“A UFRJ fechará suas portas por incapacidade de pagamento de contas de segurança, limpeza, eletricidade e água. O governo optou pelos cortes e não pela preservação dessas instituições. (…) A universidade está sendo inviabilizada”. O trecho retirado de um artigo assinado pela reitoria da Universidade Federal do Rio de Janeiro ilustra a realidade alarmante de instituições federais de ensino superior de todo o país. A crise orçamentária enfrentada pela pesquisa e pelas universidades públicas brasileiras deve trazer impactos sem precedentes para a produção científica e o desenvolvimento tecnológico do país.
O alerta feito pela UFRJ foi publicado em março deste ano, quando o governo anunciou o bloqueio de cerca de 18% do orçamento anual aprovado para as universidades. Em outubro , outro baque: em projeto aprovado pelo Congresso, R$600 milhões do orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações serão transferidos para outros ministérios. O recurso seria destinado a iniciativas de pesquisa, como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), para pagamento de bolsas aos pesquisadores.
Cortando o bem pela raiz
As instituições afetadas pelos cortes orçamentários federais são as mesmas responsáveis por diversos avanços no combate à Covid-19 por todo o Brasil: na Universidade Federal do Rio de Janeiro, estudantes desenvolveram ventiladores pulmonares com preços competitivos para o mercado, essenciais para o combate à pandemia; na Universidade de Brasília (UnB), pesquisadores investigam medicamentos capazes de inibir a replicação do Sars-Cov-2; na Universidade Federal do Pará (UFPA), pesquisas multidisciplinares têm traçado um panorama dos impactos físicos e psicológicos da pandemia na população paraense. A Universidade Federal da Bahia (UFBA) declarou à reportagem da Aupa que, durante a pandemia, a criação de mais de 165 projetos de pesquisa e ações no tema mobilizaram docentes e pesquisadores na captação de recursos por meio de editais emergenciais estabelecidos por órgãos financiadores.
Ainda assim, graças às sucessivas reduções de orçamento, estima-se que a soma dos recursos orçamentários das três principais fontes de investimento em pesquisa científica no Brasil – Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e CNPq – estejam quase no mesmo nível do que era investido em 2005, segundo a Agência Senado. Somente entre 2015 e 2020 o orçamento foi reduzido em mais de R$8 bilhões.
“Atualmente, a soberania de uma nação depende sobretudo de conhecimento científico de ponta. Na medida em que permitimos que esse sistema, que está tão bem capacitado, comece a entrar em colapso, estamos comprometendo o nosso futuro, a nossa capacidade de autonomamente resolver desafios e criar soluções”, analisa Emmanuel Tourinho, reitor da UFPA. De acordo com relatório da UNESCO, o Brasil investe 1,3% do Produto Interno Bruto (PIB) em pesquisa, enquanto países como Coreia do Sul e Japão investem entre 3 e 4%. Em pesquisa conduzida pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), o orçamento brasileiro para estudos científicos relacionados à pandemia foi de US$ 0,1 bilhão, enquanto os Estados Unidos – responsável por diversos testes e investimentos em vacinas – totaliza US$6,1 bilhões investidos.
A decana de Pesquisa e Inovação da UnB, Maria Emília Walter, observa: “A formação acadêmica sólida de pessoas prepara o país tanto para um bom desempenho acadêmico como para a qualidade profissional no mercado ou no governo, o que geraria dividendos evidentes para o país”. Os descuidos com a capacitação dos profissionais do futuro são as primeiras linhas de uma história que não promete final feliz.
Os custos do conhecimento
Segundo estudo feito pela Clarivate Analytics a pedido da Capes, as universidades públicas respondem por mais de 95% da produção científica do país. Entre 2011 e 2016, foram mais de 250 mil artigos publicados, levando o Brasil para a 13ª posição no ranking da produção científica global entre mais de 190 países. Esse ritmo pode mudar: este ano, 30 das 69 instituições federais já declararam não possuir orçamento para se manter até dezembro. Mas as dificuldades vão além de garantir serviços e insumos básicos para o funcionamento das instituições. Atualmente, oferecer uma carreira científica promissora para novos ingressantes ficou praticamente impossível.
Para fazer iniciação científica na universidade, hoje, um estudante de Graduação recebe uma bolsa auxílio de R$400, valor que sequer cobre uma cesta básica em qualquer capital brasileira. Para aprofundar estudos em um curso de Mestrado, R$1.500 – pouco mais de um salário mínimo para quem já tem diploma e mais dois anos de pesquisa pela frente. Os que pleiteiam bolsas de Doutorado – entre quatro e cinco anos de intensa dedicação – recebem R$2.200. Atualmente, o CNPq estuda, finalmente, o primeiro reajuste das bolsas desde 2013 – isso se houver caixa. No caso da Capes, 60 mil bolsistas de formação docente já correm o risco de ficar sem receber o auxílio até o fim de 2021 por déficit no orçamento do órgão ligado ao Ministério da Educação.
Vale lembrar que o recurso também não contempla todo mundo: “Hoje temos uma defasagem de aproximadamente 25% na nossa demanda de bolsas. Isso faz com que muitos alunos que gostariam de continuar seus estudos na Unipampa não consigam isso”, comenta Fábio Gallas Leivas, pró-reitor de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação da Universidade Federal do Pampa, localizada no Rio Grande do Sul. “As bolsas ainda têm valores muito abaixo da média de salários do mercado para a maioria das profissões. A carreira de cientista simplesmente não é atraente no Brasil”, avalia.
Denise Freire, pró-reitora de Pós-Graduação e Pesquisa da UFRJ, conta que tem acompanhado um número de desistências sem precedentes nas turmas de pós-graduação. “Se não puder contar com o apoio familiar, o aluno no Rio de Janeiro, com a bolsa que ganha, passa por uma série de dificuldades. Precisa dividir o aluguel e, provavelmente, morará em áreas urbanas de risco. Quando pega ônibus, tem medo de ser assaltado. Chega no laboratório, o equipamento não funciona. Tudo conspira para que desistam. E os que permanecem têm apresentado sérios problemas de saúde mental. Estão adoecendo, porque não vêem perspectiva, não têm esperanças”, lamenta.
“A UFPA fez um enorme esforço ao longo dos últimos anos para construir um sistema de pós-graduação, que tem hoje 144 cursos de Mestrado e Doutorado. Estamos aptos a formar milhares de pesquisadores para o enfrentamento de grandes desafios da região amazônica. No entanto, tudo isso está comprometido por duas razões: primeiro, os pesquisadores não têm mais os recursos para conduzir todas as pesquisas que gostariam; segundo, porque muitos possíveis candidatos aos cursos de Mestrado e Doutorado deixam de vir, porque não têm como se manter”,
Emmanuel Tourinho, reitor da UFPA.
“As agências também têm mudado suas políticas, que vinham sendo construídas há 50 anos, com a participação intensa da comunidade científica. Esse diálogo foi suspenso, os fóruns de discussão foram interrompidos e vemos decisões tomadas por pessoas que não têm formação, conhecimento ou disposição de debater”,
Maria Emília Weiner, decana de Pesquisa e Inovação da UnB.
“Ao apagar as luzes e comprometer a ciência e nossas instituições de ensino e pesquisa, o governo parece pretender retirar a possibilidade de encontrarmos uma saída como uma nação intelectualmente independente e verdadeiramente democrática”,
Universidade Federal da Bahia, em nota.
Adeus, mestres e doutores
Uma certeza prevalece entre os reitores e pró-reitores das instituições federais: as sequelas do descaso com as universidades devem causar estrago ao longo das próximas décadas. “Vai custar muito caro para o país deixar de investir em ciência hoje. Quando voltarmos a alimentar esse sistema com recursos, nós não voltaremos automaticamente para o ponto onde estávamos. A ciência não é como uma obra de uma estrada, que você pode construir um pedaço, parar e recomeçar onde parou”, alerta o reitor Emmanuel.
Sem luz no fim do túnel, o jeito é ir para o aeroporto. A fuga de cérebros tomou conta das universidades, já que para muitos pesquisadores qualificados a saída do país virou a alternativa mais promissora. De acordo com Denise Freire, quem acessa intercâmbios e oportunidades de pesquisa no exterior descobre uma realidade com infraestrutura garantida, valorização do conhecimento e ofertas de emprego. “Temos perdido nossos melhores alunos. E o que me dói é saber que investimos na educação dessa pessoa e, quando fica pronta para devolver ao país o que ela adquiriu, atuando profissionalmente, ela vai embora e não quer voltar. Afinal, voltar para onde? Para quê?”, questiona.
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Lamentável, o que acontece em todos da setor da Educação. O nosso governo de desgoverno tem desmantelado todo o sistema Educacional ,principalmente na área de pesquisa e graduação. Os artigos só esclarecem o que lamentavelmente o que assistimos.