Frequentemente associados a heróis solitários, que surgiram para resolver os problemas sociais e ambientais do país (ou até do planeta), os empreendedores sociais costumam ser apresentados como exemplos bem-sucedidos de como ganhar dinheiro e mudar o mundo. Mais do que isso, em geral são mostrados como referências de superação e inspiração, sempre prontos a defender o impacto social sem deixar o lucro de lado.

Muitos empreendedores sociais que vêm se destacando nesses últimos anos são pessoas (talvez personagens?) carismáticas, com histórias cativantes, que encantam as audiências (seja de leitores ou de investidores) e, consequentemente, caíram nas boas graças da mídia e de todo o ecossistema de impacto. Quem acompanha esse campo certamente conhece os mesmos 10 ou 15 casos de sucesso repetidos à exaustão nas mais diferentes mídias.

Independentemente da trajetória bem-sucedida desses casos e do inegável talento para negócios somado ao desejo, real, de transformação social, a questão é que devemos, enquanto mídia e sociedade, ser mais criteriosos para não criar heróis onde temos apenas pessoas tentando fazer seu melhor.

Ou pior, transformar heróis em vilões, porque eles não atenderam às expectativas impostas por outros sem conhecimento da situação de cada um.

Assim como qualquer empreendedor (e qualquer pessoa), empreendedores sociais também erram – e não é de propósito! Erram na relação com seus colaboradores, parceiros, fornecedores, na falta de transparência ou mesmo numa “empolgação” exagerada, em que “quem conta um conto aumenta um ponto”, para agradar ou, simplesmente, porque faz parte do storytelling esperado.

É difícil resistirmos a uma boa história. Se tiver elementos da jornada do herói então, melhor ainda! Todos gostamos de nos identificar de uma forma ou de outra com alguém bem-sucedido ou, no mínimo, de torcer para que o patinho feio que superou tantos obstáculos na sua trajetória pessoal e profissional realmente seja uma promessa de um futuro melhor para o mundo.

No entanto, estamos aprendendo, com as experiências que também precisamos – parceiros, financiadores, mídia, academia –, a assumir a nossa corresponsabilidade nessa jornada empreendedora e a tomar como parte do nosso papel os cuidados que devemos ter com as narrativas de sucessos – ou de fracassos –, para que a história contada não seja (muito) maior do que a realidade.

Outro ponto a ser considerado é que para continuar atendendo a uma narrativa de sucesso crescente, a profundidade do impacto pode deixar de ser relevante para dar lugar somente à escalabilidade: “Beneficiamos XXX milhões de pessoas, em X mil cidades com nosso app”, “tivemos XXX milhões de acessos na plataforma”. Escala é importante também, claro, mas quando os números falam mais alto do que o impacto real na vida das pessoas talvez seja o momento de refletir sobre esses casos de sucesso.

O momento de pandemia que estamos vivendo traz ainda outras reflexões relevantes sobre as narrativas de “sucesso”. Diversas healthtechs e mesmo startups de outras áreas vêm se destacando com soluções criadas ou adaptadas para enfrentar os efeitos da Covid-19: de plataformas de consultas médicas virtuais aos aplicativos de testes ou monitoramento de sintomas via chatbots, de plataformas de crowdfunding aos sites de conexões entre voluntários ou prestadores de serviços e o público em geral, além de mentorias a microempreendedores e atendimento psicológico on-line, entre outras ações.

Quais dessas iniciativas estão, de fato, comprometidas a resolver um problema social no médio e no longo prazo e quais estão, talvez, aproveitando uma oportunidade causada pela situação atual?

É cedo para saber, mas é algo para ficarmos atentos ao contar as próximas histórias de sucesso. 

Este texto é de responsabilidade da autora e não reflete, necessariamente, a opinião de Aupa.

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