Os superlativos cercam a Amazônia, quando nela pensamos. Magnífica, a região é berço do maior bioma do país e a mais importante floresta tropical do mundo. Mas o Patrimônio da Humanidade também guarda em si algumas das mais tristes contradições, já que o maior estado brasileiro e o de maior concentração de matas é também um dos três estados que mais desmatam.

Vale destacar que, em Manaus, nove em cada 10 habitantes sofrem com a falta de esgoto, embora a cidade esteja está localizada na confluência dos rios Negro e Solimões — alma da Bacia Amazônica.

Em 2020, segundo o Programa de Cálculo do Desflorestamento da Amazônia (Prodes), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), escancarou-se a maior taxa de desmatamento dos últimos 12 anos — uma área equivalente a sete vezes o tamanho da cidade de São Paulo. E os últimos relatórios do Inpe e do Imazon indicam que este será um ano de alto desmatamento novamente.

Nesse cenário repleto de contradições, a Amaz foi fundada – mais precisamente em 2021. Trata-se de uma aceleradora da região amazônica, que carrega a vocação de projetar um futuro de perspectivas otimistas e renovadoras. Seu primeiro passo foi abrir uma chamada para selecionar negócios — encerrada em 14 de junho, com 156 candidatos — que gerem soluções para os principais problemas sociais e ambientais da Amazônia. Os candidatos concorrerão a aceleração e investimentos de até R$600 mil.

No radar da chamada estão negócios sustentáveis nas áreas de alimentação, extrativismo, agricultura e pecuária sustentável, turismo sustentável, artesanato, moda, cosmética, transporte, logística, geração de energia para áreas rurais, além de outras áreas de atuação.

A Amaz é fruto do Programa de Aceleração e Investimento de Impacto, da Plataforma Parceiros pela Amazônia (PPA), que atua desde 2018. É a evolução natural do programa, nas palavras de Mariano Cenamo, CEO da Amaz e diretor de Novos Negócios do Idesam.

“Um dos grandes aprendizados que tivemos, a partir do programa de aceleração, foi que era necessária uma estrutura de investimento, apoio, gestão e acompanhamento dos negócios, mais em longo prazo”, avalia.

Cenamo divide o seu olhar sobre as questões mais urgentes da Amazônia e também como acredita que a inovação e as parcerias no Terceiro Setor podem transformar aquela realidade. Acompanhe a conversa, a seguir.

AUPA –  O que mudou na experiência do programa de aceleração anterior para a Amaz?
Mariano Cenamo – Por dois anos, lideramos duas chamadas, recebemos e avaliamos cerca de 280 propostas de negócios. Selecionamos 30 – sendo 15 no ciclo de 2019 e outras 15 no de 2020 – para participar do programa de aceleração. No primeiro ciclo, investimos em quatro e, no segundo ciclo, em oito. Então, de 30 empreendimentos, investimos em 12, resultando na distribuição de mais de R$5 milhões.

Se antes operávamos um programa de duração anual, financiado basicamente por recursos filantrópicos, agora ficou evidente que precisávamos montar uma estrutura que permitisse acompanhar o negócio em um prazo maior. Daí veio a motivação de estruturar uma aceleradora.

O modelo de funcionamento por trás dela garantirá termos duas fases. Na primeira, serão cinco anos de operação do primeiro fundo de investimento da Amaz. Em cinco chamadas, poderemos selecionar, investir e acelerar seis startups – ou seja, 30 negócios no total.

A partir do quinto ano, começaremos a fase de gestão, acompanhamento e “desinvestimento”. As que entrarem no primeiro ano, já recebem aporte financeiro, todo o nosso pacote de aceleração e passarão a ser acompanhadas. Mas, a partir do fim do primeiro ano, já as preparamos para atrair investidores para entrar em etapas posteriores. Por isso, o nome desinvestimento.

Esse ciclo dura cinco anos. A partir de 2025, não vamos mais investir em nenhuma startup com esse fundo. Apenas prepararemos os negócios para acessar fundos de investimento maiores, para, então, trabalharmos a nossa saída desses negócios.

Há ainda, atrelado à Amaz, um fundo de financiamento híbrido no valor de R$25 milhões, onde metade dos investimentos é filantrópica e a outra metade é constituída por recursos de investidores privados. Os apoios que oferecemos aos negócios vão desde indiretos, como bolsas e monitorias, até diretos, colocando dinheiro no caixa da empresa, que é de onde vem, principalmente, o investimento privado da Amaz.

AUPA – Qual é a importância dos negócios de impacto para a região?
Mariano Cenamo – É preciso destacar que a economia da região vai mal, muito mal. O estado do Amazonas tem na base de sua economia a Zona Franca de Manaus. Seu circuito industrial se encontra em uma crise latente, com a redução do consumo de bens duráveis. Isso se reflete um pouco na tendência de desmatamento pela qual estamos passando. E o desmatamento na Amazônia nunca esteve tão alto.

Portanto, os negócios de impacto têm importância vital. Não há como imaginar a conservação da Floresta Amazônica, em longo prazo, sem uma nova economia, que possa substituir a de desmatamento. Para construir essa nova economia, precisamos de empreendedores e empresas. E essas empresas, hoje, não existem na região. 

Com exceção de pouquíssimos negócios, projetos-piloto e pequenas empresas, não temos, hoje, uma grande referência empresarial que gere renda, empregos e prosperidade a partir da conservação e do uso sustentável das florestas da região.

O foco da Amaz é trabalhar na Amazônia rural e florestal. Estamos buscando negócios que realmente possam gerar uma transformação na economia regional. Não vejo outro caminho. É claro que não existe bala de prata; é uma solução de médio e longo prazos, fundamental.

AUPA – Quais são os planos da aceleradora para os próximos anos e quais tipos de negócios serão beneficiados?
Mariano Cenamo – Até 2025, a meta é investir e acelerar 30 startups. Com elas, esperamos conservar uma área de 5 milhões de hectares de floresta, gerar renda para 10 mil famílias de comunidades tradicionais, agricultores e povos indígenas, que, por sua vez, geram renda a partir da conservação da floresta.

Esperamos alavancar mais de R$50 milhões em investimentos – de modo que investidores possam se aproximar da Amaz dentro dos próximos dez anos.

A lógica da Amaz é investir e preparar os negócios para captar investimentos maiores. Vamos investir entre R$200 mil e R$600 mil por negócio, no máximo, com a proposta de prepará-los para uma captação de investimento maior, em torno de R$1 milhão ou R$3 milhões de fundos de investimento de venture capital.

AUPA – Vocês têm metas para acelerar negócios liderados por indígenas, populações ribeirinhas, por exemplo? 
Mariano Cenamo – Sim. É uma das nossas grandes metas e esperamos encontrar tais negócios. O que acontece é que o ecossistema de negócios de impacto nessa região ainda não está totalmente estruturado. Não há abundância de negócios de impacto voltados à economia rural ou florestal. Então, nem sempre é fácil encontrar esses negócios. 

Por isso a importância de um trabalho ativo de prospecção de pipeline, assim como, o trabalho de outras organizações que atuam no fortalecimento e para despertar o olhar empreendedor nessas comunidades, como o ICV, o Instituto Conexsus, o próprio Idesam, a Fundação Amazônia Sustentável, e tantas outras organizações que atuam na base das cadeias de valor da floresta.

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