Em 1999, nasceu a “ideia-embrião” de a Morada da Floresta. Mas só em 2009, ela se tornou uma. empresa. Desde então, é uma das primeiras e mais relevantes iniciativas para soluções socioambientais, cursos, produtos e serviços.
Sua concretização versa com a biografia do casal Cláudio Spínola e Ana Paula Silva, engajados quanto à consciência socioambiental. “Em 1998, conheci o movimento de comunidades alternativas e a permacultura. Fui morar na casa onde hoje é a Morada e, em 1999, comecei a fazer compostagem, ainda de forma experimental”, relembra Cláudio, também formado em Artes Plásticas.
A casa localizada no Butantã, em São Paulo, já foi uma república e, hoje, pertence a Cláudio. O nome Morada da Floresta veio depois que o artista plástico plantou duas plantas sagradas da Amazônia na residência, dentre elas um cipó, que cresceu e hoje sobe pela casa. A partir de 2004, a casa se tronou uma comunidade intencional e passou a ter como moradores somente aqueles engajados com o meio ambiente. “Tínhamos acordos, propósitos combinados, como a alimentação vegetariana e buscar uma forma ecológica de vida dentro de uma experiência comunitária”, comenta Cláudio.
Em 2007, a estrutura da casa começou a ser modificada, ao mesmo tempo que o casal passou a ministrar cursos de permacultura urbana – o que os ajudava a receber algum recurso financeiro por intermédio dos pagantes dos cursos. “Até então, eu não pensava em abrir a empresa. Queria ter uma vida com menos impacto e foi quando começou a ter essa “pegada” um pouquinho mais empreendedora, vamos dizer assim. Em 2007, com esse início dos cursos da Morada, as pessoas iam até lá e viam o sistema de compostagem que eu já fazia com as minhocas e queriam adquirir o produto pronto, mas eu não vendia – falava assim ‘pega a caixa e faz e tal’”, pontua o sócio-fundador.
Em entrevista à Aupa, Cláudio conta sobre essa trajetória e das vitórias recentes do empreendimento, um dos primeiros e mais influentes na pauta ambiental.
não retiramos lucro: conseguimos sobreviver e praticamente tudo o que sobra é reinvestido para implementar as melhorias e aumento de impacto.
AUPA | A Morada da Floresta surgiu, em 1999, quando não se falava tanto em economia circular ou setor 2.5. Como surgiu a ideia e como aplicar uma proposta sustentável e consciente em uma grande metrópole como são Paulo?
CLÁUDIO SPÍNOLA | A medida que começamos a vender composteira doméstica para famílias, começamos também a entrar no universo político e entender a estrutura da cidade. Foi o momento em que foi assinada a Política Nacional de Resíduos Sólidos [Lei 12.305/2010]. Então, tive uma fase muito atuante no engajamento da municipalidade de São Paulo, para levar o conhecimento desta informação quanto à gestão permacultural dos resíduos orgânicos e de fazer com que o resíduo orgânico fosse tratado no próprio local de geração. Tanto em casas quanto em apartamentos, condomínios, escolas, praças, parques e hotéis. Podemos produzir muito composto dentro da cidade, evitando este custo enorme de transporte e de desperdício de nutrientes. Começamos, também, a engajar o poder público nisso, porque as estruturas estavam arcaicas – assim como a mentalidade estava arcaica; nada era favorável para a compostagem.
A partir daí, foi quando saí do ambiente alternativo para entrar no empreendedorismo social. Assim, fui aprendendo a fazer gestão de empresa, além de todas as burocracias, as leis, a CLT, os impostos, a parte contábil e de finanças. Eu não tinha experiência anterior à Morada da Floresta. Tudo foi no passo a passo e de maneira orgânica. Foi muito de dentro para fora, a partir da prática interna foi virando uma necessidade de compartilhar. Depois, uma necessidade de gerar sustentabilidade econômica, ampliar impacto e acreditar nesta mudança.
Mas acho que isso nos motiva muito: tentar trazer para realidade essa visão, o que enxergamos e como conseguir promover esta mudança.
AUPA | A pauta ambiental também é vista como um modelo de mercado e de negócio. No caso da Morada da Floresta, como funciona a geração de renda?
CLÁUDIO SPÍNOLA |A Morada da Floresta gera renda vendendo produtos para famílias e o nosso e-commerce é o principal canal de vendas. Para venda B2C, o centro das nossas vendas vai pelo e-commerce. Temos também uma rede de revendedores que vendem os nossos produtos e também ajudam a vender neste sentido. Para o público B2B, implementamos o sistema de compostagem em grandes geradores: indústrias que têm restaurantes para os funcionários, assim como hotéis e escolas. Quem gera resíduos orgânicos entra em contato conosco e buscamos resolver o problema de uma maneira ecológica, econômica, ambiental e educativa. Agregamos este valor aos resíduos orgânicos.
Fazemos, ainda, projetos educacionais, como cursos, palestras, projetos com escolas. Neste momento, estamos implementando compostagem em todas as escolas municipais de Ilhabela; já fizemos até um projeto grande com a prefeitura de São Paulo.
O dinheiro vem para aumentar a nossa estrutura para gerar mais impacto. Praticamente, até hoje, não retiramos lucro: conseguimos sobreviver e praticamente tudo o que sobra é reinvestido para implementar as melhorias e aumento de impacto.
AUPA | Fale um pouco dos impactos do projeto de compostagem, por que é importante termos esta consciência em 2018?
CLÁUDIO SPÍNOLA | Mais da metade dos resíduos no Brasil são orgânicos. Hoje, é encarado como problema, pois além dos custos econômicos, esses resíduos geram danos ambientais, como chorume, gás metano, consumo de combustíveis fósseis, etc. Na Morada damos um olhar diferenciado para os resíduos orgânicos. Afinal, os entendemos como recurso. Pegamos os resíduos orgânicos e o transformamos em adubo, conseguimos dentro da própria cidade fazer uma geração de adubo enorme. E essa geração de adubo pode fomentar políticas públicas de agricultura familiar, agricultura ecológica, educação ambiental, hortas escolares, hortas comunitárias dentro da cidade, hortas em praças. O potencial é enorme.
No modelo da composteira antiga [a Morada da Floresta lançou seu modelo atual de composteira em 2017], entre 2009 e 2017, vendemos cerca de 11 mil unidades. Então, há 11 mil famílias compostando 22 toneladas de resíduos orgânicos, por dia, nas suas casas. Isso gera mais de 8 mil toneladas ao ano, é um impacto bastante alto.
AUPA | Fale um pouco sobre o projeto Composta São Paulo e a proposta da elaboração de uma política pública para a prática da compostagem doméstica nos lares paulistanos. Qual foi o impacto na cidade de São Paulo?
CLÁUDIO SPÍNOLA | No ambiente doméstico, no Brasil como um todo, gera-se mais de 50% de resíduo orgânico. Então, se a gente faz compostagem, resolvemos já metade dos resíduos, além dos recicláveis, que representam de 32 a 33 %. O grosso mesmo é o resíduo orgânico. Em casa é a mesma coisa, metade dos resíduos é orgânico. O cidadão ou a família não tem custo com essa coleta, então, o engajamento e o estímulo para que essas famílias façam a compostagem é ambiental, além da produção de adubo. Para o ambiente empresarial: a empresa tem um custo mensal para levar os resíduos para o aterro sanitário. Então, quando a empresa implementa o sistema de compostagem no próprio local, ela gera uma economia grande. Para o poder público, gera uma economia enorme quando a prefeitura, por exemplo, estimula a pessoa a fazer a compostagem em casa. É metade do resíduo com menos custo para a prefeitura. Afinal, a gestão desses resíduos é municipal. Cada tonelada custa cerca de 250/300 reais e pode chegar a 450 reais o custo por tonelada.
Vamos imaginar um cenário em que na cidade de São Paulo tenha-se 100 mil famílias fazendo compostagem, ou seja, cada família estaria compostando 2 quilos de resíduos por dia. Então, na verdade, essas famílias estariam compostando 200 mil quilos por dia; 200 mil quilos são 200 toneladas. Se São Paulo tem um custo de 300 reais a tonelada, fica fácil fazer as contas para ver a economia que uma política pública como essa geraria para o poder público [60 mil reais]. Há muitos benefícios por todos os lados.
A partir do Composta São Paulo houveram muitas iniciativas para impulsionar a compostagem no Brasil. Então, o projeto trouxe o conhecimento ao grande público a respeito da prática da compostagem doméstica e inspirou outros municípios a quererem fazer outros projetos. Inspirou até mesmo o Ministério do Meio Ambiente a elaborar um edital específico para apoiar projetos de compostagem. Cerca de 2 mil famílias participaram do Composta São Paulo. Teve uma desistência de menos de 100 famílias, que não fazem mais por algum motivo pessoal ou por terem viajado ou mudado de cidade. Mas considerando 2 mil famílias, compostando juntas, são mais ou menos 4 toneladas por dia. Isso desde 2014.
AUPA | Quais dicas você pode dar para quem quer começar um negócio social voltado à sustentabilidade e ao meio ambiente?
CLÁUDIO SPÍNOLA | Primeiro, faça do coração aquilo que você realmente acredita. Não entre somente para ganhar dinheiro, porque o dinheiro nem sempre vem tão fácil. Até porque, essas causas são nobres e bonitas, as pessoas que olham de fora acham que é muito legal, mas há muitos desafios. Principalmente na parte financeira. Ainda é um público especifico, a gente trabalha sempre com nichos, por mais que estejamos promovendo uma prática muito legal. Mas ainda são poucos os que estão neste movimento, falando de público consumidor. A gente está enxergando algo que as pessoas não estão enxergando agora. Mas acho que isso nos motiva muito: tentar trazer para realidade essa visão, o que enxergamos e como conseguir promover esta mudança. Acho que é também assim que essa parte visionária do empreendedor deve ser. Acredito que é mesmo um alimento, combustível para o dia a dia.