Os negócios de impacto socioambiental vêm ganhando espaço no setor das ONGs como uma fonte alternativa de financiamento. O contato entre os campos parece, a primeira vista, incompatível. Enquanto o campo de impacto aplica modelos de negócio e pode visar lucro com suas atividades, a filantropia, tradicionalmente, não compreende atuação no mercado.

Todavia, nos últimos anos, zonas de encontro entre essas partes tem sido encorajadas, como destacou, por exemplo, José Marcelo Zacchi, em entrevista para a Aupa. Com isso, o setor já acompanha cases em que o investimento social privado tem encorajado novos negócios de impacto, seja em ONGs, mas também em Institutos e Fundações.

Apresentado no último Fórum de Finanças Sociais, a iniciativa Housingpact, do Instituto InterCement, é um exemplo de programa que potencializa negócios de impacto — no caso, ligados à moradia — no seio de um instituto tradicionalmente ligado ao terceiro setor.

Com essa aproximação, a pergunta no setor de finanças sociais fica no ar: seria o fim da Filantropia? Ou o início de uma mudança em suas formas de organização e captação de recursos?

Negócios de impacto como (mais uma) estratégia

Gabriel Menezes, presidente do Instituto Auá de Empreendedorismo Socioambiental, entende que o empreendedor social é aquele que se mobiliza por uma causa e atua, na maioria das vezes, sem finalidade de lucro. “A questão é que algumas ONGs, por falta de conhecimento ou preconceito com o termo empreendedorismo, restringem-se somente a convênios com poder público e doações de empresas ou pessoas físicas, o que pode refletir em planos de sustentabilidades fracos”, acredita.

Segundo o empreendedor, para financiar uma atuação como a de muitas ONGs, não se deve por todos os ovos numa única cesta, no caso, doações, convênios ou venda de bens e serviços. Para Menezes, é preciso captar recursos de fontes diversas para fortalecer a organização e impactar em sua causa.

“O Terceiro Setor é o que tem a maior possibilidade de formas diferentes de captação de recursos. Normalmente, porém, é o que tem o menor volume de recurso em termos gerais”, lembra Gabriel Menezes.

Ele explica que a proposta de atuar com empreendedorismo socioambiental pode servir para ampliar a autonomia e autossustentação das organizações, indo além da estratégia da maioria das ONGs de receber recursos apenas de governos e fundações privadas.

“Temos dois problemas nesse modelo tradicional da filantropia. O primeiro é que geralmente se trabalha muito mais pelo que o financiador idealiza do que por algo que se acredita”, comenta Menezes. “Além disso, esses financiamentos têm tempo de duração. Quando ele acaba, acaba o projeto, o trabalho, a equipe, o relacionamento com os parceiros, na verdade, é necessário ir atrás de outros editais para financiamentos.”

Como é atuar pelas duas frentes?

De acordo com Alex Siebel (foto acima), a filantropia apresenta certas vantagens em relação ao business no sentido de poder receber doações e ter fontes de recursos que não possuem carga tributária. Uma desvantagem, porém, é a recorrência desses recursos, que geralmente é pontual, sem uma duração permanente.

Siebel conhece bem os dois lados da moeda. Ele trabalha na ONG ARCAH, que resgata a cidadania de pessoas em situação de rua de forma integrada com a natureza. Também é sócio-fundador do negócio social POSITIV.A, que comercializa produtos e serviços baseados na economia circular e com apoio da agricultura familiar. A POSITIV.A funciona no modelo de Empresa B, uma organização que certifica empresas e busca usar a força do mercado para solucionar problemas sociais e ambientais.

“O ecossistema de filantropia das ONGs tende a diminuir enquanto os negócios sociais tendem a aumentar”, diz Alex. Ele acredita que negócios sociais podem sim substituir algumas ONGs. Porém, para ele há certos problemas sociais que dificilmente poderão ser solucionados a partir de negócios assim. Seria o caso da população em situação de rua com que trabalha a ARCAH. A organização, porém, mesmo dependendo da filantropia, vem desenvolvendo negócios sociais, que podem se tornar fonte importante de recursos no futuro. “Acho que podem existir modelos híbridos de fontes de recursos, ou seja, com negócios sociais funcionando dentro de ONGs”, considera.

É ONG ou não é?

O Instituto Auá é um caso emblemático desse modelo híbrido. A partir de 2013, começou um processo de transição, fincando os pés no empreendedorismo socioambiental e estimulando outros empreendedores.

Surgida em 1999 com o nome de Associação Holística de Participação Comunitária e Ecológica, a instituição mudou de nome dentro da nova estratégia. “Quando o instituto começa a trabalhar com empreendedorismo, não deixa de ser ONG. Inclusive, a ONG tem o mesmo CNPJ”, explica Gabriel Menezes, presidente do Instituto. “O que se conseguimos foi diversificar nossas fontes de receita e garantir sustentabilidade para ações ligadas às causas que defendemos.”

Menezes diz acreditar na proposta do economista e Prêmio Nobel da Paz Muhammad Yunus. O indiano é o criador do conceito de empreendimentos sociais que atuam com causa e com plano de negócios, mas sem fins lucrativos. Logo, algo diferente do que se tem defendido com o uso da termo negócios de impacto, que preveem o lucro (entenda a diferença aqui).

No Instituto Auá, quem trabalha é remunerado com valor de mercado, mas não há divisão de lucros. Todo excedente é reinvestido no negócio para gerar mais impacto. “Às vezes, o negócio tem proposta social, mas a finalidade é o lucro dos donos da empresa. Esse tipo posicionamento pode vir a gerar conflito na disputa entre propósito e lucro”, pondera. Hoje, o Instituto atua com projetos com o objetivo central de proteger e recuperar a Mata Atlântica.

Segundo o empreendedor, é possível transformar a realidade graças às mudanças no perfil de consumo — o que abre portas para os negócios sociais e negócios de impacto. “Acredito que a mudança no século 21 está na mão do consumidor. É uma revolução silenciosa e pacífica, mas efetiva. Na hora que decide o que fazer com o dinheiro, se gastá-lo com coisas sustentáveis, teremos uma civilização sustentável”, sonha Menezes.

2 comentários

  1. Olá Colegas, é preciso termos cuidado com reportagens que mostram apenas uma visão (das muitas possíveis) sobre este tema. Diversos autores têm procurado debater esta confluência entre OSCs, filantropia e negócios de impacto e todos têm procurado ter cautela em cravar destinos para esta agenda. Neste sentido recomendo alguns links sobre o tema: https://ice.org.br/oscs-e-negocios-de-impacto-aproximacoes-e-dilemas/ e https://ice.org.br/wp-content/uploads/2017/09/Li%C3%A7%C3%B5es-da-Pr%C3%A1tica.pdf
    Parabéns pelo canal e torço para que seja possível apresentar também olharem distintos sobre o tema dos negócios de impacto – de quem está engajado com o campo, de quem está engajado com o campo mas tem visões mais críticas (sobre soluções de mercado para enfrentar problemas sociais) e de quem está mais distante deste campo mas com interfaces com ele (ex: OSCs). Abraços

    • Que bacana receber um feedback tão qualificado quanto o seu! Nós tentamos trazer alguns olhares sobre o tema, de pessoas que circulam por ambas as pontas, mas é claro que há ainda outros pontos de vista que devemos contemplar. Dicas anotadas para as próximas reportagens sobre o tema. Obrigado!

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