Existe na literatura sobre sociedade civil uma discussão sobre confluência perversa de diferentes projetos políticos que pareciam propor a mesma coisa. Data de um argumento desenvolvido no final da década de 1990 por Evelina Dagnino, professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), quando a sociedade civil parecia ser a solução para todos os problemas. Do lado democrático-popular, ela seria a fonte de mobilização social e luta por direitos. Do lado neoliberal, ela seria a prestadora de serviços que resolveria os problemas de ineficiência do Estado.
O centro do argumento da confluência perversa era que, ao parecer que todos estavam propondo o fortalecimento da sociedade civil, estariam pautando a mesma coisa. Mas isso não era verdade! Enquanto um lado pedia o fortalecimento do Estado para a promoção de direitos reivindicados pela sociedade civil, o outro lado reivindicava a saída do Estado da realização de serviços públicos. Por isso, a confluência era perversa, ela mascarava uma divergência fundamental sobre o significado de cada proposta.
Acompanhando a discussão sobre negócios e investimentos de impacto, às vezes, tenho uma sensação de dèjá vu. Parece que os negócios de impacto são a saída para muitos problemas, desde o desenvolvimento de serviços e produtos que contribuam para a resolução de problemas socioambientais até para a profissionalização de organizações da sociedade civil.
O próprio conceito de negócios de impacto pode incluir cooperativas de agroecologia a startups que buscam tornarem-se unicórnios. Mas, nesse espectro de possibilidades, existem diferentes projetos econômicos e políticos que podem, muitas vezes, ser contraditórios. E quando se fala em projetos econômicos e políticos, não se fala em vinculação a um candidato ou partido político, mas, sim, visões sobre quais tipos de atividades econômicas devem ser incentivadas, como e por quem.
Ainda não é possível identificar os principais projetos econômicos que circundam o tema dos negócios e investimentos de impacto. Essa seria uma pesquisa interessante. Mas precisamos ficar atentos se, ao buscarmos o fortalecimento dos negócios de impacto, estamos propondo coisas diferentes.
Fortalecer os negócios de impacto seria identificar e investir em negócios escaláveis, que possam sozinhos gerar riqueza e soluções com grande impacto socioambiental? Ou seria fortalecer pequenos empreendedores que podem fazer negócios transformadores – mesmo que suas ações nunca ultrapassem os limites de suas comunidades? Ou, ainda, seria desenvolver Políticas Públicas que fortaleçam cadeias produtivas com grande potencial de impacto socioambiental?
A falta de clareza sobre os projetos econômicos envolvidos dificulta até mesmo o envolvimento das pessoas na agenda. Sem levantar a bandeira do investimento de impacto, por exemplo, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra foi capaz de engajar milhares de pessoas na captação de recursos para as cooperativas a ele vinculadas. E por que conseguiu isso? Para além da fama do movimento, a iniciativa foi capaz de deixar explícito que esse investimento fortalecia um projeto econômico que reivindicava o papel da agricultura familiar na produção de alimentos sem agrotóxicos, e não só contribuía para a solução de problemas socioambientais.
Isso não significa que a agenda dos negócios e investimentos de impacto precisa escolher uma ou outra forma de pensar o fortalecimento do ecossistema. Diante dos desafios sociais e ambientais, não podemos ficar entrincheirados dizendo que a minha proposta é melhor que a sua. Mas é importante saber que elas são diferentes e podem envolver projetos econômicos e políticos que pressupõem distintas visões de mundo, sobre como deve ser organizada a economia e a política.
Este texto é de responsabilidade da autora e não reflete, necessariamente, a opinião de Aupa.
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