O município de São Paulo é o mais populoso do Brasil, com 12,3 milhões de habitantes e residindo em 3.043 km². Quem vive nas bordas da cidade sente na pele as desvantagens sobre a mobilidade urbana. Apenas 18,1% dos paulistanos moram num raio de até um quilômetro de estações do metrô, trem ou monotrilho, segundo dados do Mapa da Desigualdade, de 2020. O levantamento indica que 29 dos 96 distritos da capital paulista não têm acesso ao transporte de massa.
Os dados mostram ainda a desigualdade nos distritos por meio do “desigualtômetro”. A desigualdade de acesso ao chamado transporte de alta e média capacidades é enorme: 194 vezes entre o melhor e o pior, segundo a pesquisa. Por exemplo: enquanto o bairro República tem 88% dos moradores com a opção de utilizar metrô ou trem, a Sé tem 86% e a Santa Cecília, 73%, respectivamente; por outro lado, a população de outros 29 distritos só pode contar com o ônibus.
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Mobilidade nas periferias
A Jaubra é conhecida como “o Uber da quebrada”. Trata-se de um aplicativo de mobilidade criado na Brasilândia, Zona Norte de São Paulo – região que foi vetada por algumas empresas de aplicativo de carro particulares – e, hoje, funciona como os aplicativos de mesmo serviço, como a Uber e a 99. Além do serviço de carros, o aplicativo oferece ainda o Jaubra Food, onde comércios na região podem se cadastrar e, assim, os motoristas da Brasilândia podem fazer as entregas. Há ainda o Jaubra Pay, uma carteira digital via aplicativo, onde o cliente coloca créditos via boleto e cartão de crédito, consegue realizar corridas e compras em comércios parceiros, além de transferir dinheiro para quem tem o aplicativo Jaubra.
Segundo Alvimar da Silva, fundador do Jaubra e ex-taxista, a ideia do aplicativo surgiu por ele não se conformar quando grandes aplicativos de mobilidade bloquearam o serviço na comunidade onde mora. Desde então, distribuiu cartões pela vizinhança e passou a receber pedidos de corridas dos moradores: “Temos o projeto de expansão. Em 2021, quando o aplicativo estiver funcionando 100% na Brasilândia, pretendemos iniciar a atuação em outras regiões de São Paulo, mas sempre focar em regiões que sofrem por não terem acesso a esses tipos de serviços”.
Por sua vez, presente em mais de 1.600 cidades brasileiras e contando com uma rede de 750 mil motoristas, o aplicativo de transporte 99 lançou a categoria 99 Poupa – cerca de 30% mais barata do que a categoria 99 Pop. A empresa também lançou o Guia da Comunidade em parceria com o Instituto Ethos. O documento tem como objetivo promover respeito e diversidade a mais de 20 milhões de passageiros e motoristas do aplicativo, além de contar com capítulos sobre o combate à discriminação a mulheres, negros e LGBTI+, entre outros grupos minorizados.
O guia ressalta direitos, deveres e comportamentos esperados na comunidade, além de fornecer dicas práticas e exemplos de situações. A meta é criar um círculo virtuoso de gentileza para uma plataforma e sociedade melhores – diminuindo, assim, casos de desrespeito durante as corridas. Segundo Davi Miyake, diretor-geral de operações e produtos da 99, nas regiões mais pobres da cidade de São Paulo (cuja renda é de até dois salários mínimos) houve um aumento de 33% no uso do app desde fevereiro.
“O aplicativo não bloqueia áreas e, por isso, está presente em todas as regiões. Recentemente, para atender a uma demanda crescente da periferia, lançamos a categoria 99 Poupa”, conta Davi.
Durante a pandemia do novo coronavírus, a 99 fez doação de R$4 milhões em corridas aos governos de todo Brasil para profissionais essenciais, além de incentivar as campanhas de doação de sangue para hemocentros de todo o país. “Demos descontos em corridas para 180 delegacias da mulher e fizemos uma parceria com a CUFA [Central Única de Favelas] para a entrega de alimentos doados para famílias de comunidades vulneráveis de São Paulo, como Paraisópolis, Heliópolis e Parque Santo Antônio”, relata Miyake. A 99 realizou uma pesquisa para entender como a pandemia impactou os passageiros que vivem fora dos centros expandidos. Segundo o levantamento, 20% daqueles que moram nas zonas periféricas afirmaram que não puderam fazer isolamento e trabalharam todos os dias; 32% fizeram de um a três meses de isolamento – ou seja, já retomaram suas atividades há, no mínimo, quatro meses.
A pesquisa também apontou que o uso de carros por aplicativo é o mais desejado (52%) e foi o meio de locomoção com maior aumento durante a pandemia. Mais da metade (55%) dos entrevistados no Brasil aumentaram o uso de aplicativos durante a pandemia.
Segundo Alvimar da Silva, os clientes do Jaubra são moradores de periferias, majoritariamente – pessoas que moram em comunidades e que são excluídas por alguns aplicativos. “Enxergamos que todos têm direito a usar as tecnologias. Se não existisse o preconceito, essas pessoas não seriam vetadas desse serviço. Alega-se que regiões de difícil acesso são consideradas áreas de risco, estas grandes companhias acham que os clientes não têm direitos a certos serviços”, diz Silva.
Tecnologia, gênero e raça/etnia
Falar de mobilidade e tecnologia é também tensionar questões de gênero e raça/etnia. Um levantamento da Olabi, organização social que trabalha para democratizar a produção de tecnologia, revela que 77% das mulheres negras em empresas de alta tecnologia alegam que precisam provar sua competência mais do que seus pares homens. A questão de grandes empresas de transporte não atenderem a periferia, por acharem arriscado, diz respeito ao preconceito de quem monta a programação.
De acordo com o estudo Por que tão poucos? Mulheres afro-americanas em STEM – Parte II: Por Números, em 2010, 27.576 mulheres negras obtiveram diplomas como engenheiras ou cientistas, o que representa 10,7% dos diplomas concedidos a mulheres nos Estados Unidos. Mas elas representavam menos de 1% do total de mulheres empregadas nessas indústrias, com 75 mil engenheiras e cientistas trabalhando em qualquer nível ou posição em suas áreas.
O Minas Programam é uma iniciativa criada para desafiar os estereótipos de gênero e de raça que influenciam a relação com as áreas de ciências, tecnologia e computação. Promovendo oportunidades de aprendizado sobre programação e priorizando aquelas que são negras ou indígenas.
Bárbara Paes, co-fundadora do Minas Programam, conta que a ideia do projeto surgiu com uma vontade de criar um espaço onde meninas e mulheres pudessem aprender sobre tecnologia de forma acessível, através do conhecimento de outras mulheres. “Em 2015, havia poucas opções de cursos em São Paulo que fossem ambientes que funcionassem para meninas e mulheres, principalmente aquelas que vêm de periferias, que são negras. O perfil de alunas é bem variado, em geral, temos participantes de 14 a 40 anos e priorizamos mulheres negras e vindas de bairros periféricos”, conta Paes.
O projeto Minas Programam acredita na importância da indústria da tecnologia, no que diz respeito à criação de tecnologias que não perpetuem racismo, machismo e outras formas de violências.“Achamos que o setor de tecnologia tem muito trabalho a fazer para ser mais inclusivo. Pesquisas mostram que mulheres negras e indígenas enfrentam dificuldades para acessar o mercado de trabalho e, mesmo quando elas têm a mesma formação, ainda são deixadas para trás”, observa Paes.
Em 2021, o Minas Programam pretende continuar realizando formações virtuais para meninas e mulheres negras. Além do curso de introdução à programação, o projeto vai focar em Ciência de Dados. “Nós já tivemos diversos cursos de introdução à programação, com turmas de mais ou menos 30 meninas por ano. Temos cerca de 150 alunas que ativamente constroem nossa comunidade, trocando informações sobre ciência, tecnologia e carreira. Também tivemos cursos de Python para dados, oficinas de JavaScript, WordPress, Segurança Digital, um grupo de estudos de tecnologia, gênero e raça, além de palestras, meetups”, comenta a co-fundadora.