Os negócios de impacto vêm ganhando visibilidade e contribuindo para repensar uma nova forma de fazer negócios. Em 2017, o setor captou cerca de US$114 bilhões no mundo todo, conforme apontou o Instituto de Cidadania Empresarial (ICE). Há muitos empreendedores sociais surgindo em todos os pontos do país, porém, em meio a esse crescimento, nem todos se reconhecem como negócios de impacto. 

Surgem, assim, algumas perguntas. De que maneira é possível propor uma discussão acerca do ecossistema, repensando os termos e ações? E como não confundir com negócio social? Aliás, como mensurar importância de ter um olhar crítico sobre o impacto causado?

Não se trata de definir os negócios de impacto, muito menos afirmás-lo como uma grande tendência do futuro, mesmo que seja evidente o aumento da busca por empresas e negócios que se preocuparem com os seus impactos. Esse tipo de negócio tem a sua relevância em um contexto mais amplo e que está servindo de protagonismo de transformação social de muitos negócios, sejam eles locais ou não.

Definições dos termos. Crédito: Equipe de Arte Aupa

Enxergando os negócios de impacto
Os negócios de impacto podem atender diversas áreas, como a agricultura. Um exemplo é a Muda Meu Mundo, plataforma que desenvolve um trabalho de agroecologia com mais de 50 famílias de agricultores do Ceará. A plataforma surgiu em 2017 e, em 2019, mudou estratégias de planejamento, com previsão para expansão em 2021 para São Paulo. 

Priscila Veras, CEO da Muda Meu Mundo. Crédito: LinkedIn
Priscila Veras, CEO da Muda Meu Mundo. Crédito: LinkedIn

E essa busca por negócios de impacto pode estar relacionada com questões que o mundo vive, explica Priscila Veras, CEO da Muda Meu Mundo. “Eu entendo que estamos tendo, sim, um crescimento de negócio de impacto no Brasil, e isso se deve desde questões delicadas a uma inquietação dessa geração”, destaca.
Um dos nichos que vem ganhando destaque e crescendo são os negócios periféricos, segundo o 2º Mapa de Negócios de Impacto

De acordo com o estudo, é possível notar um fortalecimento dos negócios de impacto na periferia, sendo uma tendência para os próximos anos.

João Souza, diretor-fundador e head de Futuros Inclusivos do Fa.vela, uma aceleradora de negócios de base favelada no Brasil, que tem o objetivo de garantir a acessibilidade à inovação para os moradores locais, endossa o fortalecimento dos negócios periféricos. “Acreditamos que o futuro e a revolução do aprender e do ensinar está nas favelas, nas periferias e nas quebradas. Um celeiro de inovação social, impacto positivo e também um riquíssimo ecossistema de economia criativa”, ressalta.

João Souza, diretor-fundador e head de Futuros Inclusivos do Fa.vela. Crédito: Fa.vela
João Souza, diretor-fundador e head de Futuros Inclusivos do Fa.vela. Crédito: Fa.vela

Nesse contexto, os negócios de impacto periférico são capazes de reduzir desigualdades sociais e transformar realidades. Mas, mesmo diante de um exponencial crescimento, ainda não há reconhecimento por parte de quem empreende, segundo Ednusa Ribeiro, uma das fundadoras do Coletivo Meninas Mahin. Com a atuação a partir da periferia de São Paulo, mais precisamente a Zona Leste, o coletivo tem espaço de vendas e uma plataforma que estimula e possibilita o desenvolvimento de mulheres deste território como gestoras de negócio.

A empreendedora ainda aponta a dificuldade de muitos indivíduos não saberem o que são os negócios de impacto. “Não se trata apenas de fazer as pessoas entenderem que somos um negócio e que precisamos gerar renda.  Nós geramos um impacto muito grande  nas periferias paulistanas onde atuamos”, enfatiza. 

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Além da sociedade entender esse termo, Mariana Fonseca, cofundadora da Pipe.Social, também salienta a importância de ensinar mais sobre o tema e até mesmo sobre empreender. “É preciso ensinar mais, falar e entender as estratégias. Empreender no Brasil não é fácil. Não temos uma cultura empreendedora, não há formação e conhecimento sobre finanças”, comenta ela. “É necessário gastar um tempo apoiando esses empreendedores, para que eles tenham mais chance de desenvolver um negócio e encontrar a sustentabilidade financeira – e, assim, gerar impacto”, pontua Fonseca.

Mariana Fonseca, cofundadora da Pipe.Social. Crédito: Pipe.Social
Mariana Fonseca, cofundadora da Pipe.Social. Crédito: Pipe.Social

E como enxergar o campo de negócios de impacto como parte da sociedade civil? E mais: quando o emprego começa a gerar impacto? Ednusa Ribeiro destaca a importância da ação coletiva para responder tais questões: “O emprego começa a gerar impacto quando o ganho não é só individual ou apenas centrado na empresa. O impacto vem quando todos ganham”. A fundadora do Meninas Mahin considera ainda que a população, no geral, não está acostumada com a cultura empreendedora.  

“A população está acostumada a ser só empregada. Vou trabalhar, ganho meu dinheiro e vou embora”, exemplifica. Para João Souza, é visível esse retorno dentro da própria comunidade. “O emprego começa a gerar impacto quando quem está trabalhando, empreendendo e comprando faz a grana girar dentro do seu próprio território”, explica.

Encontrar investidores nos negócios de impacto: um desafio
Para todo negócio, um investidor é sempre bem-vindo. É ele quem pode ajudar o empreendimento a sair do papel. Mas como encontrá-lo? O que os investidores de impacto buscam no momento de investir em um negócio? Infelizmente, a falta de capital para escalar a empresa ainda é uma dificuldade enfrentada nesse segmento. 

Começar um negócio de impacto socioambiental não é tarefa fácil. Há ainda muitos questionamentos sobre os motivos dos investidores não estarem se aproximando do setor de impacto. Mas será que isso tem a ver com os termos? E por que muitos empreendedores não se reconhecem fazendo negócios de impacto?

Nesse sentido, Ruth Melo, professora do Departamento de Administração e Gestão da PUC-Rio e docente do o curso  Negócios de Impacto Socioambiental (NIS), enfatiza sobre a potência de transformação social desses negócios. “Independentemente do termo que acolhamos, temos que publicizar as práticas auspiciosas de empreendedores sociais, mostrando sua potência de transformação socioambiental e de mexer com corações e mentes para nosso campo”, afirma.

Ruth Melo, professora do Departamento de Administração e Gestão da PUC-Rio e docente do o curso  Negócios de Impacto Socioambiental (NIS). Crédito: Divulgação
Ruth Melo, professora do Departamento de Administração e Gestão da PUC-Rio e docente do o curso Negócios de Impacto Socioambiental (NIS). Crédito: Divulgação

Há ainda a importância de desmistificar tanto o campo das ideias, quanto o campo da linguagem. “É preciso trazer à tona uma linguagem inclusiva, que delimite e diferencie os termos atualmente usados quando o assunto são os negócios de impacto”, explana João Souza.

Crédito: Equipe de Arte Aupa
Vilma Rodrigues (à esquerda, in memoriam) e Ednusa Ribeiro, do Coletivo Meninas Mahin. Créditos: Divulgação.

Ainda sobre os investidores, Ednusa Ribeiro critica que muitos deles estão voltados para o mesmo público. São sempre as mesmas pessoas que recebem o investimento. Eu não estou vendo grandes aportes nos extremos. São sempre as mesmas ações que são divulgadas, inclusive em veículos hegemônicos, ganhando seus investimentos. Eu não vejo o investidor atuando efetivamente nas ações que eles investem”, compartilha a fundadora do Meninas Mahin.

Por sua vez, João Souza destaca o poder da conversa. “Para criar diálogos com o setor de empreendedorismo, é preciso que haja uma escuta ativa e empática, cujo propósito seja entender as demandas, potencializar as trocas de saberes, e não ensinar ‘um empreendedor a empreender’”, explica.

O futuro do ecossistema de negócios de impacto social no Brasil e no mundo
Em um ecossistema, tudo está conectado. Ou, ao menos, é o que se espera. Mas qual o futuro do ecossistema de negócios de impacto? “Sempre encarei como um fenômeno que veio para ficar, apesar de muitos apostarem que trata-se de modismo fugaz”, salienta Ruth Melo, que também acha fundamental um diálogo para acertar os termos e as ações. “Vamos tirar  os ordenamentos jurídicos, até hoje bem aceitos, das ‘caixinhas’ e vamos explorar suas fronteiras para ajustá-las às demandas reais de nossos tempos”, sugere.

Já Ednusa Ribeiro ainda vê um caminho a ser traçado, pois as pessoas confundem os termos. “O trabalho é mais embaixo”, ressalta ela. “Precisamos de educação sócio-civil para as pessoas começarem a entender o que são negócios de impacto. Muita gente ainda confunde negócios de impacto com assistência social. Assistencialismo. E não é isso”, comenta Ribeiro. “É importante perceber que o setor de negócios de impacto vai muito além da lógica assistencialista. Há uma necessidade de desmistificá-lo, tanto no campo das ideias como no campo da linguagem”, completa João Souza.

Dessa maneira, o pensamento dos ecossistemas fornece nova estrutura e mentalidade, que captura uma mudança profunda na economia e no cenário de negócios. A importância de relacionamentos, parcerias, redes, alianças e colaborações obviamente não é nova – mas está crescendo. 

Quando os lucros vêm do crescimento econômico vinculado aos valores colaborativos, os negócios se tornam integrados, ágeis e escalonáveis ​​– e os efeitos serão enormes. Também podemos esperar mais atenção e debates em torno do papel apropriado do setor privado na abordagem dos desafios sociais. 

Afinal, como os negócios de impacto podem ainda criar novos mercados, impulsionando a inovação, retendo talentos e abrindo as portas às novas oportunidades de negócios? São reflexões para um debate, pois “Equilibrar o impacto que queremos causar e os resultados desse impacto é o desafio”, segundo Priscila Veras.

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