Grandes queimadas e a queda na produção de energia são alguns dos impactos que refletem uma grave realidade brasileira: a redução da superfície de água em todas as regiões hidrográficas, em todos os biomas do país. De acordo com um levantamento de agosto de 2021, feito pelo MapBiomas, a superfície coberta com água no Brasil foi de 20 milhões de hectares para 16,6 milhões de hectares, entre 1985 e 2020, uma perda de mais de 15%.
De acordo com Carlos Souza Jr., pesquisador associado do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) e coordenador do MapBiomas Água, as mudanças climáticas devem ser o principal fator da seca deste ano. Segundo relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), atividades humanas, como a alta emissão de carbono na atmosfera, já causaram mudanças irreversíveis no planeta. Com o mais rápido aumento da temperatura global dos últimos dois mil anos, há consequentes eventos extremos, como ondas de calor, chuvas fortes e grandes secas.

“A atual crise hídrica vivida pelo país, com reservatórios das hidrelétricas atingindo os níveis mais baixos já registrados, é um dos resultados da redução da superfície de água. E, por causa da crise hídrica, também sofremos com o aumento no preço da energia elétrica”, explica o pesquisador do Imazon. Ele lembra que a bandeira tarifária “escassez hídrica”, cujo custo é de R$14,20 a cada 100 kWh, se dá pelo acionamento das usinas termelétricas, que produzem energia de forma mais cara e mais poluente.
Outros fatores apontados por Carlos também agravam a situação: a mudança no uso da terra, com o aumento da conversão de florestas para a agropecuária; o aumento da construção de represas em fazendas ao longo dos rios, usadas para irrigação ou bebedouro de animais, causando diminuição do fluxo hídrico; e, em maior escala, a construção de grandes represas para a produção de energia, o que deixa extensas superfícies de água sujeitas a evapotranspiração, ou seja, a perda de água para atmosfera.
Na Amazônia, bioma dono da maior bacia hidrográfica do mundo, a redução da superfície de água foi de 10,4%. Mas uma bacia do Centro-Norte brasileiro ganhou água – não que seja boa notícia. O MapBiomas aponta, em seu relatório, que o aumento de corpos hídricos está predominantemente associado à presença de hidrelétricas. É o caso da bacia Araguaia-Tocantins, onde está instalada a Usina Hidrelétrica de Tucuruí.
Cadê a água que estava aqui?
No período analisado pelo MapBiomas, o estado com a maior perda absoluta e proporcional de superfície de água foi o Mato Grosso do Sul, com redução de 57%. No ano passado, quando 26% do Pantanal foi consumido pelo fogo, devido a queimadas, 1,7 milhão de hectares de terra viraram cinzas no Estado. As consequências ficam a longo prazo: de acordo com o monitor de secas da Agência Nacional de Águas (ANA), todo território do Mato Grosso do Sul estava, em julho de 2021, em situação de seca grave, moderada ou extrema.

A região pantaneira tem enfrentado uma estiagem longa e preocupante. Leonardo Sampaio, gerente de Recursos Hídricos do Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul (Imasul), lembra que os períodos de baixa estação chuvosa são naturais no bioma, mas quanto mais longos, maior se torna o risco de queimadas. “O Pantanal tem sempre períodos de cheia e seca e, durante a estiagem, parte do solo permanece úmido. Por isso, em um regime normal, não há tantas queimadas. Mas com ciclos anuais de estiagem, o material seco do solo vira uma espécie de combustível para o fogo”, analisa.
Entre as ações humanas que também ocasionam queimadas estão as atividades agropastoris, apontadas pelos Ministérios Públicos de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso como quase 60% dos incêndios no Pantanal em 2020.
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Alternativas possíveis
De encontro à tradicional lógica mercadológica de esgotamento de recursos naturais, o negócio social de Anna Luíza Beserra promove a abundância para zonas que, historicamente, enfrentam secas, como o semiárido nordestino. Ao traçar parcerias com grandes empresas, o Aqualuz, uma das iniciativas do Sustainable Development & Water for All (SDW), financia uma tecnologia que garante até 30 litros de água limpa por dia para residências familiares. O tratamento é feito com o uso de um equipamento movido pela radiação solar.

O modelo de negócio do SDW envolve diagnóstico da situação das comunidades, implantação de tecnologias, capacitação da comunidade e monitoramento e já alcançou 11 Estados brasileiros. Outras tecnologias têm sido desenvolvidas, como um banheiro seco – ou seja, sem uso de água – e um dessalinizador de água – para áreas abundantes em água salobra. Segundo Anna, “A cada R$1,00 investido por empresas no SDW, R$14,00 retornam para a sociedade – em economia de água, acesso a saneamento e saúde”. Quem investe no negócio social, atualmente, busca cumprir normas de licenciamento ambiental e/ou quer melhorar o relacionamento com comunidades locais.
Em busca do equilíbrio
Para o pesquisador do Imazon, ainda é possível reverter o quadro de grandes perdas de água. O Brasil pode contribuir significativamente na agenda global reduzindo o desmatamento na Amazônia, que está no pior ritmo dos últimos 10 anos, e também acelerando a agenda de restauração florestal, ou seja, plantando árvores para proteger os rios e as nascentes do país. “Além disso, precisamos desenvolver um plano de ação multissetorial para mitigar fatores locais que estão comprometendo a disponibilidade dos recursos hídricos, como a existência de represas não licenciadas”, defende Carlos.
Por fim, ele reivindica o investimento em serviços ambientais e na abertura ao extrativismo sustentável. Na Amazônia diversas práticas extrativistas coexistem com a floresta e garantem renda para comunidades tradicionais, como as produções de açaí, castanha, cumaru e copaíba – exemplos de que é possível (e muito) ganhar com a floresta em pé, favorecendo a manutenção da biodiversidade e também o fluxo dos rios. E se ficarmos sem água, quem ganha?
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