A violência contra a mulher aparece constantemente em noticiários, só que o número de mulheres que sofrem caladas é expressivo. Somente em 2017 foram registrados 4.936 assassinatos de mulheres, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

A grande maioria não sabe como sair dessa situação tão delicada que vem se tornando um problema universal que atinge milhares de mulheres de forma silenciosa. Nesse sentido, soma-se a importância de ecossistemas de serviços para a organização das infraestruturas, Estados e sociedade civil, e, para que assim a violência em qualquer forma não seja mais aceita.

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O isolamento social, embora uma medida de precaução contra a Covid-19, tem propiciado mais riscos às mulheres que vivem em situações de violência doméstica – afinal, as famílias estão todas vivendo sob o mesmo espaço por mais tempo, sob diferentes tipos de pressão.Uma das principais estratégias de controle dos autores da violência é isolar a vítima.Segundo dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMDH).

Em abril, a quantidade de denúncias de violência contra a mulher recebida no canal 180 deu um salto: cresceu quase 40% em relação ao mesmo mês de 2019.
40%

Ainda de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2013 o Brasil já ocupava o 5º lugar dentre os territórios que mais matam mulheres. No ranking constavam 83 países.

Porém, mesmo com denúncias, os dados escapam das estatísticas oficiais. Isoladas dentro de casa, muitas sequer conseguem sair da residência para fazer uma denúncia, o que acaba comprometendo a vida dessas mulheres em todas as circunstâncias (como mental, emocional e física), e, ainda, possibilitando um possível cenário de tragédia – o feminicídio.

Crédito: Equipe de Arte Aupa.

Como forma de prevenção e punição à violência doméstica, foi criada a lei n° 11.340/06, intitulada Lei Maria da Penha. É considerada pelo Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem) uma das três leis mais avançadas do mundo, entre 90 países que têm legislação sobre o tema.Há também a lei 13.104/15, mais conhecida como Lei do Feminicídio, que alterou o Código Penal brasileiro, incluindo como qualificador do crime de homicídio o feminicídio.

Uma vez que a violência não distingue classe social, raça, etnia, religião, orientação sexual, idade e grau de escolaridade, são imprescindíveis debates e ações sobre este problema de cunho social e de saúde pública. Faz-se também necessário entender como os negócios de impacto podem gerar soluções de mercado para as demandas e necessidades das mulheres, principalmente àquelas em situação de vulnerabilidade social.

A importância do ecossistema de impacto na violência contra mulher
A articulação de atores do ecossistema de impacto é fundamental para construir negócios que insiram um diálogo coerente e assertivo sobre a violência da mulher. Dessa forma, pode ser possível o impulsionamento de novas colaborações para enfrentar os crescentes desafios sociais.

Nesta reportagem, apresentamos o trabalho de três organizações. Todas são ligadas diretamente a trabalhos e projetos que envolvem a violência contra a mulher. São elas: Instituto Maria da Penha, Mete a Colher e Tamo Juntas.

Crédito: Equipe de Arte Aupa.

Quais os tipos de violência contra a mulher?
A violência contra a mulher é definida como “Qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada” (Capítulo I, Artigo 1º).

Estão previstos cinco tipos de violência doméstica e familiar contra a mulher na Lei Maria da Penha: física, psicológica, moral, sexual e patrimonial Capítulo II, art. 7º, incisos I, II, III, IV e V.

É a mais imediata de identificar, porque é visível. Os exemplos são: espancamento, atirar objetos, apertar os braços, estrangulamento, sufocamento, lesões com objetos cortantes, ferimentos em geral e tortura. São registradas mais de 50 ligações por dia, mas é de conhecimento que o número de casos de violência física contra a mulher é muito maior.

É assim considerada qualquer conduta que cause danos emocionais e a diminuição da autoestima. É a violência que a grande maioria das mulheres sofre, pois é camuflada pela sutileza das relações intra-familiares. Exemplos: ameaças, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição, insultos, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir, entre outros.

É manter ou participar de relação sexual não desejada.Em 2014 foi registrado o aumento de 65,39% nos casos de estupros no Brasil. Mas este número é maior, porque muitas mulheres não fazem o registro. Estima-se que a cada 11 minutos uma mulher é estuprada no Brasil, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), divulgados em 2015. Alguns exemplos da violência sexual são: estupro, obrigar a mulher a fazer atos sexuais que causam desconforto ou repulsa, impedir o uso de métodos contraceptivos, forçar ou impedir aborto, entre outros.

Trata-se de controlar o dinheiro, deixar de pagar pensão alimentícia, além da destruição de documentos pessoais, estelionato, privação de bens, valores ou recursos econômicos e causar danos a objetos que a mulher goste. O Dossiê Mulher 2018 com dados do estado do Rio de Janeiro dá uma panorama sobre esse tipo de abuso. Estão o crime de dano representa (50,4% dos casos), seguido da violação de domicílio (41,8%) e supressão de documentos (7,8%).

Acusar a mulher de traição, emitir juízos morais sobre a conduta, fazer críticas mentirosas, expor a vítima e rebaixar a mulher por meio de xingamento que incidem sobre a sua índole.

Nessa lista, Renata Albertim, CEO da startup Mete a Colher, ainda acrescenta a violência virtual. “Está muito associado à violência moral, que é o compartilhamento de imagens de mulheres em situação íntima. Tudo com o objetivo de prejudicar a moral daquela mulher na sociedade”, explica.

Laina, da Tamo Juntas. Crédito: Eline Matos.
Renata, do Mete a Colher. Crédito: divulgação.
Conceição de Maria, co-fundadora e superintendente-geral do Instituto Maria da Penha. Crédito: Acervo IMP

Como a violência contra a mulher interfere na sua vida?
Quando uma mulher sofre algum tipo de violência, seja ela psicológica ou física, isso reflete em sua vida social. Laina Crisóstomo, criadora do movimento Tamo Juntas afirma que a violência contra a mulher “Impacta tanto na questão física quanto na psicológica. Gera transtornos, síndromes diversas, como a do pânico, transtorno de ansiedade, problemas com sono e enxaqueca crônica. Ou seja, desencadeia uma série de doenças mentais”, pontua Laina.

Ela também ressalta como a mulher violentada se sente afastada dos amigos e familiares e é desacreditada. “A mulher acaba sendo descredibilizada pelos meios que deveriam ser acolhedores, como as instituições. Isso gera traumas e medos, seguindo relacionamentos abusivos”, conta.

Para Conceição de Maria, co-fundadora e superintendente-geral do Instituto Maria da Penha, a violência contra a mulher compromete a saúde mental em diversos aspectos da vida, como também o profissional. “Ela fica com a carteira de trabalho com muitas passagens. Dificulta a tomada de decisão, da realização de tarefas complexas, fica mais estressada. Interfere em diversos setores:na saúde, no físico, no mental, na vida profissional e no mercado de trabalho, na Saúde Pública”, explica.

Uma questão bastante comum quando se trata de violência contra a mulher é: por que ela não deixa o companheiro nas primeiras agressões? Laina diz que são diversos os cenários, como o vínculo que essa mulher tem com o seu parceiro. “Quando eu sofro violência doméstica familiar, existe um componente diferenciado que é justamente pensar que se tem um vínculo com essa pessoa. Há muitas mulheres que têm 20 anos de relacionamento abusivo; esse homem é o pai dos filhos dela. A família inteira o conhece, várias pessoas o conhecem”, explica a criadora do Tamo Juntas.

E, quando se fala da violência que a mulher sofre pelo companheiro, é válido ressaltar que, na maioria das vezes, ele não é um agressor 100% do tempo. Ele é marido, pai, trabalhador – e é visto assim pela sociedade, conforme explana Laina. “Muitas vezes, as pessoas vão pontuar que‘ele é um bom pai’, ‘é um bom marido’. ‘Ele lhe agride, mas sustenta a casa’. Sempre vai haver uma forma de relativizar esse processo de violência tentando encontrar outras maneiras”, exemplifica.

Laina afirma ainda que existe a crença de que o companheiro mudará o comportamento. “É muito difícil para as mulheres admitirem que o príncipe é um sapo – pra além de um sapo, é um criminoso que quer matar, que estupra, violenta na frente dos filhos, que destrói a casa”.

O que também contribui para muitas mulheres não denunciarem é o medo, conforme explica Conceição.

“Existe o medo de retaliação. A vergonha. O medo de não conseguir criar os filhos sozinha, além da dependência emocional e financeira. Tudo isso passa pela cabeça da mulher violentada. Ela pensa em todos e, por último, nela”.

Já sobre a impunidade que muitos homens acreditam ter, isso está muito relacionado à estrutura patriarcal de nossa sociedade. “Temos uma sociedade de bases patriarcais e completamente machistas. O campo do Direito, por anos, foi um campo totalmente masculino, e é claro que os homens não iam fazer nada contra eles mesmo”, tensiona Renata.

Violência contra a mulher e as consequências no mercado de trabalho
As consequências da violência contra a mulher são refletidas também no mercado de trabalho. Um dos fatores associados à esta agressão é o seu impacto no mercado de trabalho.

De acordo com o II Relatório da Prevalência da Violência Doméstica e o Impacto nas Novas Gerações (PCSVDF Mulher), Violência Doméstica e seu Impacto no Mercado de Trabalho e na Produtividade das Mulheres, as mulheres submetidas a situações de violência apresentam menor capacidade de concentração e, consequentemente, para tomar decisões no trabalho.

Sofrer violência afeta negativamente a confiança da mulher em si mesma, bem como o senso de controle de suas ações e consequências, impedindo que ela exerça seu trabalho de forma integral. Em pesquisa do Instituto Maria da Penha com a Universidade de Fortaleza, foi concluído que:

mulheres que sofrem violência doméstica faltam 18 dias ao ano no trabalho.

E, em meio à pandemia, as mulheres foram sentindo na pele as distintas maneiras pelas quais interseccionam classe, raça/etnia e gênero. Ficam mais sujeitas aos efeitos da redução das atividades e o aumento do trabalho em casa. “Na pandemia, estamos vendo que o grande número de pessoas que estão sendo demitidas são mulheres”, observa Renata Albertim. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnadc) mostrou que sete milhões de mulheres abandonaram o mercado de trabalho na última quinzena de março, quando começou a quarentena.

É o que também apontou uma pesquisa realizada pelo Instituto Locomotiva e pela Rede Mulher Empreendedora. A crise impulsionada pela pandemia de Coronavírus causou ainda a interrupção das atividades de 39% dos negócios conduzidos por mulheres. 

Este fato também pode ser observado na pesquisa O Papel dos Negócios Sociais no Apoio ao Empoderamento Feminino no Brasil, do British Council. 

O estudo apontou que as empresas brasileiras que não têm mulheres em posição executiva correspondem a:
66%

Aliada a essa questão, é possível observar a resistência de investidores e bancos no Brasil em emprestar dinheiro para mulheres empreendedoras. Segundo estudo feito pelo Sebrae, em parceria com a Fundação Getúlio Vargas, as mulheres foram as mais afetadas pela crise: 52% paralisaram “temporariamente” ou “de vez” suas atividades, contra 47% nos homens. Além disso, a proporção de empresárias com dívidas em atraso (34%) é maior que a encontrada entre os homens (31%).

A importância da denúncia
É imprescindível que as vítimas denunciem os agressores. A cada dois minutos, no Brasil, uma mulher registra agressão baseada na Lei Maria da Penha. Por isso, diversas ferramentas estão disponíveis para que a mulher possa fazer a denúncia, e,assim solicitar ajuda e evitar que outras vítimas sejam agredidas.

Denúncias por telefone podem ser feitas pelo 180, que é um serviço de utilidade pública, gratuito e confidencial (preserva o anonimato), oferecido pela Ouvidoria do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. A Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH) também disponibilizou uma conta no Telegram – aplicativo de mensagens instantâneas – para o registro de casos em todo o país.

Conceição de Maria indica que em caso de emergência é necessário ligar para o 190, para a Polícia do Estado que encaminhará o procedimento e, assim, dará prioridade – em virtude do aumento da vulnerabilidade dessas vítimas, principalmente neste contexto pandêmico.

Muitos estados estão adotando o Boletim de Ocorrência (B.O.) eletrônico durante a pandemia, já que muitas mulheres estão sem sair de casa. A Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres (SNPM) também elaborou uma cartilha com informações completas, de onde as mulheres podem saber como denunciar.

Laina indica o instrumento chamado Violentômetro, que evidencia como a violência dados sobre a violência contra a mulher.

Crédito: Tribunal de Justiça do ES

Infelizmente, muitas mulheres sofrem caladas, devido ao medo, à insegurança e às incertezas. Renata explica que: 

“A ameaça gera o medo, que, por sua vez, gera o silenciamento”.

Enfrentar a violência contra a mulher é uma luta, destaca Laina.“O combate é muito mais difícil, mas é necessário para fazer com que as pessoas consigam identificar quem sofre a violência. As mulheres têm dificuldade de identificar, porque existe uma normalização e naturalização dos padrões”, explica.

Conceição de Maria acredita e enfatiza o poder da Educação. “São necessárias novas culturas, posturas e ações. O instrumento para acabar com violência doméstica é a educação. Faz-se necessário que os currículos adotem uma disciplina sobre os conflitos das mulheres, para que essas crianças crescem de uma forma mais pacífica”, projeta ela.

O ecossistema do empreendedorismo social é fundamental para que se tenha uma rede que seja cada vez mais fortalecida e que a informação seja uma importante ferramenta, como fonte de enfrentamento. Desse modo, unidas, essa rede poderá quebrar violências estruturais, como o machismo.

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