No cargo desde 19 de junho, o novo Secretário de Inovação do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC), dá continuidade na construção da ponte entre o setor público e o ecossistema de impacto. Em 9 de julho, segundo agenda oficial, Rafael esteve em audiência, por exemplo, com Célia Cruz, Diretora Executiva da Inovação em Cidadania Empresarial (ICE) e uma das principais articuladoras do setor.
Para os já iniciados no ecossistema de impacto no Brasil, não deverá ser novidade o debate sobre parcerias do campo com o poder público. A ponte entre o governo federal e o ecossistema de impacto tornou-se institucional em 2017, quando por meio de portaria presidencial estabeleceu-se a Estratégia Nacional de Negócios de Impacto.
A partir desse marco, alguns debates e discussões estão na esteira. O apoio do poder público ao setor de impacto será financeiro, por meio de bancos públicos e de desenvolvimento? Há expectativas para projetos que regulamentem os negócios de impacto e facilitem o acesso à ofertas de capital privado?
Dentro do governo federal, é a Secretaria de Inovação e Novos Negócios do MDIC quem coordena a elaboração ENIMPACTO. Ainda para julho, está prevista mais uma rodada de discussão entre grupos de trabalho sobre o tema, em articulação com os setores do governo, do setor privado, da comunidade científica e acadêmica e da sociedade civil.
Rafael fez carreira no setor público, tndo sido diretor de políticas em tecnologia da informação no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, dirigente da assessoria econômica da Agência Nacional de Telecomunicações e gerente de projeto na mesma Secretaria de Inovação. Em entrevista exclusiva à Aupa, o secretário comentou sobre as estratégias possíveis, para este ano, com o objetivo de fomentar o ecossistema de impacto. Segundo ele, o foco está em ações de curto prazo que possam ser realizadas antes da troca de gestão, em janeiro de 2019.
Usar o social impact bond é uma ótima ideia, mas precisa de tempo de maturação, principalmente de órgãos de controle e quais seriam os indicadores usados de efetividade de resultados.
AUPA | Qual é a sua avaliação da aproximação e como o governo tem interesse nesse ecossistema de impacto?
RAFAEL MOREIRA | Foi instituído um decreto no ano passado que estabelecia a Estratégia Nacional de Negócios de Impacto, a ENIMPACTO. O objetivo maior, agora que nosso tempo é curto, é fortalecer essa institucionalidade, manter os comitês funcionando aqueles que discutem os assuntos que foram comentados na estratégia de estruturação. E a gente tentar fechar quais são as entregas reais de curto prazo que vamos priorizar nesse segundo semestre.
Na ENIMPACTO, nós vamos fazer mais uma rodada de discussão nos comitês em julho para poder levantar quais seriam os entregáveis de curto prazo. A gente percebe que dá para fazer alguma coisa na área de fundos de investimento, ou um crédito social pelo BNDES, ou aceleração de startups. A estratégia é construir uma agenda de curto prazo e consolidação da governança para o próximo governo. Lembrando que este é um assunto que ainda perdurará por mais tempo. O decreto mesmo dá um prazo de 10 anos de discussão das ações para negócios de impacto no país.
AUPA | A gente apurou que há alguns projetos correndo no legislativo para definição de negócios de impacto. Nesse ano, é possível esperar algum avanço desses projetos? Ou a possibilidade do executivo propor projetos para isso?
RAFAEL MOREIRA | Propor projetos não faz sentido quando se está nas vésperas da troca da legislatura. Esses projetos acabariam ficando mortos ali nas comissões. Como o tempo é curto, o que pretendemos é viabilizar algumas estruturas regulatórias que fariam total diferença para o ambiente de negócios empreendedores. Uma delas que temos visto é a questão da Sociedade Anônima Simplificada. Mesmo que não haja um incentivo fiscal, ela ajudaria muito a estruturação de empresas de bases tecnológicas que pudessem receber aporte de fundos de investimento e participação. E há uma vontade grande em congresso para votar essa proposta. Isto está em uma comissão especial, não precisaria ir a plenário, e acreditamos que haverá espaço para o fim do ano para ser aprovado.
Para uma startup receber um aporte de um fundo de investimento, ela precisa se converter em Sociedade Anônima de capital fechado por questões de segurança jurídica. Com isso, ela vai para um regime de tributação de uma sociedade anônima, que é um regime muito mais caro. Sendo uma S.A., ela tem que cumprir um rol de obrigações acessórias, como publicar balanços, o que não faria nenhum sentido para uma empresa que fatura um ou dois milhões de reais por ano. A proposta é retirar boa parte dessas obrigações e permitir que essa sociedade anônima possa ser enquadrada no SIMPLES, do ponto de vista fiscal, se ela fatura até 3,6 milhões. E isso não teria nenhum impacto tributário, porque se ela hoje é limitada e fatura essa quantia, ela já está no Simples. A diferença é que uma limitada não pode receber um aporte de um fundo de investimento. A proposta que a Argentina já fez e o Chile já fez é dar essa oportunidade que startups possam se instituir como S.A. com menos obrigações e tributação mais simples.
Além desta, a gente levantou aquilo que seria a agenda do legislativo nesse ano, aquilo que está na boca e poderia ser votado no pouco tempo. Tem uma estratégia que vamos fechar no final desse mês de ver onde estão alguns focos que se relacionam com negócios de impacto social e podem dialogar com o bloco de Sociedade Anônima Simplificada. Vamos tentar fazer um apensado e buscar aprovar algum bloco que seja relevante para os negócios de impacto no país.
há um movimento que parte de bancos de desenvolvimento e bancos públicos, casada com a oferta de capital privado já existente no ecossistema, para criar alguns instrumentos híbridos com objetivo de ampliar a oferta de capital privado.
AUPA | A possibilidade de destinar uma porcentagem de compras do governos à negócios de impacto é considerada em âmbito federal? Ou que outras possibilidades de fomento têm sido discutidas?
RAFAEL MOREIRA | Essa parte de compras é mais complicada. Eu sou do Ministério de Planejamento, de origem, e sei bem como funciona um processo como esse. Aqui no país, isso já foi muito utilizado no passado para tentar estimular inovação e tecnologia. Ou tentar dar alguma margem de preferência para algum produto que tivesse margem de conteúdo local ou nacional. Essas iniciativas estão sendo reavaliadas. Acha-se que o impacto dessa iniciativa não seria tão efetivo e a relação custo-benefício não seria tão adequada.
Nessa parte de investimento de impacto, a questão da ampliação da oferta de capital é a prioridade. É um momento que temos vivenciado um altíssimo déficit fiscal. Cada vez mais o governo corta gastos e não abre a possibilidade abrir uma aquisição a um custo superior com algum componente tecnológico ou modelo de negócio social.
Há, porém, ainda a oportunidade de tentar trazer ideias inovadoras de startups que possam impactar diretamente a estratégia governamental. Com tempo, essas empresas poderiam entrar no rol de contratações do governo federal. Isso é uma ideia que discutimos com o Ministério do Planejamento e não só para negócios de impacto, mas no ambiente de startups em geral. O que teríamos são leilões ou licitações que tivessem caráter diferenciado para testar essa solução, começando pelo setor de Tecnologia da Informação. O que nós vamos fazer ainda este ano é testar algumas licitações piloto pelo Ministério do Planejamento, na central de compras, para quilo que for inovador em startups em TI.
O que a gente começa a perceber que seria uma oportunidade bacana, mas não temos tempo viável para fazer, é a parte dos contratos de impacto social. Usar o social impact bond é uma ótima ideia, mas precisa de tempo de maturação, principalmente de órgãos de controle e quais seriam os indicadores usados de efetividade de resultados. Isso que aconteceu da primeira debenture social do país é bacana, por exemplo. Com iniciativas assim, vão se criando os casos de estudos para analisarmos quais são os indicadores de resultados.
AUPA | Você citou o BNDES na resposta. Considere-se a possibilidade de usar o Banco Nacional de Desenvolvimento para investir no setor de impacto?
RAFAEL MOREIRA | Há iniciativas neste sentido dentro do BNDES, mas também a Caixa Econômica Federal está pensando em fazer um fundo específico voltada para negócios de impacto. Então há um movimento que parte de bancos de desenvolvimento e bancos públicos, casada com a oferta de capital privado já existente no ecossistema, para criar alguns instrumentos híbridos com objetivo de ampliar a oferta de capital privado. Este é o grande mote nosso nesses poucos meses até o fim deste governo.
Obviamente, um terceiro eixo seria fortalecer o apoio aos empreendedores de negócios de impacto. Nós vamos fazer uma conexão de todos os programas de startups do governo federal junto com o Ministério de Ciência e Tecnologia e alguns parceiros como ABDI [Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial] e Sebrae. Hoje, cada um tem sua iniciativa, que não necessariamente se comunicam, e vamos organizar isso a partir de um fluxo de trabalho.
essas empresas poderiam entrar no rol de contratações do governo federal. Isso é uma ideia que discutimos com o Ministério do Planejamento e para negócios de impacto e startups em geral.
AUPA | Em todo tempo da conversa você comenta sobre o curto tempo de trabalho às vésperas de uma eleição. O quão forte está esse assunto dentro do governo e do MDIC. Dá para esperar que essas pautas continuem nesta intensidade após a troca de gestão e de legislatura?
RAFAEL MOREIRA | Ele é um tema emergente. Não está em um ranking de prioridade dos outros ministérios aqui na esplanada. É um tema cool, diferente. Tem uma pegada internacional muito interessante, porque tem fóruns internacionais sofisticados dedicados sobre isso. Então o potencial dele continuar sendo debatido no governo é enorme. Mas ainda emergente. O engajamento do setor privado é importantíssimo para manter este momentum dentro do setor público.