[Queijo Canastra] Entenda a legislação que rege sua produção e porque isso é importante

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Para o pequeno produtor do queijo Canastra, a legislação pesa. “Há um pensamento disseminado no Brasil, vindo da cultura norte-americana, após a II Guerra Mundial, que prega que produzir queijo de leite cru é um risco para a saúde pública. É nada!”, afirma o presidente da APROCAN, João Carlos Leite.

Ele acredita que a criação de leis que marginalizam a produção artesanal garante o retorno apenas ao grande produtor, de escala industrial. “Essa cultura de marginalização perpetuou por quase 50 anos. Graças às ações coletivas enquanto Associação, estamos conseguindo mudar isso. É importante haver o queijo industrial e seus laticínios, assim como é importante o pequeno produtor”, observa Leite.

Além da popularização crescente do queijo Canastra, ele tem um nicho no mercado que atende, também, segundo o presidente da Associação, a “Um público mais elitizado e à alta gastronomia. É melhor ter o produto no Brasil do que importar. Veja que absurdo: era proibido fazer queijo de leite cru no Brasil, porém era liberado importar”, destaca.

O produtor de queijo Igor Silva, que também faz parte da APROCAN, comenta que os produtores associados se encontram em diversos estágios de legalização sanitária, sendo a maioria detentora do selo estadual. “Com a recém-aprovada legislação federal sobre o selo ARTE, em breve espera-se que seja possível comercializar o queijo Canastra em todo país com mais segurança”, pontua. Os pequenos produtores que estão em processo de regularização contam com assessoria prestada pela Associação.

O pequeno produtor encontra para se adequar à legislação e às exigências de órgãos sanitários. O engenheiro ambiental afirma que “Muitos [órgãos] entendem e contribuem em relação ao controle sanitário do rebanho e das boas práticas de ordenha, porém pouco conhecem da produção em si. Assim, tendem a exigir padrões industriais de leite pasteurizado na produção artesanal de leite cru, como a substituição de utensílios tradicionais de madeira por outros de plástico e aço inox”.

Ele ainda destaca a importância da pesquisa acerca do queijo artesanal de leite cru para o próprio entendimento e aplicação viável das leis. “Apesar dos avanços nas últimas décadas, há ainda uma lacuna de conhecimento na ciência em relação às complexas interações microbiológicas em condições topicais que fazem do queijo de leite cru um produto vivo e dinâmico. Precisamos de pesquisas que, de fato, mapeiem as interações microbiológicas com o ambiente da fazenda e da queijaria”, observa.

A APROCAN faz um trabalho de coleta de dados do queijo de leite cru, buscando informações em países como a França, por exemplo. “Com parceiros nacionais, buscamos viabilizar a construção de um centro de pesquisa na região da Serra da Canastra, para que os experimentos sejam realizados o mais próximos possível de onde o queijo é produzido e, portanto, consigam traduzir cientificamente o comportamento do queijo”, afirma Igor Silva, que também é pesquisador.

Caso Rock in Rio e debate público

Em setembro de 2017, na edição VII do Rock in Rio, um dos nomes que compunham o festival teve seus produtos confiscados pela Vigilância Sanitária da cidade do Rio de Janeiro. A chef Roberta Sudbrack** teve cerca de 160 quilos de linguiças e queijos artesanais, no prazo de validade, confiscados. O motivo: dentre os selos que os produtos apresentavam não constava um do Ministério da Agricultura, que permitiria o uso do alimento naquele estado.

O constrangimento burocrático fez com que a . A criação do selo ARTE é uma forma de desburocratizar as exigências legais e sanitárias – e o debate público em torno do episódio envolvendo Sudbrack colaborou para o processo.

Além de Sudbrack, outros chefs de renome também utilizam produtos artesanais de leite cru, como Alex Atala e André Mifano. “O episódio com a Roberta foi a gota d’água. Ela, com a visão de valorizar a gastronomia brasileira, utilizou linguiça e queijo com selo de sistema de inspeção municipal. Ao levar ao Rock in Rio, a Anvisa jogou fora alegando que os produtos contrariavam a lei e seriam risco de saúde pública. Mas fica o questionamento: se no município de origem, o queijo podia ser consumido, por que ele não poderia ser consumido no Rio de Janeiro, considerando que trata-se de uma questão sanitária?”, indaga Leite.

O debate público surgiu, pois, o caso teve grande repercussão midiática. Tal cenário reacendeu o debate também no legislativo, principalmente , que foi aprovada pelo Senado em junho e transformada em norma jurídica. “Hoje, nós podemos dizer que temos certidão de nascimento. Um avanço significativo para quem trabalhou mais de 50 anos na ilegalidade. É preciso, ainda, porém  regulamentar a lei”, observa o presidente da APROCAN.

O impacto deste debate é econômico. “Se temos o potencial de comercializar o queijo a cinco vezes mais do que o preço tradicional, isso pode promover uma região mais próspera e rica, com alto valor agregado”, observa Leite.

** A chef Roberta Sudbrack foi procurada por intermédio de sua assessoria, porém não houve respostas para as perguntas apresentadas até o fechamento deste texto.

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