Com o início da era Joe Biden e Kamala Harris, as mudanças climáticas voltaram a ser foco na agenda de relações internas e externas dos Estados Unidos. Na lista de tarefas do primeiro dia de governo, o novo presidente estadunidense assinou ordem executiva para que o país voltasse ao Acordo de Paris, sinalizando o desejo de participar ativamente na implementação de políticas verdes e de mudar a perspectiva mundial em relação ao país norte-americano. Biden está correndo em busca do tempo perdido pelo ex-presidente Donald Trump, que nos quatro anos anteriores promoveu um período de retrocesso e negacionismo em relação às mudanças climáticas. Além da reaproximação diplomática que o Acordo de Paris confere, Biden baniu o oleoduto Keystone XL de levar o petróleo de exportação canadense aos portos americanos. 

À esquerda, o Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden; à direita, a Vice-Presidente Kamala Harris. Crédito: Twitter
O ODS 13 trata da ação climática. Este é um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, da Organização das Nações Unidas. Crédito: ODS.

Tais medidas têm sido vistas como positivas por especialistas e pela comunidade internacional, embora haja certa cautela. A percepção é de que a necessidade de um protagonismo por parte dos Estados Unidos em desacelerar o aquecimento do planeta não deva apenas ser relacionado à abertura do caminho para a implementação de políticas ambientais, mas também a provocar avanços comportamentais reduzindo a carbono-dependência de sua população em caráter de urgência. 

Os Estados Unidos são o segundo maior emissor do mundo de um dos principais causadores do efeito estufa, o gás carbônico; atrás apenas da China, de acordo com o mais recente ranking, correspondente ao ano de 2019, do Global Carbon Atlas. Em campanha, para implementar seu Plano de Mudanças Climáticas e Justiça Ambiental, a chapa Biden-Harris prometeu dedicar U$1,7 trilhões na próxima década. O plano prevê que o dinheiro saia das pastas de clima, transporte e energia, principalmente. Esse movimento gera boa perspectivas para o fortalecimento do mercado de carbono e para o aumento do uso de energias e combustíveis mais limpos, como o etanol, por exemplo.

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COP26 e um novo mercado de carbono
Entre 1° e 12 de novembro de 2021 está prevista a Conferência Climática da ONU (COP26) em Glasgow, na Escócia – salvo alterações de agenda que a pandemia de Covid-19 pode provocar. Após o primeiro período de cinco anos da assinatura do Acordo de Paris, a grande expectativa para a COP26 diz respeito a como implementar as medidas previstas pelo documento à vida prática. O Artigo 6 do tratado, que prevê que países desenvolvidos e em desenvolvimento cooperem para a mitigação de emissão de gases de efeito estufa com a criação de mecanismos de precificação de carbono, será o foco principal.

Clique na imagem para ampliá-la. Crédito: Equipe de Arte Aupa

Dentro das propostas previstas pelo artigo, os países participantes poderiam usar de uma diplomacia climática para equalizar a conta das emissões dos gases do efeito estufa. “Esses instrumentos vão apoiar as nações a complementarem as fontes de financiamento para atingir e superar suas NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas) e permitir ao mercado alocar de maneira custo-eficiente as medidas para a redução das emissões”, reflete Rebeca Lima, gerente sênior do Carbon Disclosure Project (CDP) Latin America, organização internacional sem fins lucrativos que mensura o impacto ambiental de empresas e cidades. Ou seja, uma nação que ultrapassou a emissão do dióxido de carbono, por exemplo, poderia comprar créditos de países que não ultrapassaram o teto estabelecido para sua nação, criando um novo mercado de compra e venda de créditos de carbono, que, teoricamente, poderia ser regulado pelas Nações Unidas.

Alguns países da América Latina, como Argentina e Colômbia, já possuem modelos de sistemas de precificação de carbono, por regulação de mercado ou taxação. O Brasil também vem avançando nessa rota por meio, principalmente, do modelo de mercado de carbono proposto pelo PMR Brasil (Partnership for Market Readiness), uma parceria entre o Ministério da Fazenda e o Banco Mundial, que objetiva discutir a conveniência e a oportunidade da inclusão da precificação de emissões.

Rebeca Lima, gerente sênior do Carbon Disclosure Project (CDP) Latin America. Crédito: LinkedIn

O Brasil possui grandes chances de se beneficiar com a regulamentação do Artigo 6 do Acordo de Paris, caso “Sejam adotadas políticas climáticas efetivas e robustas com esse intuito”, sugere a especialista do CDP Latin America, comentando que a COP26 poderá impulsionar o Brasil a efetivamente implementar um sistema regulado de precificação do carbono.

Mas será que estamos lá?
Com a chegada de um novo presidente à Casa Branca, preocupado em promover políticas ambientais, o cenário verde e amarelo se mostra desafiador, embora positivo. Em 2020, o Brasil deu passos para trás ampliando em três vezes a taxa de desmatamento proposta pelo país à Conferência do Clima de 2009 (COP15), em Copenhague, na Dinamarca. O dado foi divulgado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). A Presidência da República, nos últimos dois anos, vem seguindo o modelo de Trump, no que tange ao negacionismo em relação às mudanças do clima, abalando o status de pária internacional em ações favoráveis à redução dos GEE que o Brasil havia alcançado.

Luiz Marques, sociólogo e professor do Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Crédito: Arquivo Pessoal

“A tendência é que o Brasil promova mudanças por pressão internacional em vez de articular movimentos políticos internos”, reflete Luiz Marques, sociólogo e professor do Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Com a saída de Trump, há chances que o negacionismo perca força. Durante sua candidatura à Presidência dos Estados Unidos, Biden mencionou a situação da Amazônia Legal Brasileira, propondo uma organização de caráter mundial para mobilizar U$20 bilhões para o “Brasil não queimar mais a Amazônia”, ameaçando consequências econômicas importantes.

À esquerda, o então Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e à direita, o Vice-Presidente, Mike Pence, em evento em Washington D.C.. Crédito: History in HD.

O desmatamento da Amazônia é comumente relacionado à plantação de soja e ao cultivo de gado para exportação.

O que aconteceu em janeiro com a França, que ameaçou não comprar mais soja do Brasil pela commodity estar relacionada diretamente ao desmatamento da Amazônia, pode se transformar em uma tendência que outros países da União Europeia e, agora, os Estados Unidos poderão seguir, usando argumentos semelhantes para retaliar produtos brasileiros associados ao aquecimento global direta e indiretamente”, problematiza André Felipe Simões, doutor em Planejamento Ambiental e Energético e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo – EACH/USP. 

André Felipe Simões, doutor em Planejamento Ambiental e Energético e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo - EACH/USP. Crédito: Arquivo Pessoal

O impacto para o Brasil seria significativo uma vez que o país lidera o ranking de exportação de soja e carne, segundo dados da Embrapa e do IBGE. Os setor de produção de etanol que seria beneficiado.

Mudanças políticas, sim. E mudanças comportamentais, em primeiro lugar

John Kerry Enviado Presidencial Especial para o Clima dos Estados Unidos. Crédito: Twitter

Uma crítica ao Acordo de Paris é a falta de capacidade de promover as mudanças necessárias para reverter o aquecimento global em tempo. Quem endossa essa visão é John Kerry, enviado presidencial especial para o clima, nomeado por Biden. Kerry, que em dezembro de 2019 lançou uma coalizão chamada World War Zero para promover a meta de reduzir a zero a emissão de gases do efeito estufa com campanhas voltadas às massas. Kerry afirmou à CNN que as medidas do acordo são “inadequadas” para reduzir a temperatura da Terra. 

“Transições políticas baseadas em mercado são consideradas lentas. Há grupos que ainda querem valorizar seus ativos, taxas de lucro, sua posição consolidada no sistema”,

comenta Luiz Marques, sociólogo e docente da Unicamp.

Portanto, embora positivo, o Acordo de Paris tem caráter simbólico. “Nos Estados Unidos, por exemplo, há uma dependência do habitante em relação a gasolina, diesel e energia produzida por termelétricas a carvão mineral. A produção de energia demanda muito dinheiro. Os projetos deste setor já estão contratados pelos próximos anos. A verdadeira necessidade é de enfrentar uma mudança comportamental para promover a redução na geração dos gases efeito estufa”, alerta o cientista da USP. Sociedade civil e indústria devem seguir as metas estabelecidas pelo Acordo de Paris e ir além.

“Valorizar Direitos Humanos significa enfrentar mudança climática, justiça indígena, ambiental e climática”, 

afirma André Felipe Simões, doutor em Planejamento Ambiental e Energético e professor da Universidade de São Paulo.

1 comentário

  1. A diminuição das emissoes de GEE está condicionada a mudanças de toda a sociedade, incluindo justiça social para os menos favorecidos. Não dá para diminuir a emissão líquida se o peso cai, mais uma vez, sobre os mais pobres. A justiça social é condição sine qua non para a justiça ambiental.

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