O campo de negócios sociais de impacto ou setor 2.5 é composto de mentes brilhantes e, acima de tudo, apaixonadas pelo que fazem. Não seria possível descrever de outra maneira Andreas Ufer. Ele se dedica na Sense-Lab, fundada em 2015, a promover a inovação social, ajudar a estruturar novos negócios e vincular as pessoas do campo.
Antes de adentrar nos negócios de impacto e empreender na Sense-Lab, Andreas atuou, por nove anos, em diferentes empresas. Foi, por exemplo, consultor em sustentabilidade em supply chain e planejamento estratégico no Grupo Votorantim. Antes disso, formou-se em engenharia pela Universidade de São Paulo (USP) e pela Universidade de Aachen, na Alemanha, além do MBA em Gestão Estratégica pela FGV.
Hoje, na Sense-Lab, todo esse conhecimento é colocado em favor da tutoria de empreendedores sociais e do processo de estruturação de novos negócios, principalmente em comunidades de baixa renda. Em entrevista exclusiva para a Aupa, Andreas conta um pouco mais da sua trajetória e oferece alguns de seus aprendizados aos novos empreendedores que também pensam em atuar no setor.
AUPA O Sense-Lab oferece consultoria empresarial e estratégica para iniciativas do setor 2.5. Como você percebeu a importância de investir nesta área?
ANDREAS UFER Percebemos dois fatos. Primeiro, há uma demanda crescente das empresas em resgatarem seu propósito e trabalharem ações e inovações que unam a geração de valor para o negócio e a criação de valor para o coletivo. E essa demanda nasce por vários motivos, como consumidores cada vez mais conscientes e a dificuldade em reter profissionais das novas gerações, que buscam, cada vez mais, atividades com significado, além de pressões regulatórias, riscos sociais, ambientais, de imagem e reputação. O Sense-Lab enxergou a oportunidade de apoiar essas empresas nessa jornada. Segundo, existe um terceiro setor cada vez mais maduro e estruturado, mas que ainda tem uma carência grande em gestão, estratégias de autofinanciamento e governança de redes de cooperação. A partir desta análise, fomos acumulando competências para apoiar esses processos também.
AUPA Quais dicas você pode dar para quem está começando a empreender com foco em impacto social? E quais cuidados os empreendedores devem tomar?
ANDREAS UFER Em primeiro lugar, se sua motivação é realmente resolver um problema social ou ambiental, se certifique que você conhece o problema e seu contexto e se entende e tem empatia profunda com as pessoas envolvidas. O que mais vemos são soluções artificiais, que não se conectam e não se endereçam, de fato, às questões que sugerem resolver. A proximidade com a causa é essencial, seja por um empreendedor que é parte da população impactada, seja por intermédio de processos experienciais, imersões, entrevistas e cocriações com o público-alvo. Em segundo lugar, desenhe seu negócio com base em quem você é, o que você sabe e quem você conhece. Levar em consideração o perfil de empreendedor facilita muito o lançamento de um negócio. Em terceiro lugar, planeje e saiba qual negócio que você quer lançar, mas vá para prática rápido. Nada valida mais a sua ideia do que o choque com a realidade. E esteja disposto a mudar sua solução quando o mundo lhe disser que ‘não é por aí….’. Em quarto lugar, finalmente, certifique-se de que você tem o perfil de empreender e viver na extrema incerteza e que está no momento de vida certo. Se você precisa gerar receita e ter uma remuneração nos próximos poucos meses, provavelmente não é hora de você empreender, por exemplo.
AUPA E como se dão os processos de apoio a empreendedores na Sense-Lab?
ANDREAS UFER Temos diversos processos de apoio a pessoas, empreendedores e empresas que trabalham com a lógica de aliar sustentabilidade financeira e impacto socioambiental positivo. Nossas iniciativas contemplam consultorias para empresas e organizações do terceiro setor, passando por cursos para quem quer conhecer mais sobre o chamado setor 2.5 e quer entender a lógica e o processo de criação de negócios de impacto. Nós temos até programas que apoiam e assessoram startups e negócios de impacto em desenvolvimento. Neste último caso, trabalhamos com processos de tutoria individualizada e também com programas para grupos de empreendedores, em geral, em estágio inicial. Temos um programa chamado EnAction, que ajuda pessoas que têm uma ideia de negócio de impacto a formatar, desenvolver e testar seu modelo durante cinco encontros ao longo de 1 mês. Temos também o Empreendedores da Mudança, um programa que trabalha o desenvolvimento de negócios de impacto já existentes com encontros mensais ao longo de 10 meses.
“DESENHE SEU NEGÓCIO COM BASE EM QUEM VOCÊ É, O QUE VOCÊ SABE E QUEM VOCÊ CONHECE.”
AUPA Hoje, percebemos mais pessoas falando em/sobre negócios de impacto socioambiental. Como você vê as projeções do setor? E quais as grandes dificuldades para quem quer empreender e investir nesta área?
ANDREAS UFER Vejo o setor de negócios de impacto em um movimento ascendente, trazendo cada vez mais atores e pessoas do mainstream para sua órbita, incluindo organizações como Itaú, BID, BNDES e também grandes empresas como Coca-Cola, Braskem, Natura e Facebook. Mas, principalmente, vejo um número crescente de jovens e pessoas em meio de carreira mudando sua trajetória profissional, em busca de um trabalho com mais propósito e que agregue mais para o coletivo. Se fizesse uma aposta, diria que este setor será muito maior e mais estruturado em 10 anos. O principal desafio ainda é aumentar a quantidade de negócios de impacto consolidados e estáveis financeiramente, além de criar mais caminhos profissionais dentro do setor para quem não tem perfil de empreendedor.
AUPA Como você vê a relação entre negócios de impacto social e a geração millennials? Quais novas mudanças os lideres desta geração trazem para os negócios de impacto social?
ANDREAS UFER Vejo relação direta entre a expansão do movimento de empreendedorismo social e as aspirações e a visão de mundo das novas gerações, que entram e começam a avançar em sua vida profissional. Há estudos que mostram que o propósito da empresa e do trabalho tem ganhado relevância e até ultrapassado a remuneração como motivador dos jovens ao escolherem um trabalho ou carreira. Nossos problemas coletivos – sejam eles sociais, éticos ou os limites naturais sistêmicos do nosso planeta – têm ganhado visibilidade crescente e passam a ser uma pauta cada vez mais relevante para as novas gerações. E, com razão, já que os limites dos modelos anteriores estão ficando cada vez mais evidentes.
AUPA Como você vê o setor de negócios de impacto social hoje?
ANDREAS UFER O setor de negócios de impacto social, que começou a tomar corpo no Brasil há pouco mais de 10 anos, passou por um processo de rápida expansão, aprendizado e diversificação. Hoje, está muito mais estruturado, robusto e com maior visibilidade – se comparado com alguns anos atrás. Há, atualmente, milhares de negócios de impacto e dezenas de fundos, aceleradoras e incubadoras trabalhando com foco neste tipo de organização. Também há diversas instituições de ensino superior que possuem professores e centros de estudo dedicados a temática, como é o caso da FEA/USP, FGV, ESPM, Insper, UFSC, entre outras. O grande desafio ainda é a expansão da quantidade de negócios consolidados do ponto de vista financeiro – em especial, que tenham porte para gerar impacto em uma escala mais ampla.