Dados da Rede Nossa São Paulo apontam: o Covid-19 é mais letal para a população negra na capital paulista. Um levantamento da instituição cruzou dados de vários bairros e identificou que locais com mais pretos e pardos possuem mais mortes pelo vírus.

Jardim Ângela (60%) e Grajaú (57%) são os distritos com maior proporção de negros entre os habitantes e registram um alto número de óbitos por Covid-19, sendo 507 mortes – dados de 24 de junho, data em que a pesquisa foi divulgada.

Já os distritos com menor proporção de população negra entre os moradores, como Alto de Pinheiros (8%) e Moema (6%), apresentaram um baixo número de óbitos pela doença, com 110. 

Apoie o jornalismo crítico no ecossistema.

Segundo o levantamento divulgado pela revista Época, em parceria com a consultoria Lagom Data, 61% dos mortos por Covid-19 eram pretos e pardos, de acordo com os dados de 54.488 vítimas. Os números falam por si só. Apesar de o vírus não escolher suas vítimas por CEP ou raça, as vulnerabilidades que essas pessoas enfrentam potencializam a forma como a doença se materializa. 

Iniciativas para mudar essa estatística e ajudar pessoas, especialmente as negras e periféricas, que enfrentam o descaso do Estado, têm mobilizado diversas instituições. “Logo no início da pandemia, estávamos preocupados e acompanhando a questão da água podre aqui no Rio de Janeiro. Sabíamos que várias comunidades não têm abastecimento regular de água. Percebemos que essa era uma das necessidades”, afirma Debora Pio, coordenadora de campanha no Nossas, rede de ativismo para mobilização

Entrega de doação de cestas básicas, projeto Agora é a Hora. Crédito: Debora Silva.

Após detectar essas dificuldades, a organização percebeu que vários coletivos cariocas estavam fazendo financiamentos individuais para ajudar comunidades mais vulneráveis. Foi aí que tiveram a ideia de juntar todos os grupos para lançar uma campanha única com o objetivo de arrecadar fundos para compra de máscaras, kits de higiene e cestas básicas.

O financiamento coletivo Covid-19 nas Favelas arrecadou R$ 100 mil apenas na primeira semana, em março deste ano. Este montante já foi distribuídos para os coletivos que atuaram nas questões emergenciais das favelas. Segundo o Nossas, cerca de 2.600 famílias já foram ajudadas.

A campanha ainda está no ar, sem previsão de sair, já que a pandemia continua impondo necessidades aos mais vulneráveis. Os coletivos envolvidos na ação são: Coletivo Fala Akari, B.A.S.E, Coletivo Papo Reto, Conexão Favela e Arte, Maré 0800, Movimento Caxias, SAAF e União Coletiva Pela Zona Oeste. A plataforma já recebeu mais de R$ 250 mil.

“Incentivamos também que as pessoas que queiram doar uma quantia grande, também faça direto às instituições”,

comenta Debora Pio, do Nossas.

Ao mesmo tempo que o recorte racial é importante para entender como o Covid-19 impacta os diferentes públicos, também é necessário considerar os efeitos da intersecção raça e gênero. As mulheres negras, majoritárias em trabalhos domésticos, têm sido amplamente afetadas pela crise sócio-econômica escancarada pelo vírus. 

Segundo a pesquisa do Dieese “Quem cuida das cuidadoras: trabalho doméstico remunerado em tempos de coronavírus”, 46,0% das mulheres negras que trabalham em serviços domésticos são chefes de seus domicílios. O relatório afirma que “A necessidade de distanciamento social fez aumentar a carga de tarefas para muitas trabalhadoras, que também ficam expostas à contaminação, por permanecerem exercendo a atividade. Por outro lado, grande parcela foi dispensada do emprego por causa dos efeitos econômicos da crise e também por ser vista como agente de transmissão”.

Diante dessa realidade desigual, a ONG Criola, em parceria com Instituto Marielle Franco, PerifaConnection e Movimenta Caxias, criaram o Agora é a Hora, uma articulação para ampla de apoio de enfrentamento ao Coronavírus em comunidades vulneráveis do Rio de Janeiro, atendendo, principalmente mulheres negras.

Entrega de doação de cestas básicas, projeto Agora é a Hora. Crédito: Debora Silva.

Além da distribuição de mais de 5.000 cestas básicas, informação para prevenir o Coronavírus, além do suporte tecnológico e para resolver problemas de documentação – que impactam no acesso às políticas públicas – têm sido realizados. Mais de 40 lideranças do Rio de Janeiro foram treinadas para desenvolver as atividades frente às mais diversas comunidades cariocas.

Lúcia Xavier, coordenadora da Criola, ressalta os desafios específicos que as mulheres negras enfrentam no contexto pandêmico. “Para as mulheres negras há um fator complicado, pois elas cuidam dos doentes da família e ainda precisam gerar renda para sobreviver”, disse.

Ainda segundo Lúcia, a pandemia reforçou o distanciamento das autoridades públicas com a população. “As pessoas nem sabem quem são os Secretários, não sabem onde estão os serviços, pois não são visíveis”, afirma.

Para realizar as ações, a articulação conta com apoiadores, como Instituto Unibanco, Open Society e Instituto Social do Clima. E também doadores pessoas físicas.

Outro aspecto importante é como os negócios de empreendedores negros e negras são impactados pela pandemia. A Preta Hub, aceleradora do empreendedorismo negro no Brasil, mudou totalmente a forma de operar para continuar atendendo o público-alvo.

“Tivemos que remodelar praticamente tudo o que fazemos. Operamos no contexto off-line durante muito tempo. Temos tentado aprender os processos de digitalização. Tanto da perspectiva da infraestrutura e do letramento digital”,

comenta Adriana Barbosa, CEO da Preta Hub.

Um fundo emergencial com mais cinco organizações também foi criado para ajudar empreendedores negros ao redor do Brasil. “Já conseguimos captar R$ 800 mil para empreendedores e mais um percentual para organizações sociais. Estamos apoiando mais de 500 empreendimentos em 10 Estados”, conta Adriana. As organizações participantes são Instituto Feira Preta, Associação AfroBusiness, Agência Solano Trindade de São Paulo, Vale do Dendê Salvador, Instituição Afro-latinas de Brasília, FA.VELA de Belo Horizonte.

Neste cenário desafiador, a união entre diferentes coletivos e organizações é o ponto em comum das iniciativas. “O que ajudou a fazer o processo de financiamento foi nos juntarmos para não nos canibalizarmos. Foi uma estratégia para mitigar a questão que estamos vivendo”, ressalta Adriana Barbosa.

Outro lado

Em busca de mostrar uma outra perspectiva dos negros na pandemia, o publicitário e influenciador digital Gleidistone Silva decidiu criar uma websérie para mostrar a participação da população no combate ao Coronavírus.

“A gente sempre vai ser noticiado como o lado de quem está morrendo, mas precisamos dar espaço para essa galera que está protagonizando, reconhecer o trabalho que está sendo feito e serve de inspiração”,

conta Gleidistone.

A websérie #PretosNoFront conta com três episódios que abordam negros e negras em três frentes: saúde, mobilização e comunicação.  Segundo ele, os temas foram escolhidos tendo como base o que mais impacta a população. “Quero retomar talvez com um episódio para fechar pra entender o quanto isso foi devastador e implicou para a comunidade negra. É algo que estamos vivendo, ainda não acabou”, destaca ele. 

É possível acessar a websérie #PretosNoFront neste link. Os conteúdos também podem ser vistos no Instagram de Gleidistone.

Deixe um comentário

Digite seu comentário
Digite seu nome