A Baixada Santista é a segunda região mais rica do estado de São Paulo, atrás apenas da própria capital. É composta por nove municípios, dois milhões de pessoas e abriga o Porto de Santos, o mais importante da América Latina. Podemos dizer que sua principal característica é ser uma terra de extremos, dotada de uma renda per capita altíssima, ao mesmo tempo que abriga a maior favela de palafitas do Brasil e possui a menor taxa de alfabetização e escolarização do estado.
A região também concentra o maior número de aldeias indígenas do estado de São Paulo, principalmente de Guaranis e Tupi-Guaranis, e é o território de Alzira Rufino e sua Casa de Cultura da Mulher Negra, do Terreiro do Pai Bobó, do Quilombo do Jabaquara, de Plínio Marcos, Pagu, um pioneiro carnaval, além de suas evidentes belezas naturais típicas da Mata Atlântica, uma rica biodiversidade com cachoeiras escondidas, ilhas caiçaras, etc.
Ainda assim, é comum termos que responder a pergunta “mas por que Santos?” quando vamos apresentar o Instituto Procomum, organização social que fundamos em 2016, ou o nosso laboratório de Inovação Cidadã, o LAB Procomum, cuja sede fica na cidade de Santos.
A pergunta revela mais uma faceta da desigualdade sistêmica e complexa do Brasil. Um país de muitas histórias, muita culturas, muitas formas de vida, mas que é refém de uma concentração regional, econômica e narrativa. Para alguns, o litoral é apenas um local de veraneio e mais nada. Para nós, é território de potências, de gente que constrói soluções para uma vida vivível, para uma vida coletiva, todos os dias.
Quais os corpos que inovam e quais as soluções que elegemos como inovadoras e criativas? O Instituto Procomum vem disputando o que se entende por inovação, empreendedorismo, Economia Criativa. Defendemos – e nossos resultados demonstram – que a criatividade e a imaginação cidadã são e serão importantes aliadas nos próximos tempos e podem contribuir para a produção de soluções eficazes de combate à desigualdade e soluções para afirmação de modos de vida mais dignos. Sobretudo, se vierem de corpos que, historicamente, vivem essas exclusões e desigualdades ao mesmo tempo em que guardam uma inteligência sem igual. A isso, nós damos o nome de inovação cidadã, que impulsionamos por meio de diferentes projetos, como a nossa escola livre e colaborativa, a Colaboradora.
Acesse o estudo metodológico completo, desenvolvido pelo Instituto Procomum, na seção Dados.
A Colaboradora – Empreender e Transformar, voltada ao fortalecimento de negócios de impacto social, está em sua segunda edição. No Instituto Procomum, temos o costume de trabalhar por meio de chamadas públicas, favorecendo populações sub-representadas, uma forma muito rica de mapear e evidenciar as iniciativas inovadoras da região. A quantidade e a qualidade de pessoas engajadas na transformação de seus territórios por aqui são de impressionar aqueles que não conhecem a fundo a região. Desde que começamos, entre nossas chamadas públicas, já mapeamos cerca de mil iniciativas, de quase todos os cantos dos nove municípios da Baixada.
Muito além de uma apropriação de ferramentas, a jornada compartilhada de aprendizagem e desaprendizagem (aprendemos que uma parte importante é desaprender certas ideias) da Colaboradora se concentra em promover e, sobretudo, praticar a convivência entre visões, onde caibam um mundo comum entre os diferentes, e construir uma rede ativa e permanente de cuidado mútuo e colaboração.
Estamos construindo uma economia a partir do comum, que, em nosso entender, deve recuperar o sentido original dessa área do conhecimento que se ocupa em organizar os meios e processos para a sobrevivência e o bem-estar. A ideia da economia, vinculada exclusivamente à produção financeira, nos parece uma redução que não nos serve. Acreditamos que alargar a percepção de sobrevivência, para além de respirar e consumir, e de bem estar, para além de distinguir e possuir, são requisitos para que possamos começar a construir trocas mais justas e equilibradas nos múltiplos campos onde as relações humanas são tecidas.
Economia, afinal, é vida, e é isso que temos em mente quando incentivamos a formação de redes de realizadores do setor criativo com impacto social na Baixada Santista.
Quatro anos se passaram e, a cada nova história e pessoa que chega, renovamos nosso compromisso e nossa razão de fazer o que fazemos. Temos uma visão privilegiada do território onde atuamos, porque ele nos é trazido a partir dessas pessoas e iniciativas. Para nós, é a Vila Margarida do Instituto Chegados, a São Vicente da Loja 370, da Itararé Cultural e do AfroTu, a Bertioga do Sarau Elas na Quebrada, o Guarujá da Chinua Acessórios, a Praia Grande da Contos de Fada Festas, a Santos do Elas em Movimento, da Tumulto Rec – e a lista segue.
São histórias que nos comprovam que a construção de programas de apoio e suporte a empreendedores sociais periféricos podem e devem aliar caminhos e ferramentas para a subsistência e o crescimento ao fortalecimento de sua percepção como agentes de mudança. E é aí que coisas bonitas e fortes acontecem.
Esse é o caminho que escolhemos: aliar escuta, cuidado e repertório para fortalecer a formação de redes e o protagonismo de agentes historicamente subalternizados, ampliando seu impacto social e evidenciando suas soluções.
Este artigo é fruto de diálogos entre Georgia Nicolau e Simone Oliveira.
Georgia Nicolau é fundadora e diretora do Instituto Procomum, facilitadora de processos de desenvolvimento organizacional e consultora especialista em projetos de inovação, políticas públicas de cultura e desenvolvimento. Foi diretora de Gestão, Empreendedorismo e Inovação do Ministério da Cultura e secretária-substituta de Economia Criativa e de Políticas Culturais, entre 2013 e 2016.
Simone Oliveira é coordenadora da Colaboradora – Empreender e Transformar, escola colaborativa de empreendedores de impacto social do Instituto Procomum. Ë bacharel em Produção Cultural pela Universidade Federal Fluminense e Mestre em Cultura e Territorialidades pela mesma instituição. Atua há mais de 15 anos em produção, gestão e idealização de eventos e projetos culturais.
A imagem da capa é do período anterior à pandemia causada pela Covid-19.
Este texto é de responsabilidade das autoras e não reflete, necessariamente, a opinião de Aupa.