Segundo historiadores, o Brasil foi batizado com o nome da árvore mais abundantemente encontrada em suas florestas – o Pau-Brasil – pelos colonizadores portugueses no século XVI. Hoje, entretanto, é raro encontrarmos o Pau-Brasil nas florestas nativas do país. Foi a intensa exploração e comercialização de sua madeira, destinada principalmente à Europa, que levou a espécie ao risco de extinção.

Tal fato vem há anos trazendo ao debate público o papel de países colonialistas no desmatamento de florestas tropicais. Esse debate foi reativado recentemente pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), após dizer que divulgaria uma lista de países, incluindo empresas estrangeiras, que compram madeira ilegal do Brasil.

Apesar das críticas à fala do presidente, que surgiram dentro e fora do país, questões importantes foram trazidas à tona. Quem financia o comércio de madeira extraída ilegalmente das florestas brasileiras? Por que essas atividades ilegais não estão sendo controladas? E como é possível combatê-las, prevenindo assim seus impactos negativos?

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Madeira ilegal e países com histórico colonialista: um problema ambiental secular. Crédito: Equipe de Arte Aupa

Rastreando o dinheiro
De acordo com Leonardo Sobral, gerente de certificação florestal do Instituto Imaflora, o comércio ilegal de madeira nativa gera impactos ambientais, econômicos e sociais – sendo que, “Nos três pilares, as perdas são irreparáveis.” Com destaque para as perdas de floresta, biodiversidade, e serviços ecológicos, além de dinheiro que poderia abastecer os cofres públicos, há ainda a perda de condições de vida dos povos que dependem das florestas em pé.

Mas o que move esse comércio é o interesse de algumas pessoas e empresas em obterem ganhos financeiros, sem se preocuparem que seja de forma destrutiva, desleal e insustentável. Para dar ‘nome aos bois’, diversas organizações da sociedade civil vêm rastreando o fluxo do dinheiro associado às atividades de desmatamento ilegal no Brasil.

A Global Witness, por exemplo, um instituto internacional de pesquisa sobre direitos humanos, já identificou que grandes bancos internacionais, como BlackRock, HSBC e Santander, têm emprestado ou investido bilhões de dólares em empresas que estão desmatando a Amazônia brasileira em grande escala. Martha Marcuson, porta-voz da Global Witness, explica que “As instituições financeiras que aportam nestas empresas são cúmplices na destruição da floresta e nos abusos de Direitos Humanos associados.”

Porém, os principais cúmplices da exploração predatória de madeira e seus impactos negativos são instituições brasileiras. Instituições como Banco do Brasil, BNDES, Bradesco e Itaú se destacam na lista de bancos que financiam empresas madeireiras, entre outras do setor florestal, que apresentam “risco de desmatamento”, de acordo com estudos da coalizão internacional Florestas e Finanças. Estes bancos alegam adotar critérios de melhores práticas ambientais, sociais e de governança em seus planos de investimento, conhecido como ESG – embora pareça mais ESG-washing.

Aliás, o financiamento de empresas que desmatam, feito por bancos nacionais e estrangeiros, aumentou 40% desde que o Acordo de Paris foi estabelecido, em 2015. Isto indica que os compromissos para controlar a degradação ambiental e as mudanças climáticas ainda não estão sendo levados a sério por instituições do setor privado.

“O setor privado precisa entender seu papel dentro desse ecossistema e buscar diminuir o impacto ambiental de suas operações,” diz Bruno Hisamoto, pesquisador do Instituto ClimaInfo e especialista em negociações ambientais internacionais. Mas destaca que o maior entrave no combate ao desmatamento e comércio ilegal de madeira, é a falta de fiscalização e ação do governo brasileiro.

“Se não tivermos controles efetivos que consigam barrar a comercialização desses produtos dentro e fora do Brasil, a demanda por madeira ilegal continuará grande, alimentando assim a derrubada ilegal de floresta.”

Rastreando dados públicos
Embora o presidente Bolsonaro tente culpar outros países, é nas regiões Sul e Sudeste do Brasil onde se concentra o maior consumo de madeira tropical do mundo – mais que o dobro do que é importado por todo o continente europeu. Especialistas também estimam que cerca de 70% da madeira extraída ilegalmente da Floresta Amazônica, bioma onde esse tipo de crime acontece com maior frequência, é destinada ao mercado interno. É comprada e transformada principalmente por indústrias da construção, móveis, papel e celulose, entre outros fins.

A falta de dados acessíveis sobre a origem e o destino da madeira nativa, sobretudo por causa do alto nível de ilegalidade, tem prejudicado ações de controle dessa atividade no país. Além disso, a tendência atual de flexibilização de leis ambientais tem facilitado ‘passar a boiada’.

Trecho da fala de Ricardo Salles, atual Ministro do Meio Ambiente, na reunião ministerial do dia 22 de abril de 2020, divulgada pelo Supremo Tribunal Federal em 22 de maio do mesmo ano. Crédito: Equipe de Arte Aupa

Em março de 2020, por exemplo, Eduardo Bim, presidente do Ibama eliminou uma barreira legal que existia há oito anos, liberando a exportação de madeira nativa sem a necessidade de autorização. E, embora o governo tenha R$59 bilhões para receber em multas ambientais, nenhuma multa foi cobrada nesse último ano – o que pode levar a uma sensação de impunidade, incentivando, assim, a atividade ilegal.

A insuficiência de verbas públicas para os órgãos ambientais é outro ponto crítico.

Desde 2019, órgãos vinculados ao Ministério do Meio Ambiente – responsáveis por ações de monitoramento, licenciamento e fiscalização ambiental – vêm sofrendo grandes cortes orçamentários. Apesar disso, o Projeto de Lei Orçamentária para 2021 prevê cortes ainda maiores para esses órgãos, podendo gerar um aumento nos crimes florestais e impactos socioambientais no país.

Para impedir que este risco seja aprovado pelo Congresso Nacional, 24 organizações da sociedade civil estão promovendo a campanha Floresta Sem Cortes.

Mudando a rota
Segundo Sobral, do Imaflora, a mudança dessa trajetória de degradação e ilegalidade é possível através da construção coletiva de soluções – por empresas, governos e a sociedade civil. O Imaflora, por exemplo, desenvolveu uma plataforma chamada Timberflow, que disponibiliza informações atualizadas e em “formato amigável” relativas ao transporte, ao processamento e à comercialização de madeira no Brasil.

“Através da obtenção de dados públicos – disponibilizados pelo IBAMA, pela Secretaria do Meio Ambiente, entre outros – nós reunimos e digerimos essas informações, e as tornamos públicas através da plataforma Timberflow,” explicou Sobral. Destacou também que a iniciativa tem como missão aumentar a transparência e o nível de legalidade no setor madeireiro. Mas observou que “comando e controle efetivo” pelos governos federal e estaduais, incluindo a garantia de orçamento para os órgãos de fiscalização ambiental, são essenciais para coibir a ilegalidade no setor.

A pressão popular é outro fator determinante no combate ao desmatamento e ao comércio ilegal de produtos florestais. “A sociedade civil tem um papel importante como indutora de transformações dentro das empresas e dos governos,” ressaltou Hisamoto, do ClimaInfo, uma das organizações participantes na campanha Floresta Sem Cortes. “Precisamos alinhar nossa atuação como cidadãos, consumidores e investidores para colocar mais força nessas demandas [por mudança] e exigir que as atividades predatórias sejam efetivamente combatidas e desincentivadas”.

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