Sustentabilidade e impacto social: um diálogo entre a moda e a floresta

Com o propósito de floresta em pé, preço justo, empoderamento da comunidade e construção de produtos limpos e amazônicos, a Da Tribu coloca a região como narradora de sua própria história

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Os estereótipos atribuídos à Amazônia, como quaisquer outros, são prejudiciais ao seu povo. A autora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie escreve sobre o perigo de uma história única e de relações de poder que possibilitem a criação de estereótipos. É inegável que há uma imagem comum no imaginário brasileiro e estrangeiro a respeito da Amazônia, uma história única, que invisibiliza muitas vivências amazônicas, valorizando apenas a floresta e os recursos naturais, que sempre foram indiscriminadamente explorados. Por isso, iniciativas capitaneadas por pessoas que vivenciam essa terra são tão importantes: um povo que conta e constrói a própria história tem ao menos a perspectiva de tomar para si o poder de narrar suas próprias experiências.

Qualquer empreendimento que se aproprie desses recursos, mas não valorize as populações locais, não merece os holofotes que estão secularmente voltados para a região. Há consenso quanto à função substancial da Amazônia a nível global enquanto mantenedora de serviços ecológicos para todas as formas de vida, em todos os continentes. A floresta leva umidade e influencia o regime de chuvas em todos os países da América do Sul, contribuindo com o equilíbrio climático do planeta. A Amazônia abriga ainda 15% de toda a biodiversidade da Terra. Vivem na floresta mais de 60 mil espécies de plantas, animais e microorganismos. Unir tantas potências é fundamental.

Novelos de fios emborrachados e já coloridos, usados pela grife para confeccionar seus produtos. Crédito: Luiza Chedieck

Desde 2009, a grife paraense Da Tribu une as potências da Amazônia através da moda. Com o propósito de criar produtos a partir de conceitos sustentáveis e em respeito aos saberes tradicionais dos povos amazônidas, a marca agrega valor à matéria-prima local, incentiva pequenos e médios produtores da floresta e movimenta a economia da região. Pelas mãos da artesã Kátia Fagundes, a Da Tribu usa nas suas produções fios de algodão ecológico banhados em látex, o “ouro branco da Amazônia”, atribuindo uma nova utilidade à borracha. A criação foi desenvolvida em parceria com a Universidade de Brasília (UnB) e, quando aplicada aos produtos da grife, garante renda aos seringueiros da comunidade Pedra Branca, na Ilha de Cotijuba, em Belém, colaborando com a sociobiodiversidade local. Atualmente, a Da Tribu mantém cinco famílias da comunidade e impacta diretamente 30 pessoas, além de gerar emprego e renda para cooperativas de costureiras e de artesãos.

A extração do látex já chega à terceira geração de seringueiros nas regiões insulares de Belém. Crédito: João Urubu

Os produtores de matéria-prima compõem o segmento mais importante da cadeia produtiva da Da Tribu. Numa Área de Proteção Ambiental (APA) em meio à Amazônia urbana, a atuação da grife junto à comunidade, além de assegurar qualidade de vida e renda às pessoas, estimula a conservação de processos naturais e da biodiversidade local, através da adequação das atividades humanas às características ambientais do espaço, marcado por árvores centenárias e chuvas bem distribuídas ao longo do ano. “Na Amazônia, a gente tem um ditado: ‘Ou chove todo dia, ou chove toda hora’. A nossa produção também respeita o tempo da natureza, porque a Amazônia já foi muito roubada e enganada”, pontua Tainah Fagundes, publicitária nascida em Belém, filha de Kátia e sócia da grife. Ela conta ainda que um dos pilares da Da Tribu está na economia circular aplicada ao processo produtivo da marca. “Isso nos enche de certeza de que estamos no caminho certo, pensando em como fazer nossos produtos voltarem para nós, ao final do seu ciclo, para serem reaproveitados”, explica. 

Da esquerda para a direita, Tainah e Kátia Fagundes, filha e mãe, que juntas lideram a Da Tribu. Crédito: Débora Flor

De acordo com a Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES) e o Instituto Internacional para Sustentabilidade (IIS), no relatório  “Restauração de paisagens e ecossistemas”, elaborado por 45 pesquisadores de 25 instituições, a preservação e a recuperação da vegetação nativa podem estimular oportunidades econômicas, de inclusão social e de redução das desigualdades. Além de reverter parte dos 70 milhões de hectares de cobertura vegetal nativa perdidos pelo Brasil nos últimos 30 anos, devolvendo a funcionalidade dos ecossistemas do país, estima-se a criação de 200 empregos diretos a cada 1.000 hectares em restauração com intervenção humana. Caso a meta nacional de restauração de vegetação nativa seja atingida, projeta-se que até 191 mil empregos sejam gerados até 2030.


Mapa aérea da comunidade Pedra Branca, na Ilha de Cotijuba, região beneficiada pela Da Tribu. Crédito: Google Mapas

José Augusto Lacerda é embaixador da Rede de Professores Academia ICE e professor-conselheiro do Time Enactus UFPA. Crédito: Divulgação.

Para o professor José Augusto Lacerda, doutor em desenvolvimento sustentável pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA) da Universidade Federal do Pará (UFPA), empreendimentos que combinem ganhos econômicos com aspectos socioambientais em seus modelos de negócios são cada vez mais importantes no mundo de hoje. “Não somente para manter a floresta em pé e promover a justiça social, mas também pelos seus efeitos pedagógicos enquanto negócios híbridos. Ao demonstrar que esses objetivos não são excludentes, eles despertam a sociedade para uma nova — e poderosa — economia, permeada por negócios regenerativos, inclusivos e sustentáveis”, completa.


Ao assumir a vocação de preservar o meio ambiente e de garantir condições dignas de trabalho para as pessoas envolvidas na cadeia de produção da marca, a Da Tribu se compromete com cinco dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), plano de ação assinado pelos 193 países-membros da ONU para erradicar a pobreza e promover vida digna para todos. “Podemos juntos construir elos de confiança e vencer os desafios sempre alinhados aos mesmos propósitos: floresta em pé, preço justo, empoderamento da comunidade e construção de uma moda sustentável, limpa e amazônica”, resume a artesã e fundadora da Da Tribu, Kátia Fagundes.

Esta é uma reportagem de Juliana Amaral e Orlando Haber.

Juliana Amaral. Crédito: Divulgação

Estudante de Jornalismo da Universidade Federal do Pará, aluna pesquisadora pelo grupo Comunicação, Política e Amazônia (Compoa), atuando no projeto “Mídia, debate público e negociação de sentidos sobre o trabalho doméstico.”

 

 

 

 

Orlando Haber. Crédito: Divulgação

Brasileiro da Amazônia, Orlando Haber nasceu em Belém e cursa Jornalismo na Universidade Federal do Pará. Ex-presidente da Enactus UFPA, dedica-se ao empreendedorismo social e vê a ação empreendedora como potencial ferramenta de impacto positivo em comunidades vulneráveis. Desde 2019, é bolsista da Agência de Inovação Tecnológica da UFPA.

 

 

 

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