O que a igreja fez e faz na Amazônia?
Em 2022 festejamos os 50 anos da Assembleia dos bispos de Santarém. Foi em 30 de maio de 1972 que a igreja atualizou e concretizou sua missão para a realidade amazônica. Exatamente nesse encontro que nasceram o Cimi (conselho indigenista missionário) e o CPT (Comissão Pastoral da Terra) sob a liderança de Dom Pedro Casaldáglia. Hoje, nós temos a consciência de que se não fosse isso, os índios teriam sido totalmente dizimados. E é bom a gente lembrar que em 1972, em plena ditadura militar, nossos bispos tiveram a coragem de iniciar essas 2 pastorais. E quando o Papa Francisco lançou o Sínodo da Amazônia em 2019, afirmou que nunca como hoje os direitos dos povos originários estiveram tão ameaçados. Isso mostra como a missão da igreja na Amazônia segue e continua sendo muito atual. O Sínodo foi um presente do Papa. Aqui está a grande preocupação pela ecologia: salvar a nossa casa comum, a nossa mãe terra que está sendo devastada pelo projeto capitalista que não vê outra coisa a não ser o lucro. Estou há 13 anos como Bispo de São Gabriel da Cachoeira, a diocese mais indígena desse país e que sobrevivem ainda 23 etnias, são faladas mais de 18 línguas e tem 90% das terras que já foram demarcadas e homologadas, onde ainda não entraram nem as madeireiras nem o agronegócio. Mas, estão de olho e não queremos que aconteça aqui o que está acontecendo em Roraima. É uma tragédia o garimpo invadindo a terra do povo Yanomami. Por isso, a igreja continua fiel a sua missão, marcando a presença junto aos povos originários e lutando contra a invasão do agronegócio e do garimpo destruidor do meio ambiente.
Qual a relação entre a fé cristã, a espiritualidade dos povos e a luta por direitos?
Aqui em São Gabriel e na Amazônia temos um principio que orienta nossa ação com os povos que diz: a boa nova dos povos indígenas acolhe a boa nova de Jesus. Antes da chegada dos missionários, o Espirito Santo estava agindo aqui. Por que todos os povos criados à imagem e semelhança de Deus trazem em si a imagem e semelhança que se manifesta nos valores culturais, nas suas tradições e no seu modo também de se relacionar com a transcendência que recebe tantos nomes pelos povos indígenas. É muito interessante o que aconteceu em São Gabriel. Os salesianos chegaram aqui em 1915 e os indígenas logo perceberam alguma diferença. Os caciques estavam cansados de brigar contra os brancos que só vinham para essa região para roubar e enganar. Para estuprar as indígenas, para introduzir o alcoolismo. Eles vinham para roubar e saíam. Os missionários vieram com outro espírito e os povos perceberam isso. Vieram para morar com eles, para partilhar dos seus conhecimentos. Então, os povos originários pensaram assim: vamos acolhê-los e aprender os conhecimentos que eles vêm nos transmitir. E depois com esse conhecimento, vamos lutar pelos nossos direitos. E foi o que aconteceu. O Cimi norteou toda a caminhada dos missionários nessa igreja. E é muito importante perceber que a organização dos povos indígenas e suas lutas também nasceu dessa orientação de respeitar a cultura e ajudar a conquistar seus direitos. Aqui, em São Gabriel, nasceu a FOIRN, a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro e que tiveram como primeira luta, a homologação da terra. E conseguiram a demarcação. Depois, veio a conquista da educação, da saúde e da organização política. Nós aprendemos com eles, são os guardiões da floresta e nossos mestres em ecologia. Devemos não só respeitá-los, mas aprender com eles.