A ideia inicial deu errado. E o que é recorrente na história das startups. Isso aconteceu também com a Mira Educação, que nasceu no comecinho de 2016 com a missão de impactar a educação pública.

O projeto saiu do papel como uma solução em hardware que acompanharia todo o ciclo de educação de um jovem do ensino médio. A tecnologia conectava o professor, o diretor, a secretaria de educação, os pais e o próprio aluno. As informações iam para um servidor na escola, que conectado a internet, armazenaria essas informações em um banco de dados. O projeto chegou a ser testado em 3 escolas em Cuiabá, 5 em Campo Grande e 2 em São Paulo, mas logo ficou muito claro que o produto não era escalável.

“A Mira nasceu porque acreditamos que a tecnologia é uma maneira de impactar jovens de diversas partes do país, desde comunidades ribeirinhas até uma grande cidade”, analisa Melina Sternberg, gerente de comunicação e cultura da Mira. “Mas nunca nos esquecemos de que quem usa a tecnologia são pessoas. São os agentes que vivem o dia a dia da escola pública que vão transformar a educação, não a tecnologia. Ou seja, é preciso engajamento e naquele momento nós não o tínhamos.”

A Escola Estadual Odon Cavalcanti, em São Paulo, aplica o aplicativo da Mira como solução para o trabalho burocrático de professores. Foto: Agência Ophélia.
A Escola Estadual Odon Cavalcanti, em São Paulo, aplica o aplicativo da Mira como solução para o trabalho burocrático de professores. Foto: Agência Ophélia.

 

De volta ao básico

Foi o momento em que o time viu que era importante olhar novamente para os atores da cena. E foi ouvindo professores que eles abandonaram soluções mais mirabolantes e entenderam que a inovação deveria ser no jurássico Diário de Classe. Aquele tradicional e temido caderninho em que os professores registram a frequência dos alunos, as notas, fazem anotações sobre comportamento precisava de inovação.

 

Célia Regina de Souza é diretora da Escola Estadual Odon Cavalcanti. Para ela, o app da Mira alivia e facilita as obrigações de gestão da escola. Foto: Agência Ophelia.
Célia Regina de Souza é diretora da Escola Estadual Odon Cavalcanti. Para ela, o app da Mira alivia e facilita as obrigações de gestão da escola. Foto: Agência Ophelia.

Foi daí que nasceu um app, em que o professor registra as informações sobre a presença e comportamento do aluno, envia essas informações via SMS avisando os pais sobre faltas e compartilha um compilado de informações com a Secretaria de Educação por meio de relatórios. Os primeiros resultados começaram a aparecer: em 2017 a startup atingiu 50 mil alunos da rede estadual.

 

Ajustando o curso

Mas engana-se quem acredita que a startup está faturando rios de dinheiro. Apesar de ter um produto redondo, assim como em muitas outras startups, o modelo de negócio estava errado. Na versão que saiu do papel, a Mira venderia para sua solução para os estados por meio de licitação pública.

“Se alguma startup chegar pra mim e falar que vai viver de vender pro governo eu vou rir na cara dela com tanta força… O governo não está preparado para comprar. Existe uma rotatividade muito grande e além disso um processo de licitação demora de um ano e meio a dois. Ou seja, é muito, muito difícil”, conta Rangel Barbosa, CEO da Mira.

A percepção de que estavam no caminho errado, porém, não parou o trabalho. E em vez de vender, eles começaram a doar as licenças para uso do aplicativo, em um investimento médio de 4 centavos por aluno por ano. Em 2018, atingiu atraente soma de 1 milhão de alunos espalhados por 11 estados e o impacto veio: com o uso do aplicativo, o índice de ausência nas aulas caiu de 10% a 26% nas escolas.

Um novo modelo de negócio

E como a empresa fez para se manter viva e com equipe neste tempo todo? Um senhor investimento semente de R$ 30 milhões feito por brasileiros com LLCs nos Estados Unidos e que preferem manter o anonimato. O que se sabe é que hoje o board conta com 8 membros.

Com o produto resolvido e ganhando tração, o principal desafio para 2019, nas palavras de Rangel “é tornar-se financeiramente sustentável”. Parte do plano passa pela captação de mais investimento. Desta vez, o cheque será de 10 milhões de dólares, para manter a operação por dois anos (um investimento considerado Series B).

O plano passa também pelo novo modelo de negócio que será implementado, focando na empregabilidade dos alunos. “A gente via que os meninos no ensino médio querem muito conseguir um emprego. E várias empresas têm a demanda de contratar estagiários ou jovens aprendizes. Então porque não ajudar a conectar o perfil dos alunos com o das empresas?”, indaga o CEO. A partir deste novo modelo uma empresa que abre um posto de trabalho pode acionar a Mira para fazer o disparo desta vaga via SMS para alunos com o perfil que eles quiserem e paga por contratação em torno de 25% a 50% de um salário mínimo.

“Se você pergunta para os alunos qual o papel da escola na sua vida, a maioria não sabe. Eles vão porque o pai ou a mãe mandam eles irem. Só que se a cada duas semanas pingar quatro vagas de estágio para o aluno que vai todo dia a aula, se comporta bem e faz suas tarefas em sala, aí começa a fazer sentido. E ele começa a entender que vai precisar do dinheiro para pagar a faculdade”, conta Rangel. É por aí que vai seguir a Mira em 2019. Com potencial para atingir 5 milhões de alunos em um mercado que Rangel considera ser entre 5 e 10 bilhões de dólares.

Rangel Barbosa, CEO da Mira, acompanhado de  Melina Sternberg, gerente de comunicação e cultura da startup. Foto: Agência Ophelia.
Rangel Barbosa, CEO da Mira, acompanhado de Melina Sternberg, gerente de comunicação e cultura da startup. Foto: Agência Ophelia.

 

Ficar milionário? Isso não vai acontecer

Mesmo assim, cheio de honestidade, ele alertou os investidores: “Eu falo para todos os investidores: se você está pensando em ficar milionário ou bilionário investindo em empresa de educação pública, você investiu na empresa errada. Isso não vai acontecer.”

De fato não aconteceu nestes três primeiros anos de operação. O que se viu foram algumas mudanças significativas que garantiram a evolução e consolidação da startup. O pouco tempo que passou (que quem empreende sabe que é uma longa e cansativa trajetória) fez com que eles mudassem de produto e de modelo de negócio, mas com a mesma vontade inicial: a de fazer a diferença na vida de jovens do ensino médio. Agora é hora de gerar dinheiro. E segue o jogo.

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