Pensando na necessidade de impulsionar o ecossistema de impacto e também envolver os empreendedores afro-brasileiros, iniciativas como o Movimento Black Money demonstram sua relevância. Além do resgate da ancestralidade e do protagonismo negro no universo empreendedor, tais organizações contribuem para a consolidação de iniciativas que trazem retorno à população afrodescendente.

Fundado por Nina Silva e Alan Soares, o Movimento Black Money (MBM) busca desenvolver uma mentalidade inovadora entre empreendedores jovens e negros. Partindo de uma visão Pan-africanista, o foco do trabalho está em conteúdos que deem visibilidade e conectem agentes transformadores do ecossistema. Segundo Alan Soares, o MBM não é uma aceleradora. “Trabalhamos com comunicação, educação e finanças”, comenta ele que é educador e coach financeiro, trader e empreendedor social.

O MBM desenvolve o , que protagoniza mulheres, jovens e meninas negras por intermédio da democratização do ensino de tecnologias para empreendedoras. Quando o assunto é finanças, o MBM destaca-se pela criação do D’Black Bank, uma fintech que conecta consumidores e empreendedores negros, por meio de serviços financeiros e incentivos sociais a projetos educacionais.

Em entrevista para a Aupa, Alan Soares compartilha sua visão da força afro-brasileira que existe no ecossistema de impacto, mas não ignora o racismo que também existe no setor. “A minha pergunta é: os empreendimentos sociais, aqueles que recebem maior aporte financeiro, seja de um investidor-anjo ou diretamente por doação, são aqueles que tem um negro como dirigente ou um branco como dirigente?”, questiona Soares.

“Nós nascemos e somos oriundos de uma sociedade matriarcal e de uma sociedade comunitária. O que é cultuado não são as posses, mas, sim, as gerações com as pessoas. Isso tem tudo a ver com o modelo social que nós desejamos estar”

AUPA | Quando e como começou o Movimento Black Money?

ALAN SOARES | Eu diria que, como prática, ele sempre existiu em África. Mas vamos dizer que nas Américas ele existe desde que os negros foram trazidos para cá, na situação de cativos. Porque, desde sempre, os nossos ancestrais já vinham guardando dinheiro para conseguir a liberdade uns dos outros. Então, o Black Money sempre existiu e era um recurso de defesa e autopreservação do nosso povo. Enquanto ideia, eu poderia dizer que o pai do MBM é [Marcus] Garvey. Tanto que nos apregoamos que somos garveystas. E o próprio Garvey também é a essência do PanAfricanismo, que acabou influenciando grandes líderes, como Malcom X e Martin Luther King Jr. Então, toda essa história vem a cabo influenciando o que hoje nós denominamos como Movimento Black Money. Demos este nome, mas a estrutura e a prática do mesmo, eu posso dizer que, no mínimo, nas Américas é desde que o primeiro negro foi desembarcado aqui. E é isso. Eu poderia dizer que eu e a Nina demoramos cerca de 35 anos para aprender isso para poder colocar em prática.

AUPA | Como você vê a questão da africanidade e da afro-brasilidade dentro do ecossistema de impacto?

ALAN SOARES | Retomar a nossa africanidade e a manifestação da nossa afro-brasilidade é trazer o nosso pensamento ao Sul e, realmente, trazer a essência das nossas raízes. Nós nascemos e somos oriundos de uma sociedade matriarcal e de uma sociedade comunitária, onde para se criar e educar uma criança é necessária uma tribo. É uma filosofia de ubuntu [noção de humanidade para todos, também ligada à luta contra o Apartheid; é também a consciência entre o indivíduo e a comunidade].  O que é cultuado não são as posses, mas, sim, as gerações com as pessoas. Isso tem tudo a ver com o modelo social que nós desejamos estar. É uma mistura que podemos verificar dentro das nossas próprias comunidades, hoje em dia. As comunidades carentes e as favelas: você pode verificar que, em essência, elas se parecem muito com um quilombo urbano. São essencialmente uma ideia trazida dos quilombos, a nossa herança africana. Então, retomar essa ideia de africanidade é vital justamente para nos aceitarmos como coirmãos e auxiliarmos uns aos outros.

AUPA | Quais os diferenciais do Movimento Black Money quando se fala na formação de novos líderes?

ALAN SOARES | Vou roubar uma fala do Malcom X para explicar. Ele dizia que nós não estávamos brigando por interacionismo, nem por separatismo. Estávamos lutando pela nossa dignidade e por uma visão do mundo que compreendesse que nós somos seres humanos. Estamos brigando pela nossa humanidade. Então, a diferença do MBM na formação de líderes nasce dessa essência de que precisamos verificar a nossa negritude e precisamos, desejamos e exigimos que o mundo nos enxergue como negros, como seres humanos negros. Existe uma diferença da questão histórica entre homens brancos e homens negros, ela deve ser respeitada culturalmente e nós queremos esse respeito. Desejamos ser respeitados, sem necessitar copiar o modelo europeu. A principal diferença dos líderes dentro do MBM, a partir da inseminação da nossa filosofia, é justamente a criação de um ecossistema negro, onde nós possamos ter trocas entre nós mesmos, relacionamentos comerciais entre nós, empregar pessoas dentro das nossas empresas e montar as nossas próprias empresas. O que nós desejamos como comunidade é o fortalecimento do nosso grupo: que ele possa ter seus próprios negócios, mantenha a maioria do relacionamento comercial entre si. E aquilo que for vantajoso para ambos os lados, tanto para a comunidade negra quanto para a comunidade branca, que seja feito. Mas pregando a ideologia do nacionalismo negro e do garveyismo.

“Existe uma diferença da questão histórica entre homens brancos e homens negros, ela deve ser respeitada culturalmente e nós queremos esse respeito.”

AUPA | Como você vê o cenário de inovação e tecnologia quando se pensa nos empreendimentos voltados à população negra? Você destaca algum case?

ALAN SOARES | Dentro do sistema de inovação e tecnologia justamente, é preciso considerar também a nossa base educacional que, majoritariamente, é fraca – a educação pública é extremamente deteriorada no Brasil. Nós ainda estamos engatinhando neste quesito quando vamos comparar com os empreendedores não-negros, mas, graças aos nossos deuses, está florescendo a comunidade. Ela tem procurado, justamente, a área de tecnologia, informação e inovação para começar a desenvolver estes negócios mais tecnológicos. Não vou reduzir ou milimetrar e só falar do âmbito brasileiro. Para a comunidade negra, dentro dessa ideia de inovação e dos locais onde nós estamos nos infiltrando, há vários cases de sucesso, como a Diáspora Black, o Clube da Preta, o BlackRocks.  Nós lançamos recentemente o D’Black Bank, por exemplo. Então, as perspectivas futuras são excelentes.

Média de anos de estudo das pessoas de 15 anos ou mais de idade, por sexo, segundo cor/raça e localização do domicílio no Brasil entre 1995 e 2015. Interaja com o gráfico usando os filtros 

Fonte: PNAD/IBGE.

AUPA | Como você vê a questão do racismo dentro do ecossistema de impacto social?

ALAN SOARES | Deixo até alguns questionamentos sobre isso. Você vê vários empreendimentos sociais ou, então, ONGs. A minha pergunta é: os empreendimentos sociais, aqueles que recebem maior aporte financeiro, seja de um investidor-anjo ou diretamente por doação, são aqueles que tem um negro como dirigente ou um banco como dirigente? Das empresas e startups, que vão para rodadas de negócios, quantas você conhece que receberam aportes de investidores-anjos? São de proprietários negros ou de proprietários brancos?

AUPA – Vocês trabalham a partir de uma visão PanAfricanista dentro do ecossistema de impacto. Fale um pouco, por favor, sobre este resgate de raízes dentro do ambiente de negócios de impacto.

ALAN SOARES | O ponto principal do PanAfricanismo é nos libertar de barreiras geográficas. Quando eu me comunico, quando falo sobre a comunidade negra, não estou falando apenas sobre afro-brasileiros: estou falando sobre todos os africanos do continente ou em diáspora. Um bom exemplo disso foi que, há algumas semanas a Nina [Silva], que é a presidente da MBM, foi homenageada como uma das pessoas afrodescendentes abaixo de 40 anos mais influentes [do mundo]. Justamente porque nós nos comunicamos, desejamos nos comunicar com todos os africanos, seja no continente ou na diáspora. Onde houver negros, nós desejamos estar em contato com eles, porque a nossa raiz é a mesma. Esse resgate da raiz é o resgate da nossa essência, é o resgate daquilo que nunca vão poder nos separar: a nossa melanina, a nossa origem. Partindo deste ponto, destaco que nós temos muito, dentro dos negócios de impacto, frases do tipo: “Ah, qual impacto que você causa?”. Nosso impacto é essa a visão de construção de um mundo melhor e mais humano para nossa comunidade negra. E um mundo melhor para essa comunidade negra, logicamente, vai acabar desencadeando num mundo melhor para todos, porque será mais igual.

Foto: Daniel Conceição.

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