Uma parceria entre três organizações construída pela identificação de um incômodo em comum: como dar acesso e oportunidade para mais empreendedores da periferia? Foi assim que surgiu, em 2017, a Aceleradora de Negócios de Impacto da Periferia (Anip). Lançada pela produtora social e cultural A Banca com a co-realização da Artemísia e FGV Cenn (Centro de Empreendedorismo e Novos Negócios), a aceleradora parte agora para a seleção de sua segunda turma, a qual será formada por outros cinco negócios da periferia.

A Banca nasceu em 1999, no Jardim Ângela, como produtora cultural-social que, por meio da música e da cultura hip-hop, busca promover educação e empreendedorismo na zona sul de São Paulo. A iniciativa é encabeçada por Marcelo Rocha, o Dj Bola. Em 2007, porém, A Banca começou a se aproximar do ecossistema de impacto. Bola conheceu a Artemísia e participou de um de seus programas, a Expedição. “Ficamos um ano em uma formação intensa, tanto pessoal, quanto do negócio. Tivemos acompanhamento por dois anos e somos parceiros até hoje”, recorda o produtor.

A parceria culminou na criação da Anip.  “A gente tinha uma série de workshops para empoderar esses empreendedores e o Bola passou a fazer parte dessa rede da Artemísia”, conta o gerente de seleção e apoio a negócios da Artemísia, Felipe Alves. “Ao longo dos anos a gente foi mudando e trabalhando com outros projetos, mas a relação com ele sempre foi próxima”

Atravessando a ponte

As provocações dentro do ecossistema para finalmente criar algo dentro da periferia são antigas. Antes da Anip, Bola vinha denunciando como o portfólio de aceleradoras de negócios não contemplava empreendimentos das periferias. Segundo ele, isso se devia a falta de mulheres e negros nas lideranças destas organizações. “Portanto, eles [da Artemísia] começaram a se inquietar com isso e nos juntamos”, conclui.

A conversa continuou e se estendeu até a FGVcenn, o Centro de Empreendedorismo e Novos Negócios da Fundação Getúlio Vargas. “Eles [da Artemísia] me disseram que desenvolver uma aceleradora como esta era um sonho, mas não tinham propriedade para realizá-lo porque não eram da quebrada. Por isso, juntamos A Banca, Artemísia e FGV para pensar em uma aceleradora para negócios de impacto na periferia”, completa Bola.

Segundo DJ Bola, a ANIP nasceu de uma inquietação: como que as aceleradoras de impacto não contemplavam negócios periféricos em seu portfólio? Crédito: Agência Ophelia
Segundo DJ Bola, a ANIP nasceu de uma inquietação: como que as aceleradoras de impacto não contemplavam negócios periféricos em seu portfólio? Crédito: Agência Ophelia.

Modelo de Aceleração

O modelo de aceleração da Anip consiste em encontros presenciais a cada 15 dias, um encontro online individual com cada negócio e mentoria no processo. Após quatro meses de aceleração, os negócios têm acompanhamento com mentor durante mais seis meses. Ao final do programa de quatro meses, os negócios de impacto periférico que elaboraram um bom plano de ação poderão receber um investimento de R$ 20 mil em subvenção; ou seja, a fundo perdido.

Ao identificar que para manter a Anip era necessário fazer uma captação, a Artemísia passou a articular parceiros para investir naquele projeto. “A gente teve bastante sucesso nisso. Os recursos são para manter, principalmente, a equipe da Anip, a qual toca a organização dos encontros e o projeto de aceleração individual para cada negócio”, explica Felipe.

Isso também engloba uma pessoa que o grupo chama de “acelerador”. Sua função é acompanhar os negócios para analisar os caminhos, mapear o desafio e conectar com mentores. “Existe uma organização e isso custa. Os recursos captados foram para financiar tanto as estruturas, quanto para o capital dos negócios e até mesmo o investimento na comunicação”, conclui o gerente de seleção.

A Anip conta com o patrocínio de instituições de peso. Fundação Via Varejo, Fundação Telefônica, Mov Investimento, Fundação ARYMAX, Fundação Vedacit, Instituto de Cidadania Empresarial (ICE) e Fundação Lemann estão entre seus apoiadores.

Primeira Turma

A primeira edição do programa contou com 51 empreendimentos inscritos e finalizou com cinco negócios acelerados. Os finalistas foram a Boutique de Krioula, o Empreende Aí, a Ecoativa, a Jovens Hackers e a Editora Selo Povo.

Para o permacultor e educador, Jaison Pongiluppi, articulador cultural da Ecoativa, o processo foi bastante intenso e cada processo da aceleração fez muito sentido para o momento que a equipe estava vivendo. “Tivemos o envolvimento de todos no grupo. Nós nos debruçamos nos exercícios que tínhamos para fazer, pensamos nos modelos de negócio e participamos 100% de todas as atividades”, recorda.

Hoje, a Ecoativa impacta principalmente jovens e crianças da Escola Estadual Adrião Bernardes, parceira da organização localizada na zona sul de São Paulo. Com um ciclo de 200 crianças desde o fundamental até o ensino médio, a Ecoativa se tornou uma extensão da escola. Além dela, a organização também recebe CCA, Caps, Programa Jovem Monitor Cultural, Ong’s e outros parceiros. Segundo um levantamento interno, o número de crianças e adolescentes impactados por mês gira em torno de 300 a 400.

A Ecoativa é um centro eco-cultural localizado na Ilha do Bororé, às margens da Represa Billings que promove o acesso a cultura e a práticas sustentáveis. Crédito:Reprodução
A Ecoativa é um centro eco-cultural localizado na Ilha do Bororé, às margens da Represa Billings que promove o acesso a cultura e a práticas sustentáveis. Crédito:Reprodução.

A segunda turma de acelerados da Anip já foi selecionada, em setembro, e está em processo de mentoria. Fazem parte desta turma as empresas Bio Afetiva, Bora Lá, Gastronomia Periférica, Nutrir-Si Periferia em Movimento.

Como os resultados são mensurados?

A Anip possui um acompanhamento dos negócios no qual são documentados os desafios, as mentorias e como o empreendimento se saiu durante a aceleração. Ao mesmo tempo, é feita uma coleta de indicadores e, posteriormente, um acompanhamento periódico de cada negócio para saber como evoluíram. Após receberem o capital semente de 20 mil reais. “Como um programa, valeu a pena? O que podemos fazer diferente para as novas turmas? Existem esses dois olhares no acompanhamento dos negócios para medir os resultados”, comenta Felipe, da Artemísia.

Apesar desses indicadores, Felipe afirma que, em geral, “os programas de aceleração vão mostrar os resultados nas próximas coletas. Daqui a um ano, quantos desses negócios continuam na ativa, qual foi o crescimento no faturamento desses negócios? Qual o crescimento de suas equipes? Esses são números indicadores que vão mostrar o real sucesso desse programa”.

Os benefícios da aceleração ainda estão reverberando. “A gente fez um plano de ação e estamos colocando em prática”, comenta Jaison, da Ecoativa. “São muitas ferramentas, provocações, questionamentos e exercícios que fizemos na aceleração. Esse aprendizado já está em prática no modelo de negócios da Ecoativa hoje. A gente já se sente muito mais preparado”.

A segunda edição teve suas inscrições encerradas em julho e agora segue para a seleção dos cinco negócios que serão anunciados ainda em agosto. O foco da seleção se concentra nos territórios da Zona Sul, distrito Jardim Ângela, Campo Limpo e Capela do Socorro. “É bem provável que ano que vem a gente atenda a outros territórios de São Paulo, em outras periferias. Decidimos começar nesse espaço para aprender, validar algumas coisas, refinar a ideia para conseguir ir para outros lugares. Um passo de cada vez”, conclui Bola.

 

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