Com sede em Nazaré Paulista (SP), o Instituto de Pesquisas Ecológicas, ou Instituto IPÊ, foi fundado em 1992 e é uma das primeiras e mais relevantes iniciativas ecológicas do Brasil.  Nascido, primeiramente, como um instituto voltado à pesquisa sobre a biodiversidade da Mata Atlântica, o IPÊ ampliou sua atuação ao longo dos anos. Para além da pesquisa – por si só de impacto relevante –, o instituto logo entendeu que era preciso promover ações educativas e fomentar políticas públicas voltadas ao meio ambiente. Em uma terceira fase, foi ainda além, entendendo que deveria fomentar negócios com princípios ambientais nas comunidades onde atua, além de trabalhar em parceria com grandes marcas para promover ações pela preservação da fauna e da flora.

Segundo Andrea Travassos, coordenadora da unidade de negócios sustentáveis do IPÊ, o instituto caracteriza-se por ser socioambiental. “Temos o compromisso de olhar também para as pessoas, ver os impactos na comunidade e no meio ambiente também, por intermédio de nossas pesquisas e ações”. Em entrevista à Aupa, a coordenadora conta detalhes desta trajetória, comenta sobre como se deu essa transição para também tratar de negócios e ensina o que o instituto aprendeu ao colocar em prática suas ações ao longo desses 26 anos.

O tempo foi passando e fomos percebendo que precisávamos de outras estratégias, ferramentas e abordagens para o nosso trabalho ficar mais amplo.

AUPA  Como é olhar estes quase 30 anos de trabalho? Como vocês veem os impactos do instituto IPÊ?

ANDREA TRAVASSOS  Temos um desafio enorme pela frente. Quando para a perda da biodiversidade noticiada nos telejornais diariamente, bem como as mudanças climáticas e os eventos extremos, temos essa noção de urgência. A gente precisa fazer algo e algo precisa ser feito para o planeta. Mas, ao mesmo tempo, somos sempre muito positivos. A nossa mensagem vai na direção de que, apesar de todos os desafios, algo ainda pode ser feito. Então, é lógico que, quando a gente nasceu, éramos uma organização muito pequena, com foco principal em pesquisa para conservação da biodiversidade. O tempo foi passando e fomos percebendo que precisávamos de outras estratégias, ferramentas e abordagens para o nosso trabalho ficar mais amplo. Então, ele evoluiu da pesquisa para espécie para também a restauração de habitats, educação ambiental, envolvimento com as comunidades, além de tentar influenciar políticas públicas.

AUPA Como vocês fazem, no geral, para mensurar o impacto das ações que vocês promovem? E como fazer o ecológico gerar renda hoje? Pois ele também é um negócio, é um mercado…

AT Temos dois tipos de negócios. Há as parcerias empresariais, principalmente com marketing relacionado à causa. Alguns exemplos são os cases do Danoninho e das Havaianas, onde você tem um percentual do produto que vai ser revertido para a causa. E há também os negócios com as comunidades.  Geralmente, quando há alta biodiversidade, existem também populações mais empobrecidas. Neste caso, é preciso olhar para a aptidão que as comunidades têm para produzir algo ou um serviço e para que isso tenha qualidade, consiga chegar ao mercado e possa gerar renda para que essa família continue nesse local, batalhando pela conservação.

AUPA E tem alguma concentração destes negócios com a comunidades que atuam, uma região específica?

AT Em todos os lugares onde o IPÊ atua estamos olhando para este potencial. Em Nazaré Paulista, a gente trabalha o bordado, com um grupo chamado Costurando o Futuro. As mulheres deste grupo produzem camisetas para crianças e adultos com imagens ou com desenhos que remetem à Mata Atlântica. No Pontal do Paranapanema, no extremo Oeste do estado de São Paulo, que é onde o IPÊ nasceu, há o Café com Floresta. Além disso, há também a Pura Bucha (buchas agroflorestais). Já no Norte, há o artesanato em madeira. Então, são várias iniciativas que você vai olhando para o potencial da comunidade e de que maneira ela pode ganhar dinheiro com aquilo.

é preciso olhar para a aptidão que as comunidades têm para produzir algo ou um serviço e para que isso tenha qualidade, consiga chegar ao mercado e possa gerar renda

AUPA O case das Havaianas é o mais global que vocês trabalharam. Você pode falar um pouquinho sobre ele e os números de impacto também?

AT [O case da] Havaianas surgiu da necessidade de a gente divulgar a rica biodiversidade brasileira e, neste caso, o produto em si já é um excelente produto de comunicação e divulgação. Você tem 200 milhões de pares que são vendidos no Brasil e no mundo. Havaianas está no pé do mais pobre até no do mais rico. A ideia era de que a sandália levasse a imagem e a informação acerca da biodiversidade brasileira para a população. E, à medida que o consumidor faz a opção por aquela coleção, 7% do lucro é revertido para o IPÊ. Hoje temos, mais ou menos, 14 milhões de pares vendidos nestes 14 anos de parceria entre a Havaianas e o IPÊ. Isso é, mais ou menos, um milhão de pares vendidos, anualmente. Teve ano que vendeu mais, teve ano que vendeu menos, mas os anos que venderam mais compensam os anos que venderam menos. Neste 14 milhões de pares, há 7,5 milhões de recursos revertidos para a causa. É bastante.

Queremos que, de alguma maneira, isso possa gerar frutos na sociedade, levar à reflexão, à mudança das práticas e a implementação de novas ideias, estratégias e ações.

AUPA Como é o caso da parceria com o Danoninho, por exemplo, em que a criança poderia ter sua floresta virtual e, depois, isso virava uma ação de reflorestamento.

AT Nós fomos procurados pela Danone, pois eles têm o Danoninho Ice (que é um produto sazonal, que pode ser encontrado no mercado durante o verão). Há também carro-chefe, que é o Danoninho em si (esse você vai encontrar na prateleira em qualquer época do ano). E a Danone precisava de um produto mais para o inverno, que fizesse essa contraposição com o Danoninho Ice. Eles estavam olhando um pouco para a essa necessidade de levar algum tipo de informação para as crianças. Porque, apesar de ser a mãe quem escolhe o produto para a criança, eles sabem que a criança tem uma certa influência nessa decisão. Uma consumidora, que hoje é uma médica, mandou uma foto pra Danone, mostrando que, quando era criança, ela fez aquele experimento de plantar a sementinha no potinho de Danoninho. A semente virou uma árvore, que hoje tem cinco vezes o tamanho da médica, segundo a foto. A partir daí, o marketing da Danone teve a ideia de reproduzir essa experiência em larga escala. Então, quando a pessoa comprasse a bandeja de Danoninho, ela também estaria levando junto um saquinho com sementes. O enfoque eram algumas espécies que conseguissem se manter produtivas, mesmo depois de ter passado pela câmara frigorifica. Mas a empresa achou que só poder fazer isso era pouco. Então, o plano foi se unir ao IPÊ e assim dar oferecer a possibilidade ao consumidor de plantar árvores virtuais na Floresta do Dino, o mascote da Danone. Na medida em que o consumidor plantava uma árvore virtual, a Danone se responsabilizava pelo plantio de um m² de Mata Atlântica. Foi uma experiência bem legal, a gente conseguiu plantar 42 hectares de floresta – que é o equivalente a 84 mil árvores, mais ou menos. É um número bastante significativo, mas vale lembrar que a gente precisa de muito mais.

AUPA E dentro das ações que já promovidas pelo IPÊ há alguma política pública que vocês já conseguiram emplacar?

AT  Há várias que a gente, na verdade, está ajudando para que aconteçam. Por exemplo, todos os anos de pesquisa do IPÊ no Pontal do Paranapanema, o projeto de restauração florestal com Movimento dos Sem-Terra ou mesmo com as espécies de lá, como é o caso do mico-leão preto. Todas essas informações facilitaram o processo de criação da ação ecológica mico-leão preto [o nome do projeto é Programa de Conservação do Mico Leão Preto, iniciado em 1984]. Hoje a gente está muito envolvido nessa questão também das antas do pantanal, porque a anta é um grande mamífero terrestre, enorme dispersor de sementes [por isso ela é considerada a jardineira da floresta]. Mas a anta é uma espécie que está sofrendo muito com atropelamento. Então, hoje a gente tem conversação com o Ministério Público sobre de que maneira a conseguimos evitar isso. Porque é preciso pensar num planejamento melhor para as estradas, em túneis de passagem. Ou seja, estamos o tempo todo tentando usar as informações, que a gente produz através de pesquisa, para de alguma maneira tentar mudar uma situação que não é ideal.

AUPA É correto, então, afirmar que o IPÊ também é um think tank, um centro de pesquisa totalmente voltado para essas questões da sociedade mesmo…?

AT Realmente, era o nosso sonho. O plano é usar as ideias daqui, que são de vanguarda, muitas vezes, porque é um centro de pesquisa em conservação da biodiversidade. Queremos que, de alguma maneira, isso possa gerar frutos na sociedade, levar à reflexão, à mudança das práticas e a implementação de novas ideias, estratégias e ações.

AUPA Vocês acabam se diferenciando, porque as pessoas têm muita distancia com relação à pesquisa.   E vocês fazem muita questão desse diálogo, de mostrar para as pessoas que a pesquisa também está no nosso dia a dia.

AT É porque não acreditamos em pesquisa que vai ficar na prateleira. O nosso lema também foi pesquisa-ação, então aqui a ideia não é produzir um estudo ou um levantamento que vai ser levado para um órgão para que outro faça a ação.  Você levou o diagnóstico e alguém vai fazer a sua ação. Não! Qual é a questão? Qual é o desafio e de que maneira eu posso atuar para inibir este desafio ou para vencer este desafio?

O nosso lema também foi pesquisa-ação, então aqui a ideia não é produzir um estudo ou um levantamento que vai ser levado para um órgão para que outro faça a ação.

AUPA Você bem lembrou a questão de Nazaré Paulista, que é uma cidade estratégica para o estado de São Paulo por conta do sistema Cantareira de represas. Há toda a questão da água e que é um problema para o estado nos últimos anos. Qual é o impacto que você consegue perceber do antes e do depois do IPÊ aí na região?

AT  A gente tem a escola e vários dos trabalhos de conclusão destes alunos tem a região como foco. Isso já é uma grande contribuição. Além disso, a gente a plantou na região do Cantareira 300 mil árvores, em parcerias com outras empresas e outras pessoas e organizações. A gente tem um programa amplo de educação ambiental, que atende todas as crianças da rede pública do município. A gente tem o Viver Escola, que produz cerca de 40 mil mudas por ano e este viveiro, além de produzir as espécies nativas, que são usadas na nossa restauração florestal, elas também servem como um espaço educativo para as crianças da escola pública. A gente tem essa interface e há também o acesso direto aos educadores, trabalhando muito com eles os conceitos e as melhores maneiras deles trabalharem estes conteúdos em sala de aula. E temos também projetos de geração de renda, como Costurando o Futuro. São inúmeras frentes que estão atuando aqui em Nazaré e região.

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