Entre mudar o mundo e ganhar dinheiro fique com os dois. A frase já é um clichê no universo do empreendedorismo, mas continua sendo a maneira mais rápida de explicar o que são negócios de impacto. Esta tendência de empresas que querem resolver algum problema do planeta e ficar ricas fazendo isso tem ganhado força nos últimos dez anos.

No Brasil, os olhares mais atentos viram nascer todo um ecossistema capaz de sustentar seu próprio desenvolvimento. Incubadoras, Aceleradoras, Fundos de Investimento, Family Offices, Mentores, Startups, Eventos… E, claro, essa movimentação chamou atenção de mais empreendedores e de corporações globais, que estão olhando o florescimento do mercado com bons olhos.

Empreendedores faturando?

Bom, falando assim até dá vontade de largar tudo e se jogar nessa piscina. Alto lá. A parte mais chata da história é que o mercado ainda é incipiente e com pouquíssima diversidade, os investimentos são de alto risco e os empreendedores estão suando para garantir seu lugar ao sol.

Recentemente, em um dos primeiros grandes esforços para mapear o ecossistema dos negócios de impacto, a Pipe.Social, que é uma vitrine de negócios sociais, articulou com cerca de 40 organizações e coletou informações de 579 negócios em diferentes estágios de maturação. Destes, 40% tem menos de três anos de formação.

Isso ajuda a explicar o fato de que grande maioria, 79%, esteja procurando investimento, 35% ainda não tem nenhum tipo de faturamento e apenas 7% fatura acima dos dois milhões de reais.

Cenário amigável ao investimento

Para quem quer investir, é o cenário ideal: um rol gigante de oportunidades e equities (participações nas empresas) a preços bem acessíveis. Para se ter uma ideia 38% quer levantar até 200 mil reais (cifra considerada módica no universo das startups).

Enquanto as startups se degladiam para saber quem vai continuar existindo após três anos de vida (que não à toa é chamado no mundo do empreendedorismo de Vale da Morte), o cenário é animador do lado de quem detém o capital.

De acordo com o Panorama no Setor de Investimento de Impacto da América Latina divulgado pela Ande (Aspen Network of Develpoment Entrepeneurs), uma rede global que compreende mais de 250 organizações que incentiva o empreendedorismo em mercados emergentes, o total de recursos destinados a iniciativas de impacto social saltou de 177 milhões de dólares (em 2014) para 186 milhões de dólares (em 2016). Especificamente no Brasil, em 2016, metade dos investidores afirmou ter uma meta anual de retorno de 16% ou mais.

Quem olha o mercado de dentro tem a mesma impressão:“Todos os sinais que eu tenho visto mostram que isso é uma tendência que vai cada vez tomar conta das discussões de investimento. É um caminho que não vai ter volta. É a pasta pra fora do tubo”, analisa Daniel Izzo.

Em 2009, Daniel Izzo co-fundou a Vox Capital, um fundo de investimentos exclusivo para negócios de impacto que já aportou centenas de milhões de dólares em diversas iniciativas.

Mais do que uma mera aposta

Em 2017, aliás, o Brasil viu duplicar o número de fundos de investimento de negócios de impacto e segundo Daniel ainda há mais novidade por vir, desta vez no setor dos Family Offices. “Tem dois Family Offices grandes que já estão criando uma estratégia única de impacto para todo potifólio”, revela.

Family offices são os investidores que operam dinheiro de famílias ricas que vêem nos empreendedores uma ótima maneira de multiplicar seu patrimônio e uma saída muito mais eficiente do que a filantropia. São muitas vezes mais ágeis do que os tradicionais fundos de investimento e tem mais flexibilidade.

Outro indicativo de que a pasta realmente saiu do tubo é o interesse de grandes empresas no assunto. “Tenho falado com bancos e instituições financeiras desde 2009. E em 2009 eles marcavam reunião com uma visão de curiosidade ‘Vamos ver do que se trata’. Em 2012 já se diziam em um novo estágio: “A gente sabe o que é, mas ainda vamos ver se é pra gente” E as conversas que a gente tem tido de 2016 pra frente mostram outra visão deles: “A gente sabe que a gente tem que fazer, mas estamos no estágio de decidir como fazer”, conta Izzo.

Mais do que investir, algumas empresas tem outros planos em mente. “Eu tenho visto muitas empresas olhando para negócios sociais com objetivo de fazer uma aquisição, para, de repente, criar um novo setor dentro da empresa”, conta Carolina Aranha, é fundadora da Pipe.Social. Afinal, ter um negócio que faça bem para o planeta e ainda renda dinheiro era tudo o que as empresas queriam e o setor de Responsabilidade Social não poderia entregar.

Dura Realidade do empreendedor de impacto

Apesar do cenário parecer bem animador, alguns dados da pesquisa divulgada pela Pipe são bastante eloquentes e indicam uma realidade dura de engolir: a imensa maioria dos empreendedores é homem e do Sudeste. Apenas 20% das iniciativas são fundadas por mulheres.

Mudar o perfil do empreendedor de impacto é um dos maiores desafios segundo Ana Julia Ghirello, fundadora da abeLLha, que incuba negócios de impacto no estágio inicial: “A maioria dos negócios de impacto são feitos por gente da classe A e B para as classes C, D e E. É um grande desafio capacitar quem vive o problema na base para solucioná-lo por meio de um negócio.”

Contrariando as estatísticas um caso tem ganhado bastante atenção: o do Saladorama, fundado por Hamilton Henrique, empreendedor negro nascido em São Gonçalo. Operando desde 2014 com a missão de democratizar o acesso à comida saudável em regiões mais pobres, o Saladorama vem atingindo resultados Ao todo, já foram mais de 180 mil pessoas impactadas e em 2016 a startup faturou 1,6 milhão e lucrou 300 mil.

A verdade é que, pouco a pouco, vão aparecendo empreendedores sociais que não largaram tão na frente na corrida do privilégio. Ou seja, a história de Hamilton não é a única, mas é uma das mais empolgantes.

Mesmo com números interessantes, o Saladorama ainda não pode ser considerado um “case”. E, verdade seja dita, apesar dos vários indicativos que os negócios de impacto são realmente um movimento de vanguarda, ainda não há uma história pra contar que tem tido estrondoso retorno financeiro, quanto no impacto na sociedade.

Para quem olha o furacão de dentro, é tudo questão de tempo. “A falta de exitsde sucesso ainda é um dos problemas. A gente não tem muito como inspirar investidores, porque o Brasil ainda não tem uma startup que foi investida, teve uma saída com retorno social e financeiro. Mas eu acredito que essa safra de empresas que já estão há mais de 4 ou 5 anos dentro desse setor conseguirão dar ótimos resultados”, comenta Carolina Aranha.

“A FALTA DE ‘EXITS’ DE SUCESSO AINDA É UM DOS PROBLEMAS”

A percepção de Daniel Izzo é a mesma. “É natural que leve um tempo para a gente ter um case mais sólido, mas eles já estão aí. Posso falar três que estão seguindo um caminho lindo: o Avante, o Dr. Consulta e o Geekie, que estão captando rounds significativos de investimento com players grandes do mercado. Estou otimista, acredito que se formos ter a mesma conversa daqui três anos, o papo será diferente.” Quem viver, verá.

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