O ambiente de empreendedorismo de impacto é majoritariamente masculino, branco e está concentrado na região Sudeste brasileira. Esta é a análise do segundo Mapa de Negócios de Impacto Social+Ambiental da Pipe.Social publicado em 2019, com base em mais de 1000 negócios. 

O mesmo estudo revela que, dos negócios sociais espalhados pelo Brasil, apenas 34% têm mulheres como fundadoras. Ao aplicar a lente racial, 26% dos empreendimentos sociais são comandados por pessoas que se autodeclaram pretas e pardas.

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Este descompasso na liderança de negócios de impacto também é um padrão fora do ecossistema. Alguns setores do mercado de trabalho são conhecidos pela predominância do público masculino. É o caso da área de tecnologia.

A pesquisa Quem Coda Br, desenvolvida pela PretaLab e a ThoughtWorks em 2019, traz os dados sobre a diversidade deste mercado. Dos 693 respondentes que atuam no setor de tecnologia, 68,3% são do sexo masculino, 31,5% são do sexo feminino e 0,3% intersexo. 

Entre os brasileiros, a população negra representa 53,9%, mas isso não se reflete no mercado tecnológico. Ainda segundo o QuemCodaBr, apenas 36,9% dos respondentes se declararam como pretos e pardos. 

Apesar de a pesquisa não ter um recorte interseccional entre raça e gênero, as mulheres negras estão presentes nos piores indicadores sócio-econômicos do Brasil. Mesmo quando cursam o Ensino Superior em uma universidade pública, elas ganham R$2.903 – cerca de 159% menos do que um homem branco nas mesmas condições, segundo o levantamento “Diferenciais Salariais por Raça e Gênero para Formados em Escolas Públicas ou Privadas”

Deste cenário desigual, nascem iniciativas como a PretaLab, que é liderada por uma mulher negra e está dentro do guarda-chuva da organização social Olabi, dedicada a democratizar a tecnologia para a transformação da sociedade.

“Resolvemos criar esse projeto específico por entender que as mulheres negras, além de representar boa parte da população brasileira – cerca de 28%, são as que menos estão ocupando esses espaços de poder em empregos formais ou liderando em tecnologia”, afirma Silvana Bahia, coordenadora da PretaLab e codiretora executiva do Olabi.

Em 2017, quando a PretaLab foi criada, a discussão sobre mulheres negras dentro do mercado de tecnologia não era posta, segundo Silvana. 

Silvana Bahia, coordenadora do PretaLab e codiretora executiva do Olabi. Crédito: Divulgação

“Ouvimos críticas de que estávamos tentando fazer algo que é dentro do segmento do segmento, mas entendemos que não existe causa maior e mais urgente no Brasil do que a racial. E, quando se soma com a questão de gênero, ela vira o que chamamos de interseccionalidade de opressão”, completa a coordenadora da PretaLab.  

A PretaLab se posiciona como um projeto-causa, reunindo diversas ações para colaborar com o protagonismo das mulheres negras no setor de tecnologia. Após fazer um levantamento da área, em 2018, o programa começou a dialogar com empresas de tecnologia interessadas em ampliar a diversidade racial nas equipes. 

A iniciativa trabalha em um cenário adverso, em que apenas 0,4% das mulheres negras ocupam posições no quadro executivo das companhias, de acordo com pesquisa do Instituto Ethos. 

“As empresas entendem que o selo da diversidade agrega valor, mas o quanto elas investem isso? Diversidade não vem pronta. A diversidade precisa ser construída da porta pra dentro, não é uma consultoria pontual – afinal, quais cargos essas pessoas ocupam? E sabemos que é muito raro ver mulheres e, especialmente, mulheres negras”,

reflete Silvana Bahia, coordenadora da PretaLab e codiretora executiva do Olabi.

Para dar luz às profissionais negras no mercado, o projeto lançou a plataforma Perfis, que tem como objetivos permitir que as mulheres se conheçam, já que o projeto tem uma rede de 900 mulheres no Brasil, e colaborar para a divulgação dos trabalhos dessas mulheres.

“Também queremos dar uma resposta ao mercado que diz que não há mulheres qualificadas. Hoje, temos 410 perfis cadastrados. Fazemos campanhas para termos mais pessoas na rede”, explica Silvana. Outra atividade da PretaLab tem sido os ciclos formativos de três meses para profissionais que já estão inseridas na área. Na última edição, o ciclo contou com 132 inscrições de mulheres negras de todas as regiões do país.

“Temos planos de fazer formações mais densas para mulheres que querem iniciar neste universo. Escolhemos, neste primeiro momento, mulheres que já estão inseridas no mercado, porque existe falta de estímulo para continuar”, reflete a coordenadora.

Com a pandemia da Covid-19, o trabalho da organização mudou e as formações on-line foram implementadas. 

“Nosso trabalho acabou se expandindo e foi uma oportunidade de dialogar com as mulheres fora do eixo Rio-São Paulo, já que 50% das vagas foram para mulheres de fora do Sudeste. Entendemos como as mulheres chegavam às formações cansadas, então, aprendemos sobre acolhimento. Percebemos que a competência emocional é fundamental”, explica Silvana.

Apesar do cenário desigual ainda mais aprofundado pela pandemia, a coordenadora da PretaLab mantém o foco no objetivo principal de trabalhar o protagonismo das mulheres negras, especialmente no campo da educação para além da formação técnica. 

“Vemos o mercado de tecnologia crescendo, então acreditamos que a ponte entre vagas não preenchidas e mulheres negras que querem trabalhar nesse setor é muito possível. Sendo otimista, o cenário ideal é que elas sejam empregadas nesse mercado. O otimismo é uma ferramenta para enfrentar esses tempos tão nebulosos”, afirma Silvana.

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A imagem de capa desta reportagem foi registrada antes da pandemia causada pela Covid-19.

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