Parte da organização que os próprios atores das Finanças Sociais estão realizando para fortalecer o ecossistema está acontecendo no âmbito constitucional. Isso porque, até então, não existe uma personalidade jurídica que enquadre estas empresas que querem lucrar com a melhoria do planeta. Todavia, há movimentos de diferentes propostas que buscam a regulamentação dos negócios de impacto a criação de um macroambiente jurídico e econômico mais favorável às finanças sociais.

Por dentro da ENIMPACTO

Com a chancela presidencial em dezembro de 2017, criou-se a  Estratégia Nacional de Investimento e Negócios de Impacto (ENIMPACTO). Trata-se de um grupo composto por órgãos do governo e entidades privadas para discutir meios de fortalecer o setor de negócios de impacto no Brasil. Ao longo de 2018, lá tem sido o principal lugar de articulação no sentido de aumentar a oferta de capital para o setor e criar um ambiente jurídico favorável ao desenvolvimento de novos negócios.

Atualmente, o grupo que desenha essas estratégias é presidido por representantes do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC), mas também é composto por representantes de bancos públicos e de outros sete ministérios.

À frente da iniciativa está a Aliança pelos Investimentos e Negócios de Impacto. Dentre seus membros, está a Empresa B, um movimento global que busca criar um ecossistema de empresas com o propósito de gerar impacto social e ambiental.  Esta iniciativa foi eleita para liderar um dos quatro Grupos de Trabalhos criados para garantir a execução da ENIMPACTO.

E como funciona? Muito simples. A ENIMPACTO é dividida em quatro eixos temáticos, cada qual com objetivos e ações estratégicas específicos. No primeiro eixo, Ampliação da Oferta de Capital, basicamente buscam-se novas formas de financiar novos negócios de impacto. No segundo, Aumento do Número de Negócios de Impacto, procura-se expandir conexões com cadeias de valor de grandes empresas, aumentar o acesso à compras públicas e promover diversidade de gênero, raça e social entre empreendedores. O tópico Fortalecimento de Organizações Intermediárias é auto-explicativo: financiar e espalhar incubadoras, aceleradoras e centros de formação e pesquisa no tema.

O objetivo do Grupo de Trabalho “Promoção de um Ambiente Institucional e Normativo Favorável” inclui, dentre outros, o tema da legislação específica para estes. “Dentro deste GT nós elencamos 7 ações prioritárias e a primeira delas é a institucionalização de uma estrutura jurídica para negócios de impacto”, contou Marcel Fukayama, cofundador e Diretor Executivo do Sistema B.

Marcel Fukayama

Projeto Parado: Sociedade de Interesse Comunitário

Um dos principais focos de atuação da ENIMPACTO é o de criar, junto ao Congresso, uma personalidade jurídica que pudesse contemplar especificamente os negócios de impacto e diferenciá-los de outros empreendimentos.

Porém, o ano eleitoral, como foi de 2018, limitou a ENIMPACTO no objetivo de encaminhar propostas de novos projetos para as casas legislativas. Para o secretário de Inovação do MDIC e também participante da ENIMPACTO, Rafael Moreira, “propor projetos não faz sentido quando se está nas vésperas da troca da legislatura. Esses projetos acabariam ficando mortos ali nas comissões.”

É o que tem acontecido, por exemplo, com um projeto em tramitação no Senado, o PLS 788/2015 do senador Wilder Morais (PP-GO). O texto introduz uma nova qualificação societária para que empresas possam ser enquadradas como Sociedade de Interesse Comunitário. Estas seriam aquelas destinadas, segundo o projeto, “à promoção do bem-estar da comunidade em que atuam, em âmbito local e global”. São empreendimentos direcionados a temas como proteção do meio-ambiente, preservação do interesse histórico, turístico ou artístico e defesa da dignidade de minorias.

O projeto está parado na Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) desde fevereiro de 2016, e ficou aguardando a designação do relator até o último 30 de novembro, quando assumiu a relatoria o senador Acir Gurgacz (PDT-PR). No dia 13 de dezembro deste ano, no entanto, Gurgacz devolveu a matéria, que agora aguarda novo relator. Após sair da CCJ, tendo modificações ou não, o projeto seguirá para votação no plenário do Senado e, caso aprovado, irá para apreciação e sanção presidencial.

Solução mais rápida? Sociedade Anônima Simplificada

Tido pelo secretário Rafael Moreira como caminho de curto prazo, já está em circulação desde 2014 o projeto da criação da Sociedade Anônima Simplificada (PL 352/2014). Ele não se refere, especificamente, aos negócios de impacto, mas é tido com bons olhos como forma de fomentar startups e negócios inovadores, em amplo aspecto.

Para uma startup receber um aporte de um fundo de investimento, ela precisa se converter em Sociedade Anônima de capital fechado por questões de segurança jurídica. Com isso, ela vai para um regime de tributação de uma sociedade anônima, que é um regime muito mais caro. A proposta seria a de enquadrar a sociedade anônima no SIMPLES, mais barato do ponto de vista fiscal, se ela fatura até 3,6 milhões anuais. A medida ajudaria a atrair, portanto, maior oferta de capital a startups e alcançaria também negócios de impacto.

Neste ano, havia a expectativa por parte do MDIC que o projeto fosse votado em plenário antes da troca da legislatura. Porém, continua nas mãos do relator Jorge Viana, na Comissão de Constituição e Justiça, desde março de 2017. Um projeto semelhante também está em tramitação na Câmara dos Deputados (PL 4303/2012) e atualmente está na  Comissão de Finanças e Tributação (CFT), não tendo ainda chegado à plenário.

Segundo o diretor do MDIC, Alessandro França Dantas, o tema da Sociedade Anônima passará por novos esforços de articulação e esta à procura de um patrocinador. Portanto, segue incerto até que o novo governo assuma em janeiro.

Novo Projeto: Sociedade de Benefícios

A ENIMPACTO articula propor, em 2019, um outro projeto de lei que prevê a criação da Sociedade de Benefícios. Esta contempla especificamente os negócios de impacto e engloba as seguintes características:

  1. Ter declarado no objeto social o propósito de causar impacto social e ambiental positivo no curso da atividade econômica com finalidade lucrativa.
  2. Ter responsabilidade ampliada dos administradores e gestores do negócio para considerar os stakeholders no processo de decisão a curto e longo prazo.
  3. Ter compromisso com a transparência em medir e reportar seu triplo impacto, não apenas econômico, mas também social e ambiental.

O grupo submeteu para o Executivo o projeto de lei para essa personalidade jurídica. Por conta da troca de governo, o texto ficou parado na Casa Civil e não chegou a ser apreciado no Congresso.

Por que isso é bom para todo o setor?

Com projetos de lei como os citados, o fortalecimento do setor virá à medida que a classificação garantir que a oferta de capital seja concentrada. Marcel Fukayama , do Sistema B, por sua vez, dá uma interessante orientação a respeito “o principal benefício para o empreendedor é ter uma alternativa legal/formal de se institucionalizar como empresa que gera benefícios públicos. Nesse caso, o gestor público passaria a ter mais segurança jurídica para escolher negócios que geram, não apenas, impacto econômico, mas também social e ambiental.”

Outra vantagem é a ampliação da oferta de capital específica para essa qualificação de personalidade jurídica. “Então, o BNDES poderia começar a atuar verdadeiramente como banco de desenvolvimento ao conceder crédito para este tipo de negócio e institucionalizado de empreendimento”, arredonda Marcel.

Embora o cenário que se traça seja mais animador,  não há, ainda, motivos para celebrar. O processo para que esse projeto vire realidade, até o momento,  está em estágio inicial.  Segundo consta,  não há o envolvimento de congressistas à frente dessa iniciativa,  apesar das interlocuções feitas com os deputados Alessandro Molon (PSB – RJ) e Otávio Leite (PSDB). “Se eu fosse estimar eu diria que a gente ainda demoraria um ou dois anos para avançar neste tema”, conclui Marcel.

Conjunto de entregas

“Nós ficamos muito felizes com o conjunto de entregas, a gente achou as entregas bastante relevantes.”É assim que o diretor do MDIC, Alessandro França Dantas, avalia o primeiro ano da ENIMPACTO. “O que foi feito no decorrer desse ano, na verdade é um alicerce para que a gente comece a ousar mais a partir do ano que vem”, opina.

Além da proposta de Sociedade de Benefícios — que aparece como favorita para contemplar os negócios de impacto –, a ENIMPACTO avançou em outros flancos. Neste ano, o programa de aceleração do governo federal, InovAtiva Brasil, contou com 15 startups de impacto social e ambiental. O programa é uma parceria do Sebrae com o MDIC.

Outro avanço que desponta para 2019 é a estruturação do fundo para apoio a negócios de impacto fruto de um acordo de cooperação técnica entre BNDES, Fundação Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Sebrae. Segundo fontes no BNDES, já estão definidos o perfil do gestor do fundo, ainda a ser selecionado, sua estrutura de governança e uma descrição das características de negócios a serem apoiados. Todavia, essas definições ainda serão submetidas à apreciação das instâncias decisórias e, portanto, mais detalhes não podem ser divulgados.

Um tema de também substantivo progresso foi o de Fundos Patrimoniais, também conhecidos como endowments. Estes fundos são formados, geralmente, a partir doações de recursos ou bens com o objetivo de financiar atividades de organizações públicas ou não, tornando-as mais independentes da captação por projetos com governos ou empresas. A ENIMPACTO apoiou toda a mobilização da coalizão para Fundos Patrimoniais. O projeto foi aprovado tanto na Câmera quanto no Senado em dezembro, no apagar das luzes da legislatura, e seguiu para chancela presidencial

Terreno pantanoso no tema de expansão de oferta de capital para negócios de impacto por meio de mecanismos de compras governamentais. Havia a expectativa, por parte do secretário Rafael Moreira, de abrir licitações-piloto para contratação de startups, especialmente na área de Tecnologia da Informação. Porém, a expectativa não se cumpriu.

Transição de governo e extinção do MDIC

A partir de 1 de janeiro, assume enquanto presidente Jair Bolsonaro (PSL) e sua nova equipe econômica, liderada pelo “posto Ipiranga”, Paulo Guedes. Dentre as medidas anunciadas na transição, uma afetará a ENIMPACTO diretamente: a extinção do MDIC e sua incorporação no “super-ministério” da Economia.

A estrutura do MDIC passará a compor duas secretarias especiais do ministério da Economia: a de comércio exterior e a de produtividade e competitividade industrial. Segundo fontes do MDIC, a atual secretária de inovação migraria para a secretaria especial de produtividade e competitividade industrial. Como a ENIMPACTO é, hoje, presidida pelo MDIC, toda sua estrutura se move também para lá.

A expectativa é que as discussões continuem nesta nova estrutura. “Está tudo ainda muito nebuloso, porque o segundo e terceiro escalões dos ministérios estão em processo de definição e está ainda muito solto”, comenta Marcel Fukayama, com a expectativa de confirmações sobre a quais as estruturas receberão a ENIMPACTO a partir de fevereiro. Todovia, o decreto que cria a estratégia confere prazo de 10 anos para sua aplicação, estabelecendo-a como política de Estado. “Isso dá uma tranquilidade em termos de continuidade. Mas, como é um órgão que foi extinto, que é o MDIC, isso permitiria uma reedição do decreto e, consequentemente, algumas mudanças nele.”

Outro ponto delicado é a possibilidade do fim do SIMPLES. Estudos do Ipea liderados por membros da equipe econômica de Bolsonaro indicam a redução e possível extinção de benefícios dados à pequenas empresas, o que poderia afetar diretamente startups e negócios de impacto.

O SIMPLES é um regime de tributação que unifica impostos federais, estaduais e municipais em uma cobrança única. Segundo estudos do Sebrae, o programa chega a reduzir 40% da carga tributária de micro e pequenas empresas.

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