Embora tenha sofrido um bombardeio ideológico na sociedade imediatista que vivemos, a palavra utopia sempre retorna quando refletimos sobre o que desejamos para o nosso futuro. Com campanhas municipais no centro do debate, a utopia voltou. Seja para querer passar a má fase que vivemos, seja para prometer o que não teremos.
O contexto polarizado do bem contra o mal reforça ainda mais o desgaste etimológico. A utopia pode servir aos que querem imaginar outro futuro, mas também aos distópicos que preferem crer que o ser humano deu errado. Ao meu ver, a definição mais apropriada e que cabe agora para tempos pandêmicos é a do jornalista e escritor uruguaio Eduardo Galeno: “A utopia serve para que eu não deixe de caminhar”.
Nesse caminhar, crio minha própria versão de utopia para essa coluna. Imagino um mundo com empreendedores periféricos em espaços públicos de poder. É arriscada a aposta, mas em meio à revolução do mundo do trabalho, meu chute diz que em 15 anos, ou algumas eleições, elegeremos uma mulher negra e empreendedora em algum cargo do executivo.
Seja pela representatividade identitária e popular da maioria, seja pelo discurso meritocrático de sucesso e superação, caminhamos para eleger personas que espelham ou lideram processo do nosso cotidiano e conjugam certos valores morais. É aí que está minha aposta em eleger mulher negra e empreendedora. Pulem as eleições passadas e rezemos pela democracia e para que passe logo essa crise.
A pseudo-lógica da minha utopia está baseada na possibilidade de caminharmos para algo híbrido entre trabalhador precarizado e empreendedor por necessidade. O corpo social majoritário deve ter representatividade parecida com esse perfil. E como é a economia que faz girar o mundo e, obviamente, a política e a sociedade. Meu palpite é que isso fatalmente deve influenciar nosso voto.
Elegeremos alguém que está fazendo hoje seu modelo de negócio socioambiental em alguma quebrada, de alguma grande metrópole brasileira e que tenha se apropriado (bem) das tecnologias de comunicação de massa. Não menos importante, urge oferecer hoje – e não deixar para daqui 15 anos – uma formação política consistente que possa dar respostas para a sociedade complexa.
Por dentro das trincheiras partidárias, esse tema ainda é uma distopia. Por dentro de fundações, aceleradoras e fundos, idem. O país sofre com o analfabetismo político nas elites, nas camadas médias e nas bases. Há muito trabalho a fazer e muitos riscos, se deixar a coisa pública na mão de aventureiros, sejam eles gestores empresariais ou ainda lideranças identitárias sem compreensão da luta de classes.
Mas, com a aposta feita, é hora de utopizar e caminhar.
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