Desde março de 2020, incorporamos em nossa rotina medidas securitárias contra o Coronavírus, como higienização constante das mãos, uso de máscaras, distanciamentos e isolamento social (estes dois últimos, sobretudo, os que o trabalho permite). Mesmo assim, vivemos o agravamento da pandemia e seu estado mais crítico no Brasil até, onde temos mais de 400 mil vítimas letais, mesmo com recomendações de especialistas e órgãos de Saúde. E, neste contexto, estamos também imersos em outra crise latente, derivada dos impactos da pandemia na saúde mental.

Tais consequências parecem nos atingir como um efeito dominó: cada habitante do planeta sente essa crise de uma forma única, atravessados por recortes socioeconômicos. Vale dizer: embora existam as recomendações de instituições, como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e os diversos centros de pesquisa espalhados pelo globo, com trabalho voltado ao estudo e ao combate da Covid-19, os países têm autonomia sobre a condução da crise – considerando estruturas políticas, econômicas, culturais e de Saúde. E, nesta relação, a saúde mental não pode ser ignorada.

Para abordar este tema, a psicóloga Maria Fernanda Thomé compartilha sua experiência no atendimento de pacientes durante a pandemia e como, a partir de sua atuação, enxerga um potencial futuro.  

AUPA – Após um ano de isolamento social, quais são os impactos da pandemia na saúde mental?
Maria Fernanda Thomé – De forma geral, o aumento do número de pessoas com ansiedade foi o fator mais evidente. Pessoas que já sofriam com o transtorno, tiveram os sintomas agravados e outras desenvolveram durante esse período. A depressão também apareceu junto à impossibilidade de encontrar familiares e de se sentir seguro, ou seja, trouxe uma sensação de impotência em relação ao que se espera no presente e futuro. Individualmente, apareceram questões diversas, pois, os relacionamentos foram severamente afetados, pais e mães foram sobrecarregados para conciliar a rotina de trabalho, casa e filhos, por exemplo. Outros, que moram sozinhos sentiram falta do contato com outros familiares e amigos e também a preocupação com pais idosos. Isso reflete em forma de exaustão, insônia, fadiga, aumento do apetite ou a falta dele e maior tensão muscular. Ou seja, o famoso estresse, que já conhecemos no dia a dia.

AUPA – Quais são as principais questões que afetam a saúde mental? E quais são as dicas para o equilíbrio?
Maria Fernanda Thomé – O medo do futuro, o medo de contrair a doença e a preocupação com familiares são os principais pontos que afetam a população geralmente. A dica é cuidar do corpo e da mente. Do corpo, cabem exercícios físicos adaptados para a realidade de cada um, mas com constância. Para a mente, é importante escolher momentos para se informar e evitar ler conteúdos sensacionalistas. É preciso se informar, mas perceber que, antes de dormir, vale mais algo que relaxe e desconecte do resto do mundo, como filmes, séries, boas músicas e leituras leves. Entender as emoções e conversar com pessoas de sua confiança. Manter a rede social, mesmo que à distância. Dar boas risadas, sentir que há com quem contar. É importante buscar alternativas aos problemas que estão sendo enfrentados e flexibilizar, entender que é preciso trazer algumas soluções que atendam em curto prazo e que podem ser revistas de tempos em tempos.

AUPA – Como você vê os efeitos da pandemia aos que enfrentam situações como o desemprego e o luto, além de obstáculos na Saúde e na Educação?
Maria Fernanda Thomé – Costumo dizer que a pandemia é uma só, mas o sofrimento é individualizado. Cada família, cada casa e cada um está enfrentando de uma maneira. Para alguns, o desemprego bateu logo nos primeiros momentos, fruto do corte nas empresas. Buscar emprego requer estratégia, organização e acionar a rede de contatos. Em tempos de crise, é preciso se adaptar e rever qual será o caminho, por exemplo, alguns só precisam de uma nova oportunidade, enquanto outros devem melhorar sua qualificação e se atualizar. É preciso pensar caso a caso, se existe tempo, se o financeiro aguenta por um tempo, ou se o caminho é buscar algo temporário até encontrar a vaga dos sonhos novamente.

O luto pode afetar cada indivíduo de formas variadas. Afinal, qual era o meu vínculo com essa pessoa? O quanto estava preparada para essa despedida? Pude me despedir e me preparar? Sinto-me em paz com essa história ou deixamos muitas questões para serem resolvidas? Luto e culpa, juntos, são fatores nocivos e precisam de atenção e ajuda. A depender de quem partiu, é preciso readequar toda a estrutura de uma família, lidar com o vazio. O luto tem fases e precisa de tempo. É importante apoiar aqueles que precisam, seja com uma mensagem, um telefonema ou, até mesmo, cuidando de uma necessidade concreta que a pessoa esteja precisando.

Já na Educação, mesmo para quem está em casa com notebook, acesso à boa conexão de internet e com um dos responsáveis por perto, já há algumas perdas, como: diminuição de concentração, perda de conteúdo, competição das atividades de lazer com o que é obrigatório. Existe um lado positivo, que diz respeito a desenvolver autonomia, aprender a lidar com recursos tecnológicos e usar outras ferramentas. Podemos, assim, considerar um lado positivo para desenvolver crianças mais autônomas em relação à construção de seu conhecimento. Que seja curiosa, que faça pesquisas (por isso é preciso orientar, acompanhar e limitar o conteúdo a ser alcançado). Contudo, nas escolas públicas, a realidade é outra, na maior parte delas, e podemos esperar um aumento na evasão escolar, por exemplo.

AUPA – O que dizer para quem reluta em procurar ajuda profissional?
Maria Fernanda Thomé – O psicólogo é o profissional mais indicado para identificar de que forma tudo o que estamos vivendo está lhe afetando, particularmente. O processo funciona com sessões semanais, que agora estão acontecendo on-line em sua maioria. A dica mais importante: seja proativo. Não espere até os sintomas se intensificarem.

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