Por uma filosofia de impacto original e originária

Entre o céu que cai de Kopenawa e o fim do mundo de Krenak, um chamado para a reflexão das crenças que estão dentro da nossa mente.

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Não há povo sem território. E não há território sem povo. Somos seres sociais interagindo e habitando dentro de um ambiente onde a vida acontece. Por isso a palavra socioambiental é junta e não separada. Não há como compreender a identidade de um povo sem saber onde esse povo habita. O ambiente nos transforma e nós transformamos  ao nosso redor. Deixamos marcas por onde passamos. Cada povo escreve sua cultura e seu legado.  

Dentre a multiplicidade de povos habitando o planeta, há um povo muito singular e especial, com altíssima capacidade criativa e de natureza nômade e inquieta. Um povo visionário em busca de feitos grandiosos, onde o céu não é o limite. Nem o espaço. Nem nada. No qual tudo pode naquele que fortalece ele próprio. Em que o toque mágico de suas mãos tornam o que é bruto e selvagem em riqueza. E a vida obedece o prazer da liberdade absoluta. Conhece esse povo?

Chama-se povo civilizado e seu território é o Planeta Terra.

Certa vez, o líder de um povo, os Yanomami, disse sobre nós: “Os brancos dormem muito, mas só conseguem sonhar com eles mesmos”, afirmou Davi Kopenawa. Mas, logo nós, os civilizados, que dormimos tão pouco e trabalhamos tanto? Para nós, dormir é desperdício de tempo. Somos um povo predestinado a trabalhar e crescer, seja o que for esse crescimento. O que importa é transformar a realidade que nos cerca em algo que idealizamos. Afinal, para nós, sonhar é algo abstrato, irrelevante e sem importância.

Em outra ocasião, o líder de um outro povo irmão, os crenaque, falou sobre esse pensamento abstrato: “A ideia de nós, os humanos, nos descolarmos da terra, vivendo uma abstração civilizatória, é absurda”, falou Ailton Krenak. Mas logo nós, os civilizados, que conquistamos o espaço e inventamos a fotografia para registrar a nós mesmos, inclusive do espaço? Produzimos tecnologias sociais para nos relacionar melhor e usamos a ciência, métodos e teorias para evoluirmos como espécie? 

Aqui cabe uma autorreflexão civilizada. Seriam essas duas capacidades nossas e lembradas pelos povos originários, que transformaram o nosso ambiente de forma exagerada e de maneira a desregular todo o entorno onde vivemos? O egocentrismo lembrado por Kopenawa, misturado com a desconexão ressaltada por Krenak, nos fizeram criar, ou melhor, inventar um ambiente próprio e, porque não, irreal. Junte isso à nossa capacidade criativa, e um looping entre a realidade e ilusão está em marcha.

E nesse looping que nos metemos, o que seria a Amazônia, afinal?

A Amazônia pode ser uma criatura nossa. Por mais que também criemos dados, pesquisas, negócios e leis para proteger ou controlar o ambiente, tudo pode ser uma abstração filosófica elaborada e complexa. A Amazônia seria uma realidade ou uma miragem de nossos sonhos egocêntricos? A própria noção de meio ambiente criada por nós, não existe para os povos indígenas. Para nós é algo a ser preservado, para os filósofos David e Ailton, fazem parte deles próprios e de seus povos. Está junto e não separado.

Para os parentes da floresta, sustentabilidade, bioeconomia e inovação são abstrações e não sonhos. Para nós, maneiras de impactar positivamente o planeta através das nossas próprias crenças e, claro, investimentos. A imensidão de dados e alertas que criamos para dizer que o desmatamento aumentou, o garimpo entrou e a temperatura subiu, não são mais fortes e capazes de mudar os dogmas econômicos que sustentam o modo de vida confortável e civilizado.
 
São esses dois mundos que estão em conflito. O dos Yanomamis e nosso projeto de sofá sustentável. Não se trata apenas de um governo errático. Se trata também de toda engrenagem. Ou você acha que o sistema está funcionando por que a terra é plana? Pensar sobre Amazônia a partir de filosofia originária de quem vive na floresta pode ser uma chave para entender que não existe um meio capaz salvar o ambiente. Existe um planeta Terra e um lugar chamado Amazônia dentro dele. Em que você prefere acreditar até o tempo que nos resta por aqui?

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