Lei de Acesso à Informação e caso Covaxin: os desafios da transparência de dados no Brasil

Lei regulamentou a divulgação de dados públicos e gerou avanços, mas a sociedade ainda está evoluindo para entender a importância de ter acesso a essas informações

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Em 18 de novembro de 2011, há 10 anos, foi promulgada a Lei de Acesso à Informação (LAI), que regulamenta o acesso às informações de órgãos da União, dos estados e municípios. Antes disso, os órgãos do governo tinham o dever de dar transparência para esses dados, mas nada funcionava de forma eficiente, porque não havia uma regulação, um decreto que orientasse como isso deveria ser feito. A LAI funcionou, trouxe melhorias e mostrou a importância da transparência de dados, algo que entrou no debate público recentemente, devido às polêmicas envolvendo as compras da vacina Covaxin. Mas a aplicação da lei ainda tem desafios pela frente.

Paulo Prado, advogado da área de Direito Público do KLA Advogados. Crédito: KLA Law.

Paulo Prado, advogado da área de Direito Público do KLA Advogados, lembra como antigamente era mais difícil encontrar informações que deveriam ser públicas. “A Lei de Acesso à Informação é o regramento de uma previsão constitucional. Todo mundo tem direito à informação. Mas isso, desde 1988 (quando a Constituição foi criada), não tinha um regramento. Então, era complicado. Procurava-se dar transparência, mas era outra situação. A partir de 2011, quando você institucionalizou isso efetivamente, foi uma guinada de informações. Tudo ficou mais fácil”.


A LAI estabeleceu que deve haver dois tipos de transparência de dados: a ativa, na qual sites dos governos precisam publicar informações de interesse geral em uma seção de “Acesso à Informação”; e a passiva, em que um Serviço de Informações ao Cidadão (SIC) tem que responder a pedidos de acesso a documentos. Se um acesso for negado, é preciso apresentar uma justificativa. E a própria LAI permite que o governo estabeleça sigilo, em diferentes graus, a respeito de alguns documentos.

Cientista de dados da Transparência Brasil. Crédito: Transparência Brasil.

De forma geral, Paulo acredita que essas regras têm funcionado bem. E entende que a sociedade tem aprendido aos poucos a importância da transparência de dados públicos. “É uma curva de aprendizado. Tínhamos uma história de poucos instrumentos de transparência. Criou-se a lei, foi um marco e a sociedade começou a demandar. Há diversos órgãos que se dedicam a isso. Ainda estamos longe de ter uma sociedade ciente desse direito. Há pessoas que precisam comer antes de qualquer coisa. Mas a imprensa está preparada e tem um instrumento na mão. As instituições sociais também”.

 

O portal e ONG Transparência Brasil tem um papel importante na luta pela divulgação de dados e tenta promover o controle social do Poder Público. Jonas Coelho, cientista de dados do projeto, afirma que “A sociedade está dando passos lentos e tem alguns retrocessos. Mas, quando surgem grandes casos, como o da Covaxin, as pessoas percebem a importância da transparência e que ainda não temos todas as informações. Até pessoas esclarecidas, como jornalistas, se espantam, porque tem coisas que precisam ser publicadas no site, mas não são”.

 

O caso Covaxin

Simone Tebet, senadora. Crédito: Agência Senado.

O caso da Covaxin, citado por Jonas, mostra como é importante que entidades civis tenham acessos a documentos importantes do governo. Por causa da CPI da Covid, a senadora Simone Tebet (MDB) teve acesso a notas fiscais de compras de vacina Covaxin. A equipe de assessoria legislativa da senadora fez um estudo minucioso dos documentos. Erros grosseiros foram encontrados e, então, Tebet denunciou uma suposta fraude, que ainda está sendo investigada. O caso pode levar a conclusões fundamentais sobre crimes cometidos pelo governo federal na condução da crise sanitária causada pela pandemia de Covid-19.

Tudo começou depois que o deputado federal Luis Miranda e o irmão, Luis Ricardo Miranda, funcionário do Ministério da Saúde, fizeram denúncias de suspeitas sobre a compra da vacina Covaxin. Eles deram entrevistas para a imprensa e depois falaram desse caso na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid. Contaram que, anteriormente, tinham avisado sobre possíveis irregularidades para o presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Luis disse que até mostrou uma nota fiscal da compra internacional (invoice), que continha vários erros – como a quantidade de doses compradas e a existência de um pagamento antecipado. Poderia ser um indicativo de corrupção. De acordo com o parlamentar, Bolsonaro disse que tudo fazia parte de um esquema do também deputado Ricardo Barros, líder do governo na Câmara, e prometeu fazer algo para investigar. Mas, até agora, não foi comprovado que o Presidente da República tenha feito algo, o que levanta suspeita de prevaricação.

À esquerda, Ricardo Miranda e, à direita, Luis Miranda. Crédito: Agência Senado.

Depois que as denúncias dos irmãos Miranda vieram à tona, a primeira reação do Governo Federal foi apresentar outras duas notas fiscais, que seriam as verdadeiras. Mas Simone Tebet analisou os documentos e encontrou erros suspeitos. “Nós estamos falando de falsidade ideológica formulada por alguém. Tem a marca e o logotipo desenquadrados, não estão alinhados em alguns pontos, como se fosse uma montagem. Possui inúmeros erros de inglês, e, talvez, o mais desmoralizante seja o erro 17: no lugar de preço, ‘price’, está ‘prince’”, disse a senadora na CPI da Covid, na sessão do dia 6 de julho.

A reportagem da Aupa entrou em contato com o gabinete de Simone Tebet para entender como está o andamento dessa denúncia. “Muitas coisas continuam na interrogação. É um caso muito bom para o Ministério Público avançar com as investigações, porque o poder da CPI é limitado. As peças não se encaixam. A celeridade para tentar comprar a Covaxin em comparação com outras vacinas ficou bem nítida”, informou a equipe de assessoria jurídica da senadora.

A equipe endossou que Simone discorda da versão apresentada pelo Governo. “Acreditamos que a narrativa do Governo foi para tentar blindar o presidente, por causa da denúncia que o Luis Miranda fez. Eles dizem que a primeira nota não existiu. Se ela não existe, não poderia ter sido mostrada para o presidente. E, então, isso isentaria o Presidente da República de acusação de prevaricação”.

Toda a análise do documento e as suspeitas de Simone Tebet constam no relatório final da

CPI da Covid, elaborado pelo deputado Renan Calheiros (MDB), nas páginas 1172 e 1173. Esse relatório, se aprovado pelos demais membros da CPI, será encaminhado para diferentes órgãos, como Procuradoria Geral da República, Ministério Público e Câmara dos Deputados, que podem avançar com a investigação.

Diante do caso Covaxin, o portal Transparência Brasil alertou para um problema recente: a divulgação de notas fiscais na Nova Lei de Licitações foi vetada pelo presidente Jair Bolsonaro. “Ele alega questão de sigilo fiscal, de defesa nacional, mas os argumentos não se sustentam, porque você pode estabelecer como regra a divulgação e definir qual exige sigilo maior. A própria Lei de Acesso à Informação diz isso. A compra já é pública e o sigilo poderia ser estabelecido posteriormente, em alguns casos”, critica Jonas.

 

Dificuldades no Governo Federal

O texto da LAI serve para todos os presidentes, assim como para governadores e prefeitos. Mas a aplicação das leis pode variar por diversos motivos. No caso do atual Presidente da República, o portal Transparência Brasil está finalizando um estudo que comprova retrocesso na transparência de dados. “Nossa percepção é que diversos retrocessos na transparência ocorreram nos últimos anos, tanto nas respostas dadas quanto no aumento de sigilos injustificados e falhas na transparência ativa”, destaca Jonas.

Na prática isso significa que o governo de Jair Bolsonaro tem deixado de publicar dados que deveriam ser divulgados, além de aumentar o sigilo sobre informações relevantes. Recentemente, o presidente chamou atenção por colocar em segredo, por 100 anos, dados sobre os acessos dos filhos dele ao Planalto e também a respeito do próprio cartão de vacinação.

O Governo Federal também fez uma mudança na LAI por causa da pandemia. Normalmente, é preciso apresentar uma resposta, a qualquer pedido, em no máximo 20 dias. A Medida Provisória 928 estabeleceu a suspensão desse prazo, com a justificativa de atender prioritariamente às demandas relacionadas à pandemia. Paulo Prado citou que realmente surgiram novas dificuldades durante este período, mas entende que a situação foi normalizada. “No primeiro momento foi muito difícil, porque ninguém estava preparado. Houve dificuldade de disponibilização. Em alguns casos, não houve intenção de disponibilizar também. Mas a pressão e a estabilização dos sistemas trouxe a coisa para um patamar aceitável novamente”, explica o advogado.

Mais um sinal de falta de transparência do governo atual surgiu recentemente, com uma reportagem do jornal Estado de S.Paulo. A denúncia é que servidores do Planalto teriam orientado ministérios a omitir informações públicas por motivos políticos. O Estadão fez um pedido de dados para investigar quais políticos faziam parte do chamado “esquema do orçamento secreto” – um repasse de verbas, através de emendas, para gerar apoio político a Bolsonaro. Neste caso a investigação era sobre o Ministério da Saúde. O servidor Danillo Assis da Silva Lima, assessor da Secretaria de Governo, teria recomendado que o Ministério deveria “avaliar se os ofícios oferecem algum risco político”. Procurados para falar sobre o assunto posteriormente, o Ministério da Saúde e a Secretaria do Governo não explicaram por que Danillo deu essa orientação.

Dificuldades nos estados e municípios

A falta de transparência não é vista apenas na esfera federal. Também é possível encontrar problemas nos estados e municípios. O portal Transparência Brasil divulgou que apenas 15% dos Tribunais de Contas estaduais e municipais atingiram nota máxima de transparência, de acordo com o índice elaborado pela organização.

Crédito: Transparência Brasil.

A análise contempla a divulgação de dados sobre compras públicas relacionadas à alimentação escolar. E também há uma análise da qualidade dos dados apresentados, que demonstra mais problemas, como inconsistências nos dados, erros de preenchimento, falta de informações e até uso de formato inadequado, o que dificulta a análise automatizada.

O advogado Paulo Prado explica que essa dificuldade na transparência acontece, muitas vezes, por falta de estrutura. “Os estados editam decretos sobre a LAI, contudo a norma geral todo mundo segue. Vale ressaltar que há limitações de tamanho, de disponibilidade financeira e de sofisticação de sistema. Existem prefeituras muito pequenas que não têm dinheiro para muita coisa. Há uma diferença de capacidade”.

 

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