Maria da Conceição precisava de um empréstimo de 4 mil reais. Ela é dona da Parça Progresso, uma confecção de roupas no Capão Redondo que fornece para várias marcas locais. O objetivo do empréstimo era o de realizar uma reforma para ter mais espaço de trabalho. Quando 37 pessoas toparam cotizar o dinheiro, Maria fez a expansão de seu negócio e pagou o empréstimo com juros de 0,5% ao mês.
Isso aconteceu graças a uma plataforma de empréstimo coletivo para empreendedores em situação de vulnerabilidade, a Firgun. Este, aliás, é um dos 10 casos bem-sucedidos da fintech de P2P lending, que completa seu primeiro ano de operações, em setembro de 2018.
Em resumo, a plataforma permite que qualquer pessoa possa emprestar um “trocado” para ajudar negócios. Todos eles são indicados pelos parceiros que fazem capacitação empreendedora na quebrada, como A Banca, Empreende aí, Feira Preta e AfroBusiness.
“A gente quer que qualquer pessoa possa se tornar um investidor de negócios, gerando impacto na sociedade”, conta Lemuel Simis, um dos sócios da empresa. Essa visão nasce porque, segundo ele, o valor mínimo que alguém pode emprestar é de 25 reais.
Como se faz
Ao todo, já foram emprestados 80 mil reais de quase 150 investidores. O rendimento varia de acordo com o valor coletado. Se o empreendedor captar até 3 mil reais, não paga juros. Se captou entre 3 e 9 mil, paga 0,5% ao mês. Entre 9 e 15 mil reais, paga 1% ao mês. “Com a taxa Selic em 6.5%, paga-se, ainda, mais alguns títulos públicos”, relembra Lemuel.
No modelo de negócios da Firgun, a receita vem de uma taxa que incide sobre uma porcentagem do valor arrecadado, podendo chegar até 10%. “Se o empréstimo é de até mil reais não tem juros, nem taxa. Se o empreendedor capta mais do que 12 mil, a taxa é maior, é de 10% A gente quer inverter a lógica que existe hoje que é: de quem pode mais, paga menos”, diz Lemuel.
É neste modelo que os dois sócios da Firgun confiam para seduzir investidores. A metaé captar 200 mil de investimento (por 12% de equity, ou patrimônio líquido) e escalar a operação da empresa. Atesta a favor deles o fato de que até agora a taxa de inadimplência é zero. “É necessário um pouco mais de tempo para ter uma estatística mais robusta. Mas historicamente o microcrédito tem uma inadimplência baixa”, comenta Lemuel.
O caso da própria Maria da Conceição pode comprovar isso. Ela conseguiu quitar o empréstimo com três meses de antecedência e já fez outro financiamento de quase o dobro do valor do anterior. Além disso, ela se tornou também investidora da plataforma ao ajudar a cotizar os R$ 12 mil para Renato Gomes. Também empreendedor, ele precisava da quantia para a reforma de sua oficina de artesanato de móveis de materiais recicláveis, na Lapa, em São Paulo. Grana gerando grana.
O crédito, esse moderninho
O primeiro registro de uma operação de crédito foi há 6 mil anos, na cidade de Uruk, na Suméria. Ou seja, desde o início da civilização.
Mas o que leva alguém a emprestar dinheiro para outra pessoa? A resposta mais certa é: a confiança no futuro. Ambas as partes acreditam que os tempos que virão serão mais abundantes. Por isso, decidem fazer uma operação de crédito. A transação se baseia no otimismo de que um terá meios para quitação do crédito e o outro receberá o valor acrescido de juros.
A confiança gera crédito, crédito traz crescimento econômico real, o que fortalece a confiança e abre caminho para mais crédito. Um Ouroboros, a serpente que engole a própria cauda.
Pode parecer estranho pensar assim, mas o sistema de crédito como conhecemos é uma prática moderna. Mesmo o crediário existindo há muito tempo, somente há 500 anos que a humanidade começou a entender que era possível “construir o presente à custa do futuro”, As palavras são do historiador Yuval Noah Harari, no best seller Sapiens, sobre a trajetória da nossa espécie no planeta. Este mecanismo foi evoluindo tanto, que, hoje, existe mais crédito no mundo do que dinheiro de verdade.
Uma parte mais recente dessa evolução foi em 2005, quando surgiu a britânica Zopa. Ela foi a primeira empresa de peer-to-peer lending ou empréstimo coletivo. Sua função era, basicamente, articular o empréstimo entre pessoas não havendo a intermediação de instituições bancárias, com taxa de juros mais sedutora e mais rendimento.
Como em um crowdfunding, cada um oferece a quantia desejada e forma o valor do empréstimo solicitado. O modelo se popularizou com a crise econômica de 2008 e chegou ao Brasil anos depois como ótima alternativa aos juros altos. Com isso, a operação não fica refém do alto spread bancário brasileiro, oferecendo-se como alternativa mais barata.