Os números do cenário global são incontestáveis: a oferta de capital em investimento de impacto aumentou mais de 500%. Segundo dados do Annual Impact Investor Survey – 2018 publicado pelo Global Impact Investing Network (GIIN), o fluxo de capital investido em negócios de impacto foi de 46 bilhões de dólares, em 2014, para 228 bilhões de dólares em 2018.

Segundo Leonardo Letelier, fundador e CEO da SITAWI Finanças do Bem, a tendência deste número é aumentar: “Isso não é uma moda, não é algo que irá passar. E tem um fator geracional que está sendo muito comentado recentemente: o investidor da próxima geração, para quem o fator, propósito, é muito importante”, explica Letelier. “A gente já viu isso se refletir no consumo e vai ver no investimento. Esse pessoal vai ter uma transferência muito grande patrimônio com aposentadoria e morte da outra geração. Vai ter muito dinheiro mudando de mão e para mãos que querem investir com propósito”, prevê. A SITAWI gere recursos de origem filantrópica e investe financiando negócios de impacto, com um portfólio com mais de 30 organizações de impacto.

Toda essa abundância, porém, ainda não reverbera na realidade da maioria dos empreendedores, que enfrentam muita dificuldade em ter acesso a dinheiro. Segundo dados do 1º Mapa de Negócios de Impacto feito pela Pipe.Social em 2017 (o segundo será lançado dia 19 de março deste ano, no Civi-co), 79% das empresas brasileiras de impacto estavam procurando investimento e 35% não tinham nenhum tipo de faturamento.

A conta não fecha por um motivo: risco. Haroldo Torres, sócio-fundador da venture builder Din4mo, lembra da importância de fazer uma distinção entre investimentos em ativos e dinheiro na conta das empresas. “Os 226 bilhões de ativos são recursos em carteira de fundo de investimento a serem alocados em negócios de impacto”, ensina Torres. Ou seja, o número não é um indicativo de um investimento que efetivamente aconteceu, mas de que tem vários fundos que foram constituídos ao longo do tempo e que ainda vão alocar recursos. “Um exemplo é o fundo Performa, que está no Brasil, e que captou 150 milhões de reais lá fora, mas está começando seu processo de investimento”, completa.

Dito isso, Torres joga luz para uma questão estrutural: a dificuldade de o dinheiro chegar ao empreendedor. “Um fundo que captou 100 milhões de reais tem um custo de administração muito alto. Então, para fazer sentido, do ponto de vista operacional, é possível começar a investir a partir de 5 milhões de reais. Só que para um negócio de impacto chegar a uma condição de poder captar 5 milhões de reais, ele tem que ter uma história muito bacana e evidências muito claras da qualidade do negócio e da possibilidade de escalar. E isso poucos negócios terão”, avalia Torres. Isso explica o baixo número de negócios que os fundos de investimento apostam. “A relação é superior a 1% entre o número de empresas investidas por empresas estudadas”, afirma.

A tese pode ser bem ilustrada com dados da Vox Capital, um dos principais fundos de investimento de impacto no país. Em 2018, a Vox investiu em equity (comprando porcentagem da empresa), no valor de 7 milhões de reais, na Sanar, uma empresa de educação para profissionais da área de saúde. O relatório completo do impacto da Vox, em 2018, deve ser divulgado em meados de março.

Tua vara e teu cajado me consolam

Ainda que o empreendedor ande pelo vale da morte, é possível trilhar caminho. E as soluções vão se desenvolvendo junto com o próprio setor. Em 2017, a SITAWI fez seu primeiro investimento via crowdlending, ou empréstimo coletivo. Foram 100 mil reais em uma empresa que cria soluções para o ensino de Matemática no Brasil.

De lá pra cá, foram outros três investimentos seguindo o modelo e uma nova rodada está prestes a ser anunciada. “A SITAWI sempre trabalhou com dinheiro de doações e emprestava esse dinheiro ao empreendedor. O que a gente começou a fazer é: se temos 100 mil reais de doação, a gente empresta 33 mil para três empresas e convida nossos doadores e o público em geral a colocar mais dinheiro, mas como investimento”, conta Leonardo Letelier. “Ou seja, de 100 mil a gente faz 300 mil”.

Outra ponte que está sendo criada entre os grandes fundos e as empresas em estágio de maturação é a Din4mo, que por meio do Programa Inovadores apoia negócios em tração para conseguirem escalar. Um de seus braços de atuação é a Din4mo Ventures, que reuniu cerca de 100 investidores na plataforma Broota em um sindicato de investimento. Se a Din4mo decide liderar uma captação para alguma empresa, no mínimo 20% do valor alvo da rodada é colocado por eles.

Até agora a Din4mo já investiu e fez três captações: duas no Programa Vivenda e uma no Impact Hub. Um quarto investimento está saindo do forno e deve se anunciado em final de março.

De onde vem e pra onde vai o dinheiro grande?

O relatório publicado pela GIIN mostra que, ao longo destes quatro anos, quem despontou como principal investidor foram bancos e instituições financeiras. Em 2014, a categoria foi responsável por injetar pouco mais de 7 bilhões de dólares em ativos. Um mero trocado, se comparado aos quase US$ 110 bilhões investidos no ano passado.

Era de se esperar, com a explosão das Fintechs (só o Brasil viu este setor crescer mais de 60% desde 2017, de acordo com dados do Mapa das Fintechs lançado em meados de 2018), que entre os setores que tenha atraído mais capital seja o de Serviços Financeiros. Em 2014, os 21% representavam pouco menos de 10 bilhões de dólares. No segundo período, o número pulou para pouco mais de US$ 43 bilhões, representando o principal setor, com 19%. Outro destaque vale para o setor de Água e Sanitização que teve, proporcionalmente, o maior crescimento, saindo de 1%, em 2014, para 4% em 2018.

Para 2030 ainda é pouco

Apesar de 226 bilhões pareça muito, o recente artigo Catalyzing the growth of the impact economy publicado pela gigante consultora de empresas McKinsey adverte que é preciso conter a animação ao olhar para este aumento de quase 500% nos últimos 4 anos. Os autores lembram que as estimativas de gasto anual de capital exigido para atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU para 2030 são entre 1.4 trilhão e 2.5 trilhões de dólares. “Para fechar a lacuna, os proprietários de ativos e gestores de fundos precisarão adotar estratégias de investimento que enfatizem ainda mais os resultados sociais positivos, em vez de estratégias que apenas procuraram minimizar ou evitar resultados negativos”, afirma o artigo assinado por David Fine, Hugo Hickson, Vivek Pandit e Philip Tuinenburg.

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