O mundo do trabalho vem se alterando de forma significativa nas últimas décadas no Brasil e no mundo. Qual sua visão sobre o futuro do trabalho?

Parece clichê, mas é realmente difícil dissociar tecnologia desse futuro. A sensação que tenho é que estamos em um movimento de retração se compararmos ao início da revolução industrial. Sinto que a classe trabalhadora, uma vez imbuída das ferramentas disponíveis hoje, têm mais chances e condições de garantir uma mobilidade social ou ainda compreender melhor os seus direitos. É claro que não ter recursos para, por exemplo, ter acesso a um computador e internet ainda é uma realidade e um grande limitador aos mais pobres, por isso a necessidade de fazer valer a inclusão tecnológica junto a um plano de educação.

 

No Brasil, algumas empresas já começam a adotar a jornada de 4 dias da hora de trabalho. Acredita que será uma realidade possível no país?

É um tema bastante controverso e parece dividir as pessoas dentro de seus próprios interesses. Eu, particularmente, acho que depende se a política pode ser adotada sem atrapalhar o resultado da empresa no longo prazo. Fatores como o ritmo do mercado, atividade profissional e estabilidade do negócio podem viabilizar ou não uma adoção dessas. De um modo geral, acho que é possível sim. Mas não serão todos os setores que conseguirão perceber e aplicar o benefício aos trabalhadores, que deve ficar restrito à indústria criativa e ao setor de serviços. Para não promover ainda mais desigualdade, precisamos de regulação, mas sabemos que para o governo é um tema de difícil adesão. À medida que as experiências mostrem resultados benéficos em outros países, será mais fácil adotar no Brasil. Mas com o nosso background conservador em temas relacionados aos trabalhadores, creio que ficaremos no final da fila nesse aspecto.

Inadmissível mesmo é transformarmos isso em uma guerra ideológica, como se trabalhar 4 dias apenas fosse sinônimo de preguiça.

 

Nos fale como enxerga o Home Office no pós pandemia e o que pensa sobre o embate entre empresários e trabalhadores nesse regime de trabalho?

Hoje, quando olho para esse tema penso mais no desenvolvimento das pessoas. Eu cresci em Santíssimo, periferia do Rio de Janeiro, e trabalhei 5 anos no centro do Rio. Eram 2 horas para ir e 2 horas voltar em uma situação humilhante de transporte público, vendo assédios, brigas, assaltos e tudo que você possa imaginar. Nos primeiros anos eu era estagiário, ou seja, recebia para aprender e tinha que me deslocar. Nos últimos 4 anos eu trabalhei em regime Home Office como consultor, já usando os conhecimentos adquiridos nas experiências profissionais que tive, então acho que essa decisão tem muito a ver com a aprendizagem. Se você me perguntar se eu aprendi alguma coisa nova com meus pares online nesses últimos anos em relação aos meus pares do presencial, afirmo categoricamente que nem se compara. O regime presencial é muito importante para quem está em início da carreira, independente da área de atuação. Conforme a pessoa vai ganhando mais experiência e currículo acho que as empresas podem flexibilizar e, se tiverem uma cultura forte de trabalho online, quem sabe o remoto não dê até mais produtividade e chances de contratar os melhores profissionais sem barreiras geográficas. Uma ressalva: o trabalho remoto requer uma política interna porque imagina você décadas dentro da sua casa 5 dias por semana? Isso mexe com o psicológico de qualquer um. Mais uma vez, acho que os empresários devem ter bom senso para definir como o home office pode ou não ser benéfico para o momento de vida de cada colaborador, olhando apenas uma coisa:

o que ele (trabalhador) entrega de valor para a empresa e o que é melhor para ele.

 

O Brasil tem mais da metade de sua força produtiva no mercado informal e menor demanda por regime CLT. Qual é o papel de programas como jovem aprendiz ou estágios para jovens nesse contexto de não regularização do trabalho?

É preciso conscientizar. Há grandes riscos e responsabilidade ao ser PJ e grandes desafios ao assumir uma cadeira como CLT. Existem oportunidades e carreiras que se adequam melhor a um tipo de contratação e quando acontece um encaixe errado, infelizmente quem mais se machuca é o trabalhador. Daí a importância de educar os jovens sobre essas escolhas profissionais. Quando olhamos para uma faixa etária maior, inclusive, a informalidade é muitas vezes fruto de uma percepção errada dos ganhos. Por exemplo, o cara olha um salário CLT de R$ 1.500 + benefícios e pensa: faço R$ 3.500 por fora nos meus horários, mas não coloca na balança que o “mês a mês” oscila, não pensa em pagar o INSS por fora mesmo tendo MEI, e acaba que no final sai perdendo e entra em risco.

 

O jovem é um dos perfis de trabalhadores que mais sofre e tem dificuldade em conseguir inserção no mercado. Como a realiza.vc entende e enfrenta esse desafio?

O jovem que pensa em trabalhar geralmente não é o mais rico, né? Essa urgência toda geralmente fica com os mais pobres que querem ter suas necessidades atendidas. A gente olha dessa forma para esse assunto. A classe trabalhadora média geralmente é composta por jovens de baixa renda que não são da extrema pobreza e tiveram melhores oportunidades educacionais com famílias minimamente estruturadas. Então, a gente lida com esse desafio entendendo o nível de vulnerabilidade do jovem, por meio de um assessment, antes de fazer qualquer coisa. Além disso, capacitamos as empresas sobre quem elas estão contratando como Jovens Aprendizes e como elas estão protagonizando a diversidade com a gente. Não queremos fazer mais do mesmo. Queremos sim dar oportunidades reais e aprendizado para os jovens ao mesmo tempo em que as empresas possam incluir jovens com vontade de se desenvolver e realizar.

 

O perfil e os valores do jovem hoje são distintos de gerações passadas. Não existe perspectiva de carreira a longo prazo e muita volatilidade quando a empresa não atende os interesses e valores desse jovem. Como enxerga essa questão?

Nós consideramos do lado de cá três tipos de jovens: o jovem rico que tem tempo e múltiplas escolhas de emprego; o jovem de baixa renda que tem urgência e precisa trabalhar, e o jovem vulnerável que além de ser baixa renda tem várias outras vulnerabilidades e nem sequer tem oportunidade. Quando você fala sobre propósito, por exemplo, é algo bem restrito aos dois primeiros tipos de jovem e olhe lá. Na nossa cabeça, empresas de propósito mesmo são aquelas que oportunizam um jovem vulnerável a ponto dele ter a chance de sentar numa mesa e conversar sobre propósito, cultura e valores de igual para igual.

Então acho que é nosso dever romantizar o mínimo possível o trabalho e encarar essa percepção da realidade originada pelo privilégio.

Nos fale sobre os principais desafios do programa realiza.vc? Como é o modelo de negócio, o impacto que busca gerar e os resultados a médio e longo prazo. Fale sobre a proposta de valor e das expectativas?

Somos uma ONG que se financia a partir do Programa Jovem Aprendiz e temos um conselho bem heterogêneo, composto por empresários, executivos, servidores públicos e gestores do terceiro setor. Eu e Leandro, somos dois periféricos e fundamos o Realiza para atuar de forma independente e constituímos a associação sem utilizar recursos da iniciativa privada. Optamos por essa forma de concepção e um modelo de governança que nos permitisse construir uma operação que não olha para o Jovem Aprendiz como um cursinho a ser vendido de forma B2B e sim como uma política pública que promove a inclusão produtiva no Brasil.

Nosso maior desafio por aqui sem dúvidas é conciliar o interesse das empresas pelos jovens com maior formação e o olhar para a diversidade, de forma a encontrar o mínimo denominador comum.

Se a gente não faz isso bem, a gente não cumpre o nosso propósito e o que originou a nossa indignação. Temos um perfil claro de quem deve se beneficiar do Jovem Aprendiz e certamente não deveria ser o universitário que só quer um estágio ou o filho rico do colaborador da empresa. São muitas as organizações que desperdiçam a chance de transformar um programa desse em um exportador de talentos com diversidade, principalmente para tecnologia. E é aí que está a nossa proposta de valor. Todos os nossos conteúdos têm a ver com a indústria 4.0 e foram pensados para aumentar as chances de mobilidade social do jovem vulnerável. Mas precisamos de líderes de RH que estejam cansados de mais do mesmo também e queiram fazer diferente, é por isso que estamos convidando empresas – que tenham vagas para 2024 em São Paulo – a falarem com a gente antes de seguirem o caminho conhecido. 

Deixe um comentário

Digite seu comentário
Digite seu nome