As discussões sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) mobilizaram movimentos e fizeram parte do noticiário em diversos momentos de 2020, além de gerarem impactos na discussão sobre Educação no País.

Isso porque questões como a ampliação dos recursos da União para o Fundeb ou a destinação de parte do Fundo para escolas confessionais e Organizações Não Governamentais (ONGs) foram propostas e votadas ao longo do ano.

No novo Fundeb, que começa a partir de 2021, a União deve ampliar o financiamento. O aumento, contudo, será parcial, sendo de 10% para 12% em 2021; passando para 15% em 2022; 17% em 2023; 19% em 2024; 21% em 2025; e 23% em 2026. Outra conquista foi a promulgação da Emenda Constitucional n° 108, de 27 de agosto de 2020, regulamentada pela Lei nº 14.113, de 25 de dezembro de 2020.

Apoie o jornalismo crítico no ecossistema.

Renata Mesquita D’Aguiar, auditora de Finanças e Controle da Secretaria do Tesouro Nacional. Crédito: Arquivo pessoal.

Renata Mesquita D’Aguiar, auditora de Finanças e Controle da Secretaria do Tesouro Nacional e diretora de Gestão de Fundos e Benefícios, explica que “Independentemente da fonte de origem, todo o recurso gerado é redistribuído para aplicação exclusiva na manutenção e no desenvolvimento da Educação Básica pública, bem como na valorização dos profissionais da Educação, incluída sua condigna remuneração”.

Para ela, trata-se de uma oportunidade de melhorar a Educação Básica pública, com mais recursos, mais instrumentos de fiscalização e mais exigência quanto à eficácia das iniciativas e dos projetos dos gestores locais.

O objetivo é promover infraestrutura e valorizar os educadores para que haja equidade nos investimentos a nível nacional.

“Mais de 63% dos municípios dependem exclusivamente dos recursos do Fundeb para arcar com os investimentos necessários à Educação Básica pública de seus habitantes”, observa.

O fundo é distribuído de acordo com o número de estudantes que estão matriculados em sua rede de Educação Básica. Na soma de estudantes matriculados de cada rede de ensino, cada matrícula conta com peso diferente. Na tabela a seguir, veja os fatores de ponderação para 2019 – quanto mais próximo a 0, menores são os recursos por aluno para a etapa/ modalidade:

Avançamos, mas…
Gregório Grisa, doutor e mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e docente no Instituto Federal do Rio Grande do Sul, destaca que oito em cada dez municípios gastam todos seus recursos do Fundeb com o pagamento dos professores. Ainda: as escolas de regiões mais pobres passaram a ver seus recursos se ampliarem a partir do Fundeb, que entrou em vigor em janeiro de 2007. 

Gregório Grisa, doutor e mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e docente no Instituto Federal do Rio Grande do Sul. Crédito: Arquivo pessoal.

“A partir de 2007 a aplicação por aluno avançou no Brasil. Como nosso gargalo de infraestrutura é enorme, não se está falando de abundância de recursos, mas o Fundeb permitiu o pagamento do piso salarial do magistério, que teve ganho real nos últimos períodos”, salienta Grisa. Outros avanços permitiram a maior permanência dos estudantes na escola e a ampliação do Ensino Fundamental para nove anos.

Mas, só o aumento dos recursos não é suficiente. A organização “Todos pela Educação” criou um relatório com proposta para aprimoramento dnos mecanismos de financiamento da Educação Básica, intitulado #EducaçãoJá!

Crédito: Equipe de Arte Aupa
Felipe Poyares, coordenador de Relações Governamentais da Todos pela Educação. Crédito: Linkedin

Felipe Poyares, coordenador de Relações Governamentais da Todos pela Educação, explicou como os recursos chegam até as escolas e a partir de quando o Novo Fundeb entrará em vigor. “Os recursos do Fundeb são direcionados para as Secretarias de Educação, seja dos Estados, seja dos municípios e as secretarias atuam diversos programas, seja para valorização dos professores, seja para melhorias na alfabetização ou um programa específico de merenda, por exemplo. Então, por meio destes programas ou de transferência direta para a escola, para uma ação específica que os recursos chegam até as escolas”.

Em relação às novas regras do Fundeb, Poyares salientou que elas entram em vigor em abril de 2021 e, então, haverá o pagamento de todo o valor retroativo dos meses de janeiro a março.

Perde-ganha
A proposta da Secretaria de Governo do Brasil e do Ministério da Economia de transferir uma porcentagem do Fundeb para escolas confessionais, comunitárias ou filantrópicas, se aceita, acarretaria uma perda de R$12,8 bilhões ao ano para a rede pública, o que representa cerca de 10% do valor total do Fundo.

Porém,  o atendimento realizado por essas escolas é de 1% do Ensino Fundamental, e 0,2% no Ensino Médio, de acordo com dados do FNDE/MEC, Inep/MEC e Laboratório de Dados Educacionais, publicados pela organização Todos pela Educação.  Grisa explica que a medida teria um caráter regressivo, pois privilegia municípios mais ricos (com maior Índice de Desenvolvimento Humano), onde estão a maioria das vagas privadas ofertadas. “A capacidade instalada da rede privada concentrada em regiões mais ricas já esvazia o argumento de que esse precedente seja necessário, além disso, o Brasil não tem problemas de oferta de vagas no Ensino Fundamental e Médio. Não havia motivo técnico para permitir esse desvio dos recursos do Fundeb, a não ser abrir mercado para grupos específicos, inclusive os de cunho religioso”, avalia.

O docente salienta  ainda que governadores e prefeitos podem fazer convênios com escolas privadas com recursos próprios de estados e municípios. “O Fundeb é um fundo de colchão básico para financiar a ainda subfinanciada Educação pública. O problema não seria o convênio em si, mas, sim, retirar recurso exclusivo da Educação pública que precisa do dobro de recursos que recebe hoje, conforme aprovado no Plano Nacional de Educação”.

Além disso, Grisa ressalta que a distribuição dos recursos para instituições privadas no Ensino Fundamental e Médio tende a ampliar a desigualdade sem garantir benefício efetivo.

Mobilização e perspectivas
Grisa recorda que o Brasil é marcado por um crônico, histórico e sistemático subfinanciamento da Educação. “Tivemos um período de ampliação dos recursos, entre 2006 e 2014 na Educação, até que a crise de 2015 e agora a da pandemia desestabilizaram o financiamento das políticas sociais, da ciência e a Educação não ficou imune”, diz. O professor observa também que os recursos que viriam dos royalties do pré-sal não apareceram.

“Penso que o debate sobre o Fundeb foi bastante pedagógico, diferentes grupos políticos se aliaram em torno da causa do financiamento da Educação pública. Boas evidências e bons argumentos foram mobilizados para que os parlamentares aprovassem a Emenda Constitucional e depois a lei de regulamentação”, relata Gregório sobre o impacto das discussões no cotidiano das escolas públicas, que completa: “Diante de tanto descrédito da política, vejo no exemplo do Fundeb um processo de articulação e diálogo que foi maduro, apesar das discordâncias”.

Ana Júlia Ribeiro tem 20 anos, e cursa Direito na PUC-PR e Filosofia na UFPR. A jovem se destacou quando fez um discurso na tribuna da Assembleia Legislativa do Paraná (ALEP), em Curitiba, em 2016. Na ocasião, ela representou estudantes de escolas estaduais e institutos federais, que ocuparam mais de 300 instituições de ensino  paranaenses como protesto contra a medida provisória sobre a reforma do Ensino Médio. Movimento semelhante aconteceu também com os secundaristas de estados como São Paulo e Goiás na época. 

Ana Júlia Ribeiro, aluna de Direito na PUC-PR e de Filosofia na UFPR. Crédito: Arquivo pessoal.

Enquanto  estudante de instituições públicas, Ribeiro comemora o fato de, em julho de 2020, ter acontecido a Constitucionalização do Fundeb.  Para ela, a valorização dos profissionais da Educação é essencial para alcançar um patamar de equidade entre os municípios, que garanta a todos os estudantes qualidade mínima.  “Temos que fortalecer a escola pública, que é mais abrangente, mais plural, para que, assim, todos tenham acesso a uma Educação de qualidade. Por isso, precisamos ampliar a Educação pública”, explica. 

Ribeiro ainda comenta que, sem investimentos, não é possível avançar em termos de educação pública. “É importante garantir o CAQ – o Custo Aluno Qualidade. Ele é um mecanismo que une qualidade, controle social e financiamento adequado para a educação pública. É um recurso mínimo do que deve ser investido por aluno. O CAQ propõe um avanço, uma vez que na maioria das escolas públicas não se possui os recursos necessários para promover a educação”.

Vale dizer que o CAQ é um padrão de qualidade mais próximo dos países que têm altos índices de qualidade em termos de Educação. Ele diz respeito à superação das desigualdades na Educação, uma vez que garante direitos básicos e fundamentais para todas as escolas. Além disso,inda: é importante observar que faz-se preciso que o gerenciamento dos valores do Fundeb seja feito juntamente com as comunidades educacionais, para evitar desvios e corrupção.

Felipe Poyares explica que o Fundeb tem um conselho de acompanhamento, além do Tribunal de Contas Municipal em alguns municípios e Estaduais para os municípios menores, que ajudam a garantir o devido uso dos recursos. “Mecanismos de fiscalização foram aprimorados em 2020 com a aprovação da Lei de Regulamentação, que diz respeito a quantidade de recursos que as redes têm disponíveis para educação, já que o Fundeb tem um critério de distribuição de mais recursos para quem tem menos. Além disso, há outras formas de fiscalização como o Ministério Público, os Tribunais de Conta e, dentro das Secretarias, auditorias e a Controladoria”.

Participação da sociedade: uma responsabilidade
Para Gregório Grisa, o Fundeb é uma pauta que exige certo conhecimento técnico para ser observado também nos detalhes. Contudo, ele sugere que cada um pode acompanhar o funcionamento do Conselho Municipal dos municípios, bem como dos estados. “Caso faça parte de alguma comunidade escolar, pode-se buscar entender como é executado o recurso que a escola recebe ou mesmo fiscalizar junto do Poder Legislativo local como a Prefeitura aplica a verba do Fundeb”, explica.

Por sua vez, Renata Mesquita D’Aguiar afirma que a população deve colocar-se à disposição para compor os Conselhos Sociais do Fundeb, fiscalizando os recursos destinados às escolas da comunidade, do bairro ou da cidade.  Já Ana Júlia Ribeiro, considera que a participação de toda a sociedade na pauta é muito difícil. Para ela, o mais importante é que todos se unam para pedir uma educação pública de qualidade.

Outra ameaça para o Fundeb é a recente PEC Emergencial, que prevê compensar os gastos com auxílio emergencial recorrendo à desvinculação dos recursos para a Educação e a Saúde. A medida, se aprovada, impactará o orçamento para a educação pública do país, já que propõe revogar dispositivos da Constituição que garantem o percentual de repasse mínimo para as duas áreas. A pauta deverá ser votada pelo Senado no dia 2 de março.

O repasse dos recursos do Congresso Nacional  para o Fundeb ainda não aconteceu e deve atrasar, segundo cálculo da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão vinculado ao Senado. O orçamento anual não foi aprovado, porque houve um impasse político na formação da Comissão Mista, responsável pela aprovação do Orçamento. Com o atraso, 73% dos recursos não estão disponíveis, o que corresponde a R$14,4 bilhões. 

O Fundeb e demais Políticas Públicas voltadas à Educação Básica são temas latentes e que envolvem a sociedade civil, pois tratam do presente e do futuro do país. Qual seria a contribuição efetiva do ecossistema de impacto neste debate? Passos e articulações para serem acompanhados de perto.

Deixe um comentário

Digite seu comentário
Digite seu nome