Uma dificuldade de quem monta um negócio para combater a corrupção ou incentivar a participação política é convencer o governo a se tornar seu cliente. Ou seja, girar a complexa engrenagem do dinheiro a favor da inovação na política. Ou, talvez, o tempo mostre que não e as soluções disruptivas dentro da política se confirmem como uma tendência global e incontornável. É a segunda teoria que move milhares de pessoas em função de um objetivo: aprofundar a democracia de forma criativa.

“Tradicionalmente, inovação política não dá dinheiro e não tem dinheiro”, analisa Beatriz Pedreira, uma das fundadoras do Instituto Update, referência quando o assunto é disrupção política na América Latina. “Primeiro, porque esse tipo de pauta de inovação política desafia muito o capital. O que dá dinheiro e quem consegue captar recurso é quem já é do status quo. E quem trabalha com dinheiro grande dentro da política, geralmente, não está neste paradigma de inovação”, completa Beatriz.

Em um mapeamento inédito em 20 países da América Latina, foram pesquisadas 637 iniciativas relacionadas aos temas de participação cidadã, governo 2.0, transparência e cultura política. Mais recentemente, em agosto de 2018, outro mapa foi lançado, desta vez apresentando 100 iniciativas de inovação política nas periferias de 5 regiões metropolitanas do país: Belo Horizonte, Brasília, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo.

Em ambas as pesquisas há órgãos do governo, ONGs, organizações acadêmicas, grupos informais, partidos, organismos multilaterais, mas pouquíssimos negócios — aqueles que pressupõem o lucro, além do impacto social positivo.

Say you want a revolution. We better get on right away

Um destes casos raros é o Colab.re, uma startup que funciona no melhor esquema Power to the People. Um site e um app que se usam da participação popular para incentivar a tomada de decisões do governo em solução de demandas e zeladoria urbana.

Imagina poder avisar a prefeitura pelo celular sobre problemas, como focos de mosquitos, calçadas irregulares e buracos na via? É exatamente isso que o Colab.re faz. A plataforma possibilita que mais de 80 tipos de problemas possam ser notificados e chegar em um painel para os agentes públicos, que ficam mais capazes de priorizar as reivindicações e mobilizar equipes para solucionar os casos.

A solução tem 160 mil usuários ativos espalhados pelo país e tem 10 prefeituras ativas. São elas Aracaju (SE), Maceió (AL), Porto Alegre (RS), Recife (PE), Teresina (PI), Campinas (SP), Mesquita (RJ), Niterói (RJ), Pelotas (RS) e Santo André (SP).

A meta da empresa é terminar o ano de 2022 com mais de mil prefeituras e com 1 milhão de usuários. Os contratos variam de R$ 3 mil a R$ 40 mil por mês, dependendo do tamanho da cidade e das tecnologias escolhidas. Mas tudo isso começou lá atrás, em 2014, quando Curitiba tornou-se o primeiro governo municipal a usar oficialmente o Colab.re. Na época, a ferramenta foi disponibilizada gratuitamente para prefeituras.

A plataforma também possibilita que os governos façam consultas com a população, medida que foi utilizada em Pelotas. Na cidade gaúcha, a prefeitura usou para que os cidadãos pudessem escolher entre duas possibilidades técnicas para mudar uma das principais avenidas da cidade. Mais de 4 mil pessoas participaram da tomada de decisão.

Hoje, 88% de todas as demandas que chegam via Colab.re são resolvidas. Um número gigantesco perto dos 6% resolvidos das demandas que chegam via telefone, e-mail ou balcão.

A prefeitura de Santos (SP) também utilizou o modelo, em 2016, para que a população decidisse o destino de uma verba de R$ 10 milhões. Os cidadãos escolheram entre 250 projetos, estabelecidos em todas as regiões da cidade, para receber a quantia. A votação alcançou mais de 10 mil votos, 32 vezes mais que o modelo tradicional.

Criado em 2013, com apenas dois anos de vida, o projeto foi escolhido pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento como a Inovação Tecnológica de Maior Impacto de 2015, prêmio que disputavam outras 200 startups de 19 países. Isso o colocou na rota de grandes investidores, como o bilionário Pierre Omidyar – nada mais nada menos do que o fundador do eBay e da Omidyar Network, fundo que já destinou 515 milhões de dólares para negócios de impacto. Resultado: em 2017, o Colab.re recebeu 4 milhões de reais em investimento em conjunto com a MDIF (Media Development Investment Fund).

Inovação política por meio da tecnologia.
Crédito da ilustração: Fernanda Sanovicz.

Prazer, Liane

Mesmo organizações não governamentais têm tentado encontrar soluções lucrativas para garantir sua saúde financeira. É o caso do próprio Instituto Update, que está testando um protótipo de toolkit eleitoral em 15 campanhas políticas de partidos variados nestas eleições de 2018.

Batizado de Liane, a ferramenta é um software livre que, de acordo com seu desenvolvedor Miguel Peixe está na fase do “protótipo do protótipo do piloto”. Mas sua missão é clara. “O esforço da ferramenta é quebrar a perspectiva de hoje, na qual dinheiro é igual a voto. Ou seja, na entrada da democracia, que é o voto, a gente já tem a primeira grande barreira que impede qualquer tipo de inovação”, comenta Miguel.

Hoje, a ferramenta conta com três módulos. Um que ajuda a campanha a estruturar-se, um para mapear o público e o voluntariado e um terceiro que explora as ferramentas de marketing do Facebook para entender públicos e territórios. “A gente brinca que o Liane é um Cambrigde Analytica do bem. Com ela, apoiamos as candidaturas que têm vieses progressistas e não possuem recurso para acessar uma ferramenta digital que alcance o público que buscam”, conta Beatriz, do Instituto Update.

A ferramenta, como está em fase de teste, foi oferecida, gratuitamente, aos candidatos, mas a ideia é coletar o feedback para entender se há a possibilidade de monetização. “Organizações como a nossa dependem muito de grana externa e, isso, é muito complicado, porque se de repente muda a agenda de investimento, perdemos todo o trabalho. Então, precisamos que uma parte da organização consiga se sustentar. Temos a seguinte intenção:  que os partidos vejam nesta iniciativa valor, ou seja, uma ferramenta que possa gerar retorno”, afirma Beatriz.

Hackeando a política por dentro

Um laboratório hacker que estimula o desenvolvimento de ações e ferramentas para melhorar o controle social, a transparência e a fiscalização da atuação legislativa dentro da própria Câmara dos Deputados. Parece demais? Pois, esta é a definição Lab Hacker, que existe desde 2013, em Brasília.

O Lab, como é conhecido entre os íntimos, desenvolve tecnologias para aumentar a interação entre os deputados e a interação do cidadão com os deputados, entre eles o portal E-Democracia, que oferece informações transparentes sobre a atividade parlamentar e permite que qualquer pessoa possa, por exemplo, participar de uma audiência pública sem sair do sofá.

A principal saída para fortalecer o ecossistema de empreendedores de impacto na política, até então, eram os Hackatons, que aconteciam dentro da Câmara dos Deputados. Mas essa estratégia, certamente, mudará.

“Os hackatons tem sido uma fábrica de frustrações. De lá saem projetos lindos, mas que depois de seis meses, um ano, acabam abandonados, porque o autor  se envolve com outros projetos. Então, a ideia, neste momento, é tentar fazer com que estes projetos consigam ter uma roupagem de negócio, para que se consiga viver disso”, revela Paulo Henrique Araujo, diretor do Laboratório Hacker.

A saída vista por Araújo pretende ser em parceria com o programa InovAtiva, do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC). Em colaboração com o SEBRAE e com outros mentores voluntários, o programa oferece capacitação aos empreendedores, sendo, assim, possível criar um negócio saudável. Num segundo momento, também conecta as melhores empresas a fundos de investimento com interesse no tema. Esta parceria com o Lab ganhou o nome de InovAtiva Cívico, que seleciona startups para acelerar e fazer seu pitch para investidores.

“No primeiro momento, queremos fomentar negócios e iniciativas, para que as pessoas consigam viver disso. Futuramente, esses negócios poderão ser fornecedores da Câmara? Sim, mas este não é o objetivo. O objetivo é gerar um ecossistema de empreendedorismo que ajude no controle social, que, de alguma forma, contribua para que tenhamos mais clareza de como funciona o poder público e que haja mais canais de interferência nas principais decisões do país”, conta Paulo Henrique.

As inscrições para fazer parte do Programa de Parceria com o Lab estiveram abertas entre 31 de agosto e 10 de setembro. No dia 12 de setembro, as iniciativas selecionadas foram divulgadas. Das 18 inscritas, seis seguirão em frente: e-Ranking Cidadão, Legisla Brasil, Mobis, Monitora, Brasil!, UnB Sense e Vade Mecum Cidadão.

Os empreendedores selecionados passarão agora por um processo de capacitação on-line e mentoria para qualificarem suas iniciativas. O processo se findará em 10 de dezembro, no Demoday da InovAtiva, no qual as iniciativas serão apresentadas para investidores e para o público.

O tempo é agora

Apesar de ainda tímido, o cenário de negócios de inovação política tem sido a maneira que algumas pessoas encontraram para trazer frescor para um ambiente historicamente empoeirado. “Dizem que uma constituição leva 50 anos para amadurecer, não é? E o timing da política é o timing humano, da tomada de consciência”, filosofa José Mario Brasiliense Carneiro, fundador do Oficina Municipal Escola de Cidadania e Política.

Pode-se dizer que é em um cenário tão turbulento como o atual, que tentam prosperar iniciativas que expandem os limites da interação entre sociedade civil e o governo. E tem um pessoal fazendo de tudo para que o 50º aniversário da nossa constituição que acontecerá em 2038, seja mais animado do que sua recente festa de 30 anos.

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