2P: Afinal, o que tem na Amazônia?

Caetano Scanavio é coordenador do Projeto Saúde e Alegria na Amazônia

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Por que foi e nunca voltou da floresta?

Eu nasci em São Paulo, era uma pessoa urbana, andava de preto e usava cabelo arrepiado. Aí, fui para a Amazônia para ficar 6 meses e ajudar a construir o projeto Saúde e Alegria. Fui com uma mentalidade de paulista, salvador da pátria, achando que sabia tudo. Fui para passar alguns meses e estou há 34 anos. Nesse período, aprendi muito mais com quem vive lá, do que eles comigo. Tomei uma invertida. Eu era daqueles que achavam que sabiam tudo e acabei descobrindo que o aprendizado de vida com a floresta e com o povo que vive dentro dela, é uma coisa que nenhuma universidade ensina. E isso tudo me fez ficar. As pessoas e essa fonte inesgotável de aprendizado me fizeram ficar. E o Saúde e Alegria foi construído com base nisso. Associando o saber comunitário e oferecendo soluções para as necessidades mais urgentes na área ambiental, renda, saúde, educação e saneamento. E parte dessas soluções acabaram virando tecnologias sociais, inclusive com modelo reconhecido como política pública, a partir do barco-hospital-Abaré. Tudo foi fruto de uma construção conjunta, da organização com a população. Até porque, se a gente quer desenvolver alguma ação que tenha sustentabilidade social, não adianta vir com a cabeça de São Paulo e impor. É importante cocriar soluções com as populações. Não adianta só tecnologia de ponta se a tecnologia não chegar na ponta. E já se foram 30 anos e muitas coisas mudaram. Continua um sufoco, mas tá diferente. Era um caos total e agora é um caos menor. Mas, infelizmente, continua a persistência de um modelo de ocupação na Amazônia que está nos deixando mais pobres. A Amazônia não está mais rica. A população não está melhor economicamente. A gente continua vendo as ameaças, continua vendo violações. Um ponto importante nisso tudo é o movimento indígena. Eles estão há mais de 500 anos resistindo. Para mim, a Amazônia é o futuro e o futuro é indígena.
 

Existe muita fumaça verde e pouca ação real de empresas sustentáveis?

A gente que tá no front, na batalha, e enxerga as coisas acontecendo. Às vezes, você está em um evento vendo um power point de um determinado empreendimento ou empresa, e é tudo lindo e maravilhoso, mas sabe que não é bem assim. Isso não significa que tudo de empresa é ruim e que tudo de comunidade é bom. Não podemos ter essa visão maniqueísta. Acho que teve um avanço no sentido de as empresas, hoje, serem obrigadas a ter uma ação mais forte no campo das responsabilidades socioambientais. Hoje, se uma empresa faz alguma besteira a gente sabe o CNPJ dela. Importante também saber que existem movimentos e movimentos, existem empresas e empresas. O movimento que vem da área da responsabilidade corporativa, das empresas B, do ESG é sempre bem-vindo, mas é importante estar com uma visão crítica e o que de fato é greenwashing. Então, se são empresas do movimento ESG, deveriam estar junto com o movimento socioambiental, junto com o movimento indígena, contra o PL, por exemplo da grilagem. Essas empresas precisam se posicionar em relação à tudo isso. É importante que se juntem aos demais que estão nessa batalha. Ninguém está falando aqui de direita ou de esquerda, de ideologia a, b ou c. Estamos falando de legalidade, de separar quem quer fazer a coisa certa de quem vive de ilícitos. É preciso juntar empresas, ONGs, movimentos sociais, indígenas, quilombolas, academia. A questão não é o agronegócio contra o ambientalismo. São todos contra o “ogronegócio”. O que eu cobro do movimento ESG é um posicionamento mais forte, porque acaba sobrando muito para a agenda socioambiental de ambientalistas e de ONGs, quando na verdade a gente precisa saber se está todo mundo no mesmo lado. Até porque vencer essa cultura do ilegal é fundamental para investimentos responsáveis na Amazônia. É preciso dar evidência aos empreendimentos responsáveis e não punir quem quer fazer a coisa certa. A continuar assim o que a gente está atraindo para a Amazônia não são empreendedores responsáveis do bem, são cartéis e organizações criminosas.  

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