São Paulo é uma das cinco cidades mais populosas do mundo, com mais de 20 milhões de pessoas, sendo que só no município vivem 12 milhões de habitantes. Proporcionalmente são os seus problemas, desafios e contrastes. De acordo com o estudo realizado em conjunto pela prefeitura de São Paulo com a organização internacional Aliança de Cidades, em 2007, a capital paulista possuía 1.538 favelas, ocupando um território de 30 quilômetros quadrados. O Censo IBGE 2010 apontou que cerca de 2,1 milhões de pessoas na região metropolitana moram em favelas.
Sim, estamos diante de uma enorme desigualdade e, definitivamente, não dá para viver assim. Por isso, os próprios moradores das comunidades se mobilizam para transformar a realidade de seus territórios e muitas iniciativas e projetos começaram a surgir para dar voz e visibilidade ao que antes ficava somente nos extremos da cidade. Aqui contamos as histórias de quatro destas iniciativas. Hoje, especialmente, da Dona Êda Luiz, do Cieja Campo Limpo.
“A MINHA LUTA É QUE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NÃO É UMA RECEITA DE BOLO.”
Inclusão como método
Durante 20 anos, ela foi diretora do Cieja Campo Limpo, uma escola de Educação Integrada de Jovens e Adultos, de ensino fundamental. A iniciativa virou referência nacional com seu modelo de educação inovadora e inclusiva, sendo reconhecida como Escola de Educação Transformadora para o Século XXI, em 2017, pela UNESCO, uma das duas únicas escolas no Brasil a receber esse título.
Dona Êda ou tia Êda, como é conhecida revolucionou o método de ensino e a educação para jovens e adultos das comunidades da zona sul de São Paulo, criando uma escola aberta acolhendo aqueles que foram excluídos de alguma forma. Mas o segredo não está somente em abrir os portões para todos e, sim, na maneira como ela faz isso.
Dona de uma simpatia acolhedora, a figura de Êda Luiz é cativante. Além de receber os alunos com o sorriso no rosto, saber o nome de todos, ela está aberta a ouvi-los. Foi junto a eles e com os professores que ela construiu uma maneira efetiva e afetiva de ensino, além de contar com muita resiliência e personalidade.
“A escola é inclusiva não só porque recebe todo mundo e, sim, em todos os sentidos – no respeito, acolhimento, na produção de conhecimento, em ouvir o aluno sobre aquilo que ele quer aprender, na maneira de ensinar”, defenda Êda.
Hoje, o Cieja tem 1500 alunos, sendo 212 com necessidades especiais escolar, disponibilizando uma estrutura acessível e educação em Libras e Braile. O estudante mais novo tem 15 anos e a mais velha é a dona Maria, com 89 anos. O funcionamento é integral, com o objetivo de abranger todos os públicos e dar oportunidade para todos os trabalhadores.
Educando pela participação
Os alunos são divididos de acordo com seu nível de conhecimento – alfabetização, pós-alfabetização, intermediário e final. Todos os turnos têm uma turma de cada nível e, com isso, o aluno tem maior flexibilidade para frequentar a aula no horário que for melhor para ele, evitando perder conteúdo.
Português, Matemática, História, Ciências? Sim, tem tudo isso, porém as disciplinas foram substituídas por áreas do conhecimento, como Ciências do Pensamento (Ciências e Filosofia), Ciências Humanas (História e Geografia), Ensaios Lógicos e Artísticos (Matemática e Artes).
E tem mais: alunos trazem temas de interesse aos professores que os estimulam a estudar por meio de resolução de problemas. O resultado de tudo isso não poderia ser outro: o sucesso. Aqueles que haviam perdido interesse em estudar, encontram no Cieja um refúgio cheio de oportunidades.
Fim de carreira? Jamais!
Há mais de 50 anos como educadora, dona Êda conta que ao longo do tempo viu a educação perder um pouco o brilho. “A educação brasileira tem tudo para dar certo. Tem os protagonistas, o nosso povo que é admirável em criatividade, habilidades, ousadia e temos os educadores que confiam e acreditam em mudanças e transformações. Mas temos governos que não acreditam nisso”, desabafa.
Em 2018, chegando aos 70 anos, ela se aposenta com a sensação de missão cumprida, mas nem de longe pensa em parar! “O Cieja foi um projeto construído com muita luta e dificuldade, mas está na hora de passar o bastão e partir para ajudar os outros com toda a experiência que eu tenho”, comenta.
Algumas cidades do Nordeste, região que sofre com a crise de violência, muito por conta da alta taxa de analfabetismo, conta com a consultoria de dona Êda na educação. “O prefeito de Recife, onde 79% da população é analfabeta, me convidou para trabalhar na construção de um modelo de ensino como o Cieja”, informa. Diante desse cenário, ela traz a reflexão “como ganhar um menino para escola e não perder para as drogas e violência? A minha luta é que educação de jovens e adultos não é uma receita de bolo. Resgatar o tempo perdido é outra realidade”, argumenta.