Na estreia da coluna, quero falar de maneira mais introdutória e ampla sobre os principais desafios jurídicos enfrentados atualmente pelo setor de negócios de impacto. No decorrer das próximas publicações, irei detalhar temas relevantes para o ecossistema.
Como primeiro ponto, é importante dizer que, além dos desafios jurídicos que todos os empreendedores enfrentam no Brasil – principalmente os pequenos –, os negócios de impacto têm de superar outras barreiras jurídicas, como a falta de parâmetros legais para sua definição e a insuficiência de regras e regulamentação para fomentar o setor.
Na ausência de um conceito jurídico, cada stakeholder, como aceleradoras, incubadoras, investidores e certificadores, adotam conceitos diferentes, alguns mais amplos e outros mais restritos.
Em dezembro de 2017, por exemplo, houve um avanço muito importante para o setor, em decorrência da edição do Decreto nº 9.244/2017, que criou a Estratégia Nacional de Investimentos e Negócios de Impacto – Enimpacto –, que definiu os negócios de impacto como sendo empreendimentos com o objetivo de gerar impacto socioambiental e resultado financeiro positivo de forma sustentável.
Apesar desse avanço, ainda há certa insegurança jurídica, pois o decreto é um ato normativo de competência do presidente da República, que não tem a mesma força de uma lei e que pode ser revogado a qualquer momento por outro decreto. Considerando o nosso momento político, eu diria que a insegurança jurídica é ainda maior.
Além do conceito de negócios de impacto, também é necessária uma regulamentação jurídica prevendo critérios confiáveis para a mensuração de impacto, parâmetros de governança corporativa, regras de transparência com os stakeholders e compromisso de atuar em benefício da causa social ou ambiental a que se propõe. O objetivo dessa regulamentação é evitar que haja uma banalização do setor ou greenwashing, dado que a demanda atual dos consumidores exige que os negócios sejam sustentáveis e responsáveis nos âmbitos social e ambiental.
A falta de definição legal e de regulamentação também dificulta a criação de políticas públicas para incentivar o setor. É desejável que haja inclusão de critérios que facilitem os os negócios de impacto nas compras públicas, bem como no acesso para investidores, além da criação de instrumentos financeiros para fomentar tais negócios.
Como demonstrado pelo 2º Mapa de Negócios de Impacto elaborado pela Pipe.Social, as compras públicas representam uma parte relevante do PIB (de 10% a 15%), e muitos dos negócios de impacto trazem soluções de interesse público, como educação, saúde, coleta de resíduos, preservação ambiental e mobilidade urbana.
É importante lembrar também que, como os negócios de impacto são, em sua maioria, pequenos e médios e muitos dependem de investimento em tecnologia, a captação de recursos é essencial para sua sobrevivência e expansão, motivo pelo qual o investimento direto, via instrumentos financeiros ou via dívida, é muito relevante para o setor.
A qualificação jurídica dos negócios de impacto facilitará, portanto, o acesso dos empreendedores às compras governamentais e aos investidores. Irá fomentar toda a cadeia de valor do setor.
Outra dificuldade diz respeito à insegurança jurídica nas relações dos negócios de impacto com as entidades do terceiro setor. A parceria entre esses dois setores é imprescindível para o desenvolvimento do ecossistema, tendo em vista que tais entidades têm experiência relevante dentro dos setores social e ambiental. No entanto, como as entidades do terceiro setor gozam de benefícios fiscais, existem alguns limites que devem ser observados de forma a não perder esses benefícios. A falta de parâmetros legais desses limites tem levado a interpretações equivocadas por parte Receita Federal, como a de que as entidades do terceiro setor não estariam aptas a investir em negócios de impacto.
Dessa forma, apesar dos avanços recentes, ainda são muitos os desafios jurídicos a ser enfrentados para que o setor de negócios de impacto tenha a visibilidade que merece e necessita para se desenvolver.