Nos anos 1990, notou-se que a complexidade (lente para olhar o mundo) já circulava há algumas décadas, mas começou a entrar no campo organizacional a partir de perspectivas e termos como “pensamento sistêmico”.  No fim do século XX, vimos a eclosão de diferentes conteúdos e ferramentas voltadas a facilitar avanços no campo organizacional tradicional e de impacto, sensíveis a uma perspectiva sistêmica e complexa. 

O campo da avaliação de impacto vivia desafios em razão, entre outros fatores, da superficialidade sob a qual eram pensados e planejados alguns projetos ou programas, muitas vezes com frágeis relações causais entre contexto, intenções, ações deliberadas e efeitos desejados. Em 1995, Carol Weiss propôs a Teoria de Mudança (TdM) como uma alternativa para que profissionais do campo avançassem no modo como estudavam, avaliavam e comunicavam suas iniciativas socioambientais.

O tempo passou e, em 2012, Isabel Vogel, a partir de uma ampla revisão sobre compreensões e usos de TdMs, marcou um entendimento que considero central: a Teoria de Mudança pode ter várias formas e caminhos enquanto método e produto que é e, por isso, é vista menos como uma ferramenta e mais como uma abordagem, um modo de pensar, entender e organizar a narrativa de impacto de uma iniciativa (que Vogel nomeia como Theory of Change Thinking).

A abordagem da Teoria de Mudança se popularizou nestes últimos nove anos (da revisão de Vogel até hoje), mantendo centralmente a perspectiva inaugural que chamo aqui de descritiva. 

Esta perspectiva é marcada pela forte valorização e descrição da lógica de impacto da iniciativa (que encadeia elementos como estratégias, públicos, realizações, resultados e impactos) em si, orientando processos que, embora olhem para contexto, questões externas e até outros aspectos internos, não consideram a integralidade desta iniciativa e/ou do sistema complexo onde ela se insere.

Nos últimos anos, também começamos a compreender na prática (a contragosto ou a custos de uma pandemia!) que as instabilidades inevitáveis em contextos complexos e seus desafios precisam de soluções complexas, mais conscientes dos elementos, inter-relações e forças que caracterizam sistemas sociais e culturais como as iniciativas de impacto, além de seus territórios, públicos e alianças. É daí que surge uma segunda perspectiva para as TdMs, que valoriza a complexidade da iniciativa e também do (eco) sistema, gerando novas maneiras de se construir as narrativas de impacto – principalmente, buscando integrá-las a outros componentes, modelos e subsistemas. Chamo esta segunda perspectiva de integrativa.

Compreendo que a abordagem das TdMs demanda, sim, movimentos e aberturas para ser assim caracterizada. E apoiado em referenciais teóricos, reflexões e práticas, listo aqui nove chamados que podem nos guiar rumo às construções integrativas:

1) Criar visões compartilhadas, que mostrem onde o sonho (visão de impacto/mudança) de nossa iniciativa (ou do/a cliente) encontra o sonho da iniciativa do vizinho ou da vizinha de território (comunidade, cidade ou nação).

2) Eleger atividades de alta alavancagem, que consigam atingir e destravar pontos críticos que sustentam ou fortalecem problemas e dores socioambientais, evitando investir em pontos de inércia e sem potencial/energia para a transformação.

3) Estimular o engajamento inclusivo, para garantir que diferentes grupos e, principalmente, os mais impactados por desafios e problemas que buscamos enfrentar com nossas iniciativas, sejam incluídos. Ou seja, operar o princípio do “nada sobre nós sem nós”.

4) Facilitar aprendizagens estratégicas e coletivas, pautando decisões que fortaleçam a iniciativa ou a coalizão e suas chances de transformação positiva do mundo.

5) Fortalecer núcleos de gestão e sua capacidade para acolher, proteger e estimular diferentes parceiros/as da iniciativa, sustentando a gestão colaborativa.

6) Conectar nossas TdMs com equidade social e a regeneração ecológica, compreendendo que ambas são indissociáveis e urgentes.

7) Conectar diferentes dimensões organizacionais, de modo a facilitar análises mais complexas e decisões mais assertivas, que favoreçam a jornada rumo ao propósito evolutivo (o qual Frederic Laloux já fez referência) e que envolvam transição e amadurecimento de visão e modelos mentais, bem como de práticas, como planejamento, controle e gestão, marketing, entre outras.

8) Honrar e conectar diferentes vozes e poderes na organização, buscando favorecer trocas (de ideias e de histórias) que nem sempre circulam, articular pessoas ao processo e à visão de mudança que a teoria desenha.

9) Fortalecer a confiança e a coragem individual, para o fazer colaborativo e disruptivo. E, para isso, o convite é para cuidar de processos e jornadas de construção de TdMs, que também permitam destravar (ou descongelar, como diz Otto Scharmer no texto “Turning toward our blind spot:
seeing the shadow as a source for transformation“, de 2020
) a mente, o coração e a vontade de cada envolvido(a) no trabalho.

Um último chamado
A abordagem da TdM tem contribuído para mobilizar pessoas, grupos e organizações a criarem visões de impacto e pode avançar ainda mais, conectando e ajudando a conectar. Para isso, precisamos acessar e assumir uma perspectiva mais integrativa, inspirada por chamados, como os apresentados acima; que estão longe de serem regras ou contornos estanques, definitivos ou limitantes. A ideia é nutrir um debate já em curso e, quem sabe, apoiar mais pessoas, grupos ou organizações a criarem futuros promissores – para todos e todas nós e nosso planeta!

Este artigo é uma reflexão de Antonio Ribeiro.

Antonio Ribeiro é sócio-consultor da Move Social, facilitando processos de impacto de diferentes naturezas. É mestre em Psicologia Social, músico quando possível, pai da Cora e um multi-inconformado.

Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião de Aupa.

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