Lei do Bem abre espaço para a inovação nas empresas

Único benefício fiscal federal para o desenvolvimento tecnológico na iniciativa privada, a lei de incentivo reforça a relevância da pesquisa para o avanço econômico do país

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Incentivar a pesquisa, o desenvolvimento e a inovação na iniciativa privada é o objetivo da Lei do Bem (nº 11.196/2005), que fomenta projetos dedicados a desvendar desafios tecnológicos. Em contrapartida, a empresa acessa incentivos fiscais, como o abatimento dos investimentos realizados nas despesas com o imposto de renda. Em um país onde o orçamento para pesquisa e ciência de base andam seriamente comprometidos, a Lei do Bem representa uma porta para a inovação por caminhos diferentes – do chão de fábrica aos laboratórios de ponta -, possibilitando o avanço científico aplicado em produtos e serviços feitos no Brasil.

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O incentivo fiscal abrange trabalhos teóricos e experimentais, pesquisa aplicada e experimentações que envolvam risco tecnológico, conhecimento agregado e inovação, sem limitação de setor econômico ou região geográfica. Para usufruir dos benefícios, não há necessidade de aprovação prévia, somente autodeclaração e apresentação de relatórios detalhados no ano subsequente. Quem avalia se o projeto será aprovado, reprovado ou aprovado parcialmente é o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI). Só em 2018, o investimento do MCTI para a Lei do Bem correspondeu a R$12 bilhões e chegou a 1% das empresas brasileiras.

Débora Beraldo, gerente técnica na GAC Group – consultoria especializada na lei -, explica o benefício na prática: “Ao demonstrar quais atividades dentro da empresa serão dedicadas à pesquisa e ao desenvolvimento, comprovando as despesas do ano, a redução de imposto dela será de no mínimo 20,4%, e é possível, inclusive, zerá-la. A empresa também abre espaço para a contratação de profissionais exclusivos para essas atividades. Isso pode aumentar ainda mais a porcentagem de desconto no imposto e, provavelmente, pagar o salário de novos profissionais com folga”, analisa.

 

Expectativa x realidade

Gianna Sagazio, diretora de Inovação da CNI.
Créditos: Iano Andrade/CNI

Segundo Gianna Sagazio, diretora de Inovação na Confederação Nacional da Indústria (CNI), a Lei do Bem é o único instrumento fiscal transversal que abre portas para a produtividade e a inovação nas empresas – um movimento estratégico e essencial para o país. “O Brasil está na 57ª posição de 132 países no Índice Global de Inovação (IGI). Desde 2011 caímos 10 posições. Essa classificação não é compatível com a nossa indústria, com a nossa economia. Podemos estar entre os 20 países mais inovadores do mundo”, provoca. 

 

A regra é clara: empresas que não inovam comprometem o próprio futuro e correm o risco de deixar de existir. Enquanto países como Coreia do Sul, Alemanha e Japão destinam de 3 a 4% do Produto Interno Bruto (PIB) para pesquisa e desenvolvimento, os tímidos 1,26% do Brasil deixam a desejar. Não por acaso, os três países ocupam, respectivamente, a 5ª, 10ª e 13ª posição no ranking global de inovação. “Em países como esses, não precisamos dizer que ciência e tecnologia são importantes, porque isso está refletido nas Políticas Públicas, nas estratégias de crescimento do país e no volume de investimentos nessa área. No Brasil, o que falta é priorização”, avalia a diretora. 

Vale lembrar que os recursos orçamentários das três principais fontes de investimento em pesquisa científica no Brasil – Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e CNPq foram reduzidos em mais de R$8 bilhões entre 2015 e 2020. No último ano, o orçamento do FNDCT ficou com mais de 90% do previsto na reserva de contingência, colocando em risco projetos como a Lei do Bem. Um descaso que impacta a formação de profissionais, a geração de empregos e o mercado em efeito dominó.

 

Fazendo a roda girar
Beneficiada pela Lei do Bem desde 2006, a multinacional de tecnologia 3M tem cerca de 250 colaboradores envolvidos em projetos ligados à iniciativa, distribuídos nos departamentos de Pesquisa e Desenvolvimento, Engenharia, Manufatura e Supply Chain. Em nota à reportagem, afirmam: “Inicialmente, submetemos apenas projetos realizados no laboratório e, nos últimos anos, temos conseguido aplicar projetos de inovação tecnológica da manufatura, logística e variados departamentos. No último ano, identificamos mais de 200 projetos considerados enquadráveis com potencial de inovação tecnológica”.

Para as empresas, a Lei do Bem representa mais do que o abatimento de impostos. Ao investir em produtos e serviços mais inovadores, a qualidade aumenta, a demanda por trabalhadores aumenta, aplicam-se novas habilidades e competências e, consequentemente, a empresa fortalece a competitividade no mercado – todo mundo ganha.

Outro exemplo é o Grupo GSA Alimentos, indústria exportadora de produtos alimentícios, localizada no Centro-Oeste. Com 215 pessoas envolvidas em projetos de inovação – passando por Marketing, Produção e Manutenção -, a empresa alega ter visto na Lei do Bem uma oportunidade para investir em suas fábricas. “Conciliar um período de grandes investimentos na empresa com o respectivo planejamento tributário para prestação de contas com o Ministério é um desafio, mas sabemos que temos uma contrapartida positiva ao final do processo, de forma que parte dos gastos retornam à empresa através da economia efetiva no imposto a pagar”, declaram em nota.

 

Obstáculos à inovação
Ainda que a Lei do Bem tenha critérios evidentes, sobre utilização imediata, além de ter disponível gratuitamente um guia prático de utilização, de acordo com a gerente técnica, Débora Beraldo, o benefício não atrai tantas empresas quanto poderia. “Além de não ser muito divulgada e, por isso, não alcançar muitas empresas, algumas ainda têm medo de utilizar o incentivo por não haver necessidade de uma pré-aprovação, a exemplo de créditos e financiamento. Você primeiro utiliza e depois presta contas disso. Caso avaliem o projeto como não viável, você precisa quitar os valores com juros muito altos”. Esse é um risco que, segundo ela, limita o acesso de pequenas e médias empresas ao benefício.

Débora Beraldo, gerente técnica na GAC Group. Crédito: Divulgação

Outro fator limitante costuma ser o período despendido no processo de análise e aprovação dos projetos. Empresas desaprovadas ou aprovadas parcialmente podem realizar o envio de contestações, mas, quando o processo volta para as mãos do MCTI, não há prazo estimado para a devolutiva. Até a finalização desta reportagem, os últimos lotes do Parecer Técnico de Contestação liberados tinham como ano-base 2016 e 2017. Para Débora, a demora na fiscalização envolve o risco de que os executores que inicialmente submeteram o projeto à Lei do Bem sequer estejam na empresa.

 

Obstáculos como esses têm criado espaço para consultorias como a dela, responsáveis por coordenar todas as etapas de submissão, avaliação e acompanhamento dos projetos de pesquisa e desenvolvimento, garantindo segurança às empresas.

 

Caminhos para a Lei do Bem
Com o objetivo de ampliar o uso do benefício, a CNI tem levantado propostas de melhoria relacionadas às restrições fiscais para empresas e ao usufruto dos incentivos por períodos prolongados. O esforço é baseado em estudos recentes acerca do contexto de inovação na pandemia: segundo pesquisa realizada pela confederação com mais de 500 médias e grandes empresas industriais, 8 em cada 10 delas inovaram na busca por soluções para a crise desencadeada pela pandemia. Como resultado, 88% tiveram ganhos de produtividade e lucratividade por causa da inovação.

Ainda de acordo com o levantamento, para que a inovação vire regra, faltam trabalhadores qualificados, acesso a recursos financeiros de fontes externas e orçamento interno reservado para esse fim. A Lei do Bem deve estar no cerne desse movimento – desde que os orçamentos de ciência e pesquisa estejam garantidos. Em um cenário otimista, as portas estarão abertas para diversos outros avanços: “A inovação pode amplificar os esforços de empresas que praticam a sustentabilidade e novos modelos de negócios baseados em bioeconomia, biotecnologia, para resolver outros grandes desafios de desenvolvimento do Brasil. Tudo depende do projeto de país que queremos ter”, finaliza Gianna.

 

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