Muitas vezes, o empreendedorismo é apontado como solução para os desempregados do Brasil. Há quem acredite na tese de que basta abrir um negócio, ter força de vontade e se beneficiar de diversas vantagens. 

Vale dizer: mulheres empreendedoras tiveram mais dificuldades do que os homens na pandemia. Segundo a pesquisa “Empreendedoras e seus Negócios 2020”, estudo realizado pelo Instituto Rede Mulher Empreendedora, apesar dos efeitos nos comércios serem comuns para ambos os gêneros, a gestão do tempo criou uma dificuldade extra para as mulheres. Cerca de 20% das empreendedoras relataram que tiveram mais dificuldades para organizar as tarefas e conciliar com os cuidados da família. Enquanto esse problema apareceu para aproximadamente 10% dos homens. Uma das conclusões da pesquisa é que, psicologicamente, as empreendedoras foram mais afetadas do que seus pares do sexo masculino. Isso acontece porque, geralmente, a mulher é a principal responsável pela casa e, portanto, precisa cuidar das tarefas do lar e do próprio negócio. 

Ednusa Ribeiro, cofundadora do Meninas Mahin, coletivo que busca fomentar o empreendedorismo das mulheres negras, conhece bem essas dificuldades. Na periferia, especialmente para mulheres negras, empreender significa fazer sacrifícios. E a pandemia só agravou essa situação.

O Coletivo Meninas Mahin, que existe desde 2016 e já organizou 155 eventos para ajudá-las, teve que se adaptar ao cenário pandêmico, mas continuou fornecendo apoio. Transmissões ao vivo foram organizadas para troca de informações. E diversas ações foram realizadas para atender às necessidades mais básicas.

A situação fica mais difícil com o passar do tempo. Ednusa entende que a periferia está “no limite do fio”, porque as dificuldades se agravaram ainda mais com a segunda onda da Covid-19. Contudo, ela enxerga um futuro promissor para o setor de eventos, porque entende que as pessoas vão querer sair mais do que nunca quando a pandemia estiver mais controlada. E assim o setor de eventos vai se recuperar da crise.

Entretanto, a empreendedora sabe que não basta apenas apostar na expectativa das pessoas. Ednusa acredita que o setor público deva criar soluções a curto prazo, como parcerias com quem já conhece as periferias, além de organizar eventos que integrem diversos setores da sociedade.

Entenda estas questões, a partir das experiências e vivências do coletivo Meninas Mahin, nesta entrevista concedida à Aupa.

AUPA – Quais foram os principais efeitos da pandemia da Covid-19 para o coletivo?
Ednusa Ribeiro – Fizemos várias ações na pandemia, mas inicialmente surtamos. Depois, com parceiros, tivemos ajuda para manter o coletivo. Desenvolvemos crowdfunding, lives do Comitê de Impacto da Periferia, doações de máscaras e insumos. Mas o coletivo se recolheu para entender o que estava fazendo. Voltamos aos editais. Não fomos contempladas em vários. Mas conseguimos passar por acelerações e mentorias. E fomos nos entendendo como um negócio de impacto global, de economia colaborativa, que tem que buscar recursos. É aquela premissa: eu quero subir, mas quero mais pessoas subindo junto comigo.

AUPA – As empreendedoras que chegam ao coletivo para pedir ajuda são pessoas que não tiveram acesso ao mercado de trabalho?
Ednusa Ribeiro – Há esta situação, sim. Nosso coletivo tem recorte de gênero e raça. Quando começou, em 2016, tinha recorte de território também. Só atuava na Zona Leste paulistana, mas a dinâmica cresceu. Acolhemos e hoje temos mulheres de várias regiões da cidade. Contudo, vale dizer, a mulher preta e da periferia empreende desde cedo, mesmo trabalhando. A maioria empreende na dor, não porque quer, mas para completar renda. Mesmo trabalhando, empreende por necessidade. Temos que falar sempre: empreender não é romântico. Não tem essa história de empreender e ganhar rios de dinheiro. Vai fazer seu horário? Vai. Das 7 da manhã à meia noite. Ainda, sobre escala de trabalho, a mulher tem que empreender e chefiar a casa. Então, pesa mais, porque há contas para pagar e, ao mesmo tempo, precisa empreender. Trabalhamos com recortes de micro e nano negócios, onde, não-raro, a mulher não se vê como empreendedora e gestora de seu próprio negócio.

AUPA Quais são as principais dificuldades para fazer com que essas mulheres se tornem gestoras de um negócio?
Ednusa Ribeiro – Podemos dividir em dois momentos: antes e depois da pandemia. Antes da pandemia, havia um cenário onde as mulheres chegavam no Coletivo porque não tinham espaço adequado e seguro para vender produtos. E elas também tinham dificuldade de entender conceitos comuns do vocabulário do empreendedorismo em oficinas. No cenário pós-pandemia, você mantém esses cenários e acrescenta o mundo digital. Acessar o mundo digital não é só acessar a internet. Muitas mulheres tinham as ferramentas e mal sabiam utilizar WhatsApp. Agora tem que fazer negócios por WhatsApp. Quando falo isso para uma adolescente, tudo bem, ela entende. Mas quando falo para uma mulher de 50 anos, ela questiona: “é necessário isso?”. E, sim, é necessário, porque essa é a linguagem de hoje. Tem Reels, Tik Tok e remix. Mas a informação não chega, porque, às vezes, nãohá internet. O problema está na raiz. Está muito mais embaixo. Estamos tirando sangue de pedra. Outra dificuldade é que todo mundo entrou em pânico e precisava pensar no modelo de entrega. E os serviços dos Correios tiveram excesso de pedidos, não estavam esperando a demanda. Além disso, é preciso pensar como será a taxa cobrada, pensar se o produto está preparado para custar três vezes mais, devido ao valor do frete.

AUPA – Por outro lado, você acha que as empreendedoras podem fazer o movimento contrário e, assim, desistirem dos negócios próprios, já que terão mais acesso ao mercado de trabalho?
Ednusa Ribeiro – Às vezes, sou mais otimista; outras vezes, não tanto. Temos que deixar explicado que empreender não é fácil. A pessoa tem que gostar e querer muito. Tem que estar bem explícito que ela não pode parar de estudar. Não digo com meio acadêmico, mas com oficinas e todos meios de comunicação. E quando falo do cenário governamental, cada vez mais teremos menos acesso à CLT (Consolidação das Leis de Trabalho) e a contratação será como PJ (Pessoa Jurídica). Quando falo de contratação PJ, é MEI (Microempreendedor Individual). A pessoa precisa ter educação para pagar impostos e fazer plano de saúde pelo MEI. Ela terá que fazer isso. Eu não gosto. É minha opinião. E a pandemia não pode durar muito. Estamos no limite do fio. Se o acesso à vacina continuar demorando, ficará difícil para o nosso coletivo, por exemplo. Quem está na periferia continuará com subempregos por um tempo.

AUPA – Diante dessa realidade, o que você enxerga como possíveis soluções a curto prazo?
Ednusa Ribeiro – Temos parcerias público-privadas no Governo. Mas é necessário começar a pensar em parceria público-públicas. Ou público-coletivos. Ou público-territórios. Temos praças subutilizadas e galpões. Quem está nesse território são os pequenos coletivos fazendo coisas grandes (oficinas, feiras, consultorias, mentorias e palestras, por exemplo) Por que não fazer parceria pública com esses coletivos? Como contrapartida, eles precisam cuidar do espaço e entregar ações determinadas. E o coletivo, além de usar bem o espaço, traria valorização à pessoa. Quando você vê uma praça bem utilizada, não irá destruir. A sensação de segurança muda, porque tem movimento. Existem locais para ginástica e lazer, espaços para feiras. O resultado desse tipo de ação é moroso, mas acontece se for recorrente. Podemos chamar outras secretarias, não apenas a Secretaria da Cultura. Por exemplo, pode-se chamar a Secretaria da Educação para fazer uma aula temática ou a Secretaria da Saúde para um evento de higiene bucal. Em uma praça com quadra, posso trazer a Secretaria de Esporte para fazer uma competição ali. Veja quantas questões resolvemos em um espaço só, em uma comunidade que possui as mesmas necessidades. 

AUPA – O formato atual do coletivo, com lives, é o ideal na pandemia. Mas futuramente isso deve ser mantido?
Ednusa Ribeiro: O coletivo é híbrido. É físico e digital. Vamos continuar com ações digitais, mas explico às empreendedoras que estamos nos preparando para o mundo físico. O cenário de feiras e eventos, quando abrir a porteira, será o mais promissor. As pessoas vão querer sair. Se eu fizer feira de segunda a domingo, terão pessoas. Quero estar organizada física, psicologicamente e mentalmente para aguentar esse novo normal. Haverá ainda muita imersão no mundo digital, mas o ser humano precisa de contato e viver em sociedade.

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