Fazendas de ilusões

Entre o boom e o trabalho precarizado em plataformas

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Os números de curtidas, seguidores e comentários em redes sociais são cada vez mais importantes em nossa sociedade. Não são apenas um detalhe de vaidade ou ego. São números que influenciam nas condições financeiras de milhares de pessoas. E nesse contexto surgiu um movimento chamado de “Fazenda de Cliques”. São plataformas que oferecem um novo tipo de crescimento artificial desses números. Os mais variados profissionais, de empresários a celebridades, se interessam por esse serviço e criam, na verdade, uma “Fazenda de Ilusões”.

As “Fazendas de Cliques” possuem duas frentes. Na primeira, são sites que prometem milhares de seguidores, curtidas e engajamentos. Garantem até que todos seguidores serão “reais”, ou seja, não serão robôs feitos automaticamente nas plataformas. Em outra frente, as “Fazendas de Cliques” reúnem as pessoas que vão buscar os números. Prometem que eles poderão trabalhar de casa, com horário flexível, utilizando apenas o próprio Instagram. “Ganhe dinheiro online usando suas redes sociais” é a promessa mais comum, que atrai muitas pessoas.

E assim começa o serviço na “Fazenda de Cliques”: os trabalhadores passam a seguir perfis contratados e interagir com as publicações deles. E para cada ação é pago um valor determinado – em média é R$ 0,006.

Diante de um valor tão pequeno, o trabalhador precisa de muitas contas nas redes sociais para conseguir fazer tantas curtidas e comentários. Essa demanda gera um problema imediato: os trabalhadores passam a criar robôs para terceirizar as ações. Portanto, aquela promessa de “seguidores reais” não é cumprida.

Quem trabalha nessa área não tem qualquer vínculo empregatício e ainda enfrenta dificuldades, como a queda repentina no valor de pagamento. Recentemente, foi organizada até uma greve porque muitas “Fazendas” estavam baixando os pagamentos para R$ 0,003 por ação.

Consequências para a informação

As “Fazendas de Cliques” geram consequências negativas para a informação. Afinal, muitas pessoas medem a credibilidade de mensagens por seguidores e curtidas. E se esses dados podem ser comprados, há uma distorção natural e perigosa sobre o  que circula nas redes sociais.

Segundo pesquisa “Histórias da Inteligência Artificial”, desenvolvida pelo DigiLabour, laboratório de pesquisa sobre mundo do trabalho e plataformas digitais ligado à Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), muitos compradores de cliques são da área da saúde. Normalmente são profissionais interessados em ganhar relevância artificialmente. Eles não são autoridades no assunto, mas recebem esse status por causa de seguidores e curtidas comprados. Em uma época de pandemia, quando a sociedade está cheia de dúvidas sobre saúde, essa distorção passa a ser perigosa.

O Laboratório de Pesquisa DigiLabour produz investigações em torno das conexões entre mundo do trabalho e tecnologias digitais. crédito: Digilabour

Consequências para o e-commerce

Outra consequência das “Fazendas de Cliques” é criada para quem investe em e-commerce. Até nano e microempresários investem nessas “Fazendas de Cliques”, pois os valores cobrados estão cada vez mais acessíveis – com menos de R$100 é possível comprar mil seguidos. Mas, nestes casos, a eficiência da estratégia pode ser muito questionável.

Silvia Rodrigues, consultora de negócios do Sebrae-SP, explica que ninguém se beneficia com a prática. Para a empresa, adotar essa estratégia é ruim em três aspectos: “Além de ser uma forma de fraude virtual, constrói uma audiência fictícia, a qual prejudicará a própria empresa em sua imagem, reconhecimento de marca e relação com seus consumidores”. E, segundo ela, os próprios compradores são prejudicados: “Sabemos que o consumidor tende a escolher produtos bem avaliados, acreditando que outras pessoas passaram por experiências positivas. Então, quando existe uma fraude nesse processo, o consumidor é o primeiro a ser prejudicado. Por outro lado, também pode prejudicar outras empresas concorrentes que foram preteridas por receberem menor quantidade de avaliações”.

Silvia Rodrigues, consultora de negócios do Sebrae-SP. Crédito: Linkedin

A recomendação de Silvia é investir em anúncios dentro das próprias plataformas, com muito cuidado na segmentação de público. E ela também ressalta que nem todo pequeno empreendedor precisa ter um e-commerce. “Não é o único caminho. Muitos empreendedores vendem através dos marketplaces, que são grandes shoppings on-line, outros divulgam pelas redes sociais e se comunicam pelo Whatsapp. O on-line trouxe inúmeras oportunidades e diferentes formas de conexão, por isso é importante analisar cada caso”.

 

Apesar do crescimento das “Fazendas de Cliques”, Silva avalia que a gestão de redes sociais dos pequenos empreendedores brasileiros tem evoluído bem. “Percebo que os empreendedores têm se dedicado muito à gestão das mídias digitais, expondo seus produtos, fazendo a demonstração de uso, criando conteúdo e principalmente interagindo com o público”.

 

Posicionamento do Instagram

Principal rede social afetada pelas “Fazendas de Cliques”, o Instagram tenta autenticar contas e acabar com a criação de robôs – o que faz com que os trabalhadores das “Fazendas de Cliques” não ganhem nada por suas ações. Não-raro, as moderações das redes sociais são feitas por trabalhadores em condições precárias.

Questionado pela reportagem sobre as “Fazendas de Cliques”, o Instagram divulgou o seguinte posicionamento:  

“É muito importante para nós que as interações no Instagram sejam genuínas, e trabalhamos arduamente para manter a comunidade livre de comportamentos inautênticos. Serviços que oferecem formas de aumentar a popularidade de uma conta por meio de curtidas, comentários e seguidores ilegítimos não são permitidos e todos os dias milhares de contas falsas, inautênticas ou automatizadas são detectadas e bloqueadas automaticamente”.

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