A mudança no cenário da filantropia terá outros olhos após o Coronavírus. É que, com a pandemia, criou-se uma onda de solidariedade no Brasil que já resultou em mais de R$ 5 bilhões em doações contabilizados até maio. Os setores financeiros (34%) e de alimentos e bebidas (15%) respondem por quase metade dos recursos contabilizados. A maior parte (86%) é proveniente de empresas, sendo Itaú, Vale e JBS os principais doadores.
Nesse sentido, o GIFE (Grupo de Institutos Fundações e Empresas), que é uma associação dos investidores sociais do Brasil, tem um importante papel. A organização reúne hoje 160 institutos e fundações, de natureza familiar, independente com fundos patrimoniais, com doações de valores variados por uma determinada causa ou ainda de natureza empresarial, mantidos por empresas privadas.
A missão do GIFE é “Aperfeiçoar e difundir conceitos e práticas do uso de recursos privados para o desenvolvimento do bem comum”. E com esse olhar estratégico e crítico, contribui ativando e potencializando iniciativas de impacto social coletivo.
Em 2008, o GIFE foi certificado como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), e, em 2020 completa 25 anos de atuação. A seguir, alguns dos associados: Instituto Alana, Fundação Bradesco, Fundação Grupo Boticário, Banco J.P Morgan, Fundação Renova, Grupo Fleury, Itaú Social, dentre outras organizações de investimento social privado no país.
Nessa articulação em tempos de pandemia, o GIFE reforçou ainda mais o seu papel adjunto de rede. Com a diversidade de seus associados e parcerias, criou logo nas primeiras semanas de Coronavírus no Brasil a plataforma “Emergência Covid-19: coordenações de ações da filantropia e do investimento social em resposta à crise”. O objetivo é contribuir com a articulação e a colaboração entre as organizações de filantropia no país.
Tal articulação aconteceu através de campanhas de arrecadação e de doação, reuniões virtuais entre a rede, mapeamentos e editais diversos de institutos e fundações que se dedicam a contribuir com os diversos desafios da agenda pública por meio de iniciativas de filantropia e investimento social privado.
As dimensões de atuação do GIFE
Os 160 associados se reúnem nesta rede para atuar como articuladores no fortalecimento das práticas de filantropia de investimento social em três dimensões. José Marcelo Zacchi, secretário geral do GIFE, explicou tais camadas. A primeira é voltada ao fomento dessas práticas. Ou seja, é conseguir promover atividades que fomentam a cultura de doação na sociedade como um todo pelo país.
A segunda diz respeito à diversificação dessas práticas. “Significa que tenham bons modos de governança e gestão, planejamento de sua locação, de avaliação constante de resultados”, ressalta José Marcelo. Não é só garantir bons recursos, mas sim a destinação. O bom uso dos recursos e aprendizado no setor.
A terceiro dimensão visa garantir que essas ações não se esgotem, segundo afirma o secretário geral do GIFE. “Que essas ações se conectem da melhor maneira possível com o ganho da capacidade de ação coletiva do país, seja fortalecendo organizações na sociedade civil, nas universidades, nas comunidades, seja cooperando para o fortalecimento da gestão e das políticas públicas no âmbito governamental”, explica José Marcelo.
Para ele, não basta ter o recurso e usá-lo, assim como não basta também ter o bom projeto. “É preciso que essas práticas tenham capacidade multiplicadora: influenciar o aprendizado permanente na produção de respostas para desafios que a gente tem em nossa vida pública”, enfatiza o secretário geral do GIFE.
A importância do investimento social privado
Nos últimos anos, o papel das fundações privadas e seu apoio às atividades econômicas e sociais contribuíram para que mais pessoas colocassem em prática o hábito de doar.
A filantropia e o investimento social privado podem se complementar e serem feitos pela mesma organização, de acordo com os contextos em que se inserem. Mas vale destacar as diferenças. O investimento social privado realizado pela empresa é sujeito do processo de transformação social do país. A filantropia é uma ajuda ao próximo sem que haja interesse em troca ou retribuição.
Mesmo em meio à pandemia, o cenário de doação tem se mostrado otimista. Mas ainda são muitos os desafios, segundo os apontamentos do secretário do GIFE. “No Brasil, a gente precisa recuperar a capacidade da ação coletiva, de reconhecer a diferença na pluralidade. A sociedade democrática é mais dinâmica, porque ela se nutre da soma cotidiana, de olhares e expertises, de engajamento dos mais variados”, avalia. José Marcelo também destaca a importância da cooperação com os governos.
“As Organizações da Sociedade Civil (OSCs) não existem para substituir o Poder Público ou fazer aquilo que o Poder Público não é capaz de fazer. Elas garantem um tecido de malha solidário, que está na base de qualquer sociedade democrática e de qualquer Poder Público, informado por uma sociedade democrática”.
Mapeamento e atuação
De acordo com o Censo do GIFE de 2018, naquele ano foram investidos R$3,5 bilhões pelas OSCs. Desse modo, os investimentos sociais superaram o orçamento de alguns ministérios (2018), conforme consta no relatório do GIFE:
1,1 vezes o orçamento do Ministério do Meio Ambiente (2.9 bilhões);
1,5 vezes o orçamento do Ministério da Cultura (R$ 2,1 bilhões);
2,5 vezes o orçamento do Ministério do Esporte (R$ 1,3 bilhões).
O Censo ainda destaca que 86% das 133 organizações estão localizadas na região Sudeste, sendo São Paulo a cidade sede de 74% delas. O número é menor do que em 2016, quando 89% dos respondentes do Censo se localizavam nesta região. A maior parte das organizações investem até R$ 6 milhões – vale dizer que as iniciativas têm diferentes portes, sendo grandes e pequenas, em todos os tipos de investidores sociais.
Destaca-se ainda que o valor repassado a terceiros em 2018 foi de R$ 1,14 bilhões, um aumento de 100% em relação a 2016, quando o valor total foi de R$ 573 milhões (valor atualizado pelo IPCA). Os investimentos em projetos de terceiros cresceram de 21% do volume de investimento total, em 2016, para 35%, em 2018, proporção mais alta da série histórica.
A importância das Organizações da Sociedade Civil
O fomento de doadores à sociedade civil tem dois componentes estratégicos distintos, porém relacionados: apoio na prestação de serviços que ajudam a atingir os objetivos dos doadores; e apoio ao surgimento de um ambiente permissivo para a ação sustentada da sociedade civil.
O que também é fundamental notar é que uma sociedade civil eficaz é fundamental para a capacidade de qualquer sociedade de suprir as necessidades de seus membros e atender às suas aspirações, orientar e manter seus líderes políticos e econômicos e poder.
Nesse contexto da pandemia destacamos o papel que as OSCs têm tido neste momento. Inclusive as fundações corporativas estão aproximando o relacionamento entre empresas e comunidades, construindo estratégias de colaboração com outras partes interessadas, a fim de desenvolver áreas geográficas e desenvolver capacidades locais.
Para Preto Zezé, presidente da CUFA (Central Única das Favelas), o investimento social privado “É importante principalmente neste momento em que a gente muda o paradigma de atuação da sociedade civil. Da atuação do empresariado, que faz necessário a perspicácia, a inteligência, a capilaridade e as tecnologias que esses órgãos põem”. O presidente da CUFA acredita que, após a pandemia, diversas lições podem ser tiradas de toda essa mobilização de ajuda e doação.
“É necessário que as pessoas reflitam neste momento, que é importante. Está na pauta do país uma agenda de desenvolvimento com enfrentamento de desigualdades, para refletirmos a mudança de paradigma. Não podemos voltar à normalidade do que era o Brasil”, explica Preto Zezé.
Parcerias de instituições
O Instituto Alana é um dos parceiros do GIFE. A instituição familiar é uma organização da sociedade civil sem fins lucrativos como missão honrar a criança. O trabalho teve origem na década de 90 numa comunidade do Jardim Pantanal, em São Paulo.
O trabalho do Instituto Alana iniciou buscando entender a questão da publicidade voltada para criança e hoje estruturam programas, projetos e ações para debater pontos que consideram relevantes sobre defesa das crianças e seus direitos.
Carolina Pasquali, diretora-executiva do Instituto Alana, reforça a importância do investimento social privado para que não vivamos um quadro ainda mais desolador. “É gratificante ver a agilidade que o setor se mobilizou e como isso vem sendo importante. No Instituto Alana colocamos os esforços no auxílio emergencial da população que reside no Jardim Pantanal que é o nosso território de atuação. São cerca de 7 mil famílias”, comenta. O trabalho está articulado com outras ações via prefeitura ou cidade solidária de SP. Carolina também destaca a importância do GIFE, que vem “Atuando como um articulador fundamental”, segundo ela.
“Desde o começo da pandemia, o GIFE rapidamente conseguiu colocar no ar uma plataforma sobre a emergência com as ações que não só são transparências e mostram a relevância do investimento social privado, mas também permitem articulações e permite uma união de quem está olhando para o mesmo lugar pra que essa ação seja ainda mais efetiva”, enfatiza Carolina.
Com a pandemia os esforços e a urgência aumentaram. Por isso, GIFE, instituições e organizações se reúnem virtualmente para articular ações e estratégias. “Com o GIFE a gente vem se reunindo virtualmente uma vez por semana em grupos temáticos e mergulhando mais nos desafios que se apresentam e claro, vão mudando se complexando semana a semana”, afirma a diretora-executiva do Instituto Alana.
E fica o desafio para o contexto além da pandemia: a criação de uma Política Pública atuando diretamente com sustentabilidade, responsabilidade, transparência, medição de impacto, gerenciamento de conhecimento e colaboração com os governos. Dessa maneira, será possível apontar e estimular que fundações e institutos possam estar conscientes da importância de influenciar Políticas Públicas e fortalecer parcerias público-privadas.
Investidores sociais, filantropos, executivos de empresas, líderes de OSCs, movimentos sociais e coletivos periféricos, bem como intermediários desenvolvedores do campo, entre outros, propõem soluções um pouco mais ruptivas. Como destacou Carolina Pasquali,
“É fundamental que o investimento social privado atue em diálogo com os governos e organismo multilaterais”.