos distribuir kits de primeiros socorros feitos com as bags para o projeto Anjos de Capacete, que visa conscientizar os entregadores para um trânsito mais seguro”, destaca André. Tudo isso faz parte de uma meta ambiciosa do iFood: “Este ano assumimos nosso compromisso ambiental para 2025, o qual tem dois grandes objetivos: zerar a poluição plástica no delivery e tornar o iFood neutro na emissão de CO2”, completa.

Jonas aponta que outro ponto a ser melhorado na parceria é conseguir um aproveitamento melhor do material entregue pelo iFood. Atualmente, a Retalhar precisa que a bag esteja em boas condições. Mas o CEO acredita que é possível fazer mudanças para obter mais matéria-prima.

Segundo ele, o iFood se identifica com os propósitos da Retalhar e tem mostrado disposição para melhorias. “O valor da sustentabilidade toma forma cada vez mais, com o iFood lançando inclusive compromissos públicos. Vemos cada vez mais receptividade, até porque gera retorno para eles em relação à reputação. Teve até um projeto no BBB (o reality show Big Brother Brasil), da Rede Globo, com o ‘Já Fui Bag’”, lembra Jonas, citando as ações de marketing em que os “brothers” apareceram usando as sacolas produzidas pela Retalhar.  

Pochete do projeto “Já fui Bag”. Crédito: Retalhar

Economia circular

Nas discussões sobre meio ambiente, um novo termo tem aparecido com frequência: economia circular. Cuidadoso com as palavras, Jonas se preocupa com essa “banalização”, algo que já aconteceu com a palavra sustentabilidade, segundo ele. “Tem tanta gente colocando tanta coisa como sustentável, que ninguém mais acredita nessa palavra”.

Mas, por enquanto, Jonas ainda acredita no termo economia circular e explica que um dos objetivos da Retalhar é buscar essa prática. Segundo ele, atualmente, a empresa realiza “lógica reversa”, que é coletar resíduos, separar e encaminhar para o setor industrial. “Mas, para ser economia circular, é preciso pegar uma calça jeans pós-consumo, tirar tudo que tem que ser removido, triturar, desfibrar, fazer fio, fazer tecido e fazer calça novamente. É o que eu gostaria de ver acontecer. A poluição causada pela produção têxtil só reduzirá quando tiver esses ciclos fechados. Transformar algo em cobertor tem valor, mas não é ideal para nós. O ideal é que as empresas comprem uniformes sabendo que eles serão processados e vão virar novos uniformes”.

Mochila desenvolvida com materiais reutilizados. Crédito: Retalhar

Para que isso aconteça, a Retalhar pretende estar dentro das empresas, atuando praticamente como consultora, para que os uniformes sejam produzidos desde o início com cuidados ambientais.

Pandemia e consultoria

Quando a pandemia causada pela Covid-19 chegou ao Brasil, a Retalhar imaginou que poderia ter um grande prejuízo. De fato, surgiram problemas iniciais, inclusive com a “parte humana”, como define Jonas. “As questões políticas, com todo mundo fragilizado pelo risco de doença e perdas, gerou um ambiente de medo”.

Aos poucos isso foi superado. E o prejuízo econômico durou pouco tempo na Retalhar. De acordo com Jonas, atualmente, a demanda já aumentou 50% em comparação com o período pré-pandemia. Esse impulso motivou a Retalhar a focar no objetivo de virar uma consultoria para empresas que desenvolvem uniformes. Com isso o melhor aproveitamento de tecidos aconteceria desde a elaboração das vestimentas.

“Deixamos de ser gestor de resíduo e passamos a ser ponto de apoio para tomada de decisões envolvendo uniformes dentro da empresa, desde a concepção. Conseguimos ser mais influentes nas empresas. Com isso, saímos do cenário de reduzir impacto ambiental negativo para gerar impacto ambiental positivo”, explica Jonas, mostrando a diferença entre “reduzir o negativo” e “criar o positivo”.

De acordo com o CEO, a Retalhar sempre quis fazer esse serviço, mas a pandemia acelerou o projeto. “Antes, achávamos que podíamos entrar pela chaminé das empresas, de onde sai o resíduo, e sairíamos de lá para poder influenciar. Mas vimos que chegávamos sujos e éramos vistos como os caras que cuidam do lixo. É muito desvalorizado. Não deram ouvidos quando quisemos aconselhar. Agora, em vez de entrar sujo, já chegamos vistos como consultores, entramos na sala da diretoria e não precisamos passar por um monte de aprovações”.

A mensagem germinou

A Retalhar se preocupa em entregar mais do que produtos. A empresa quer distribuir conscientização. Por isso, cada peça produzida acompanha sempre um material de comunicação para levar a mensagem de cuidados ambientais adiante. Quando são produzidas mochilas, por exemplo, as crianças aprendem a importância de reaproveitar materiais.

Para Jonas esse processo tem um significado especial, pois o pai dele, Sávio de Tarso, era um jornalista ambientalista. Ele participou da criação da Mostra Ecofalante de Cinema Ambiental e influenciou no caminho que o filho tomou. “Eu costumo dizer que sou ambientalista de criação e gestor de formação. A Retalhar materializa o valor que meu pai germinou em mim e dá frutos até hoje”.

A influência de Sávio não acabou em Jonas. Uma vez, enquanto fazia uma distribuição de cobertores, o CEO da Retalhar ouviu que o mundo seria melhor se existissem mais Jonas no mundo. Ele ficou lisonjeado, mas fez questão de destacar que não fez nada sozinho. “Se dependesse só de mim, a Retalhar teria acabado quando meu pai morreu, porque eu não saía da cama”.

Mas a Retalhar continuou, porque outros Jonas germinaram no mundo, através das reflexões que a empresa gera. “Cada contato com o cliente é uma forma de mudar o que ele pensa. Talvez na prática não implique em um novo negócio, mas um diretor de multinacional vai pensar no que está fazendo com o mundo. ‘Quantos outros problemas estou negligenciando? Quantas oportunidades eu tenho para melhorar o mundo?’. Essa questão de inspiração da Retalhar é o mais importante para mim”, conclui Jonas.

 

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