André Lima: “Estamos retrocedendo em relação a 30 anos de construção de políticas ambientais. Isso torna mais desafiador a implementação de uma reforma tributária que olhe para a frente”

Ex-Secretário do Meio Ambiente do Distrito Federal e um dos fundadores do IDS apoia campanha #EstáFaltandoVerde, que propõe uma reforma tributária sustentável

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A política ambiental brasileira tem enfrentado diversos retrocessos e os números atestam o cenário crítico. Em 2020, o desmatamento teve um aumento de 9,5% em comparação ao ano anterior, segundo o Prodes-Inpe. Dados da plataforma Terra Brasilis apontam que, em maio, os alertas de desmatamento alcançaram a marca de 1.180 km², um aumento de 41% em relação ao mesmo mês de 2020, e a maior área de alertas desde o início da série do sistema Deter-B, do Inpe, em 2016.

Na esfera governamental, o recente exonerado ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, já defendeu, em reunião ministerial em abril de 2020, “passar a boiada” e simplificar regras ambientais, uma vez que a mídia está com atenção voltada à pandemia causada pela Covid-19. Alinhado ao ministro, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) é conhecido por se posicionar contra o avanço da demarcação de terras indígenas e a favor da liberação do garimpo nesses territórios, o que, atualmente, é proibido pela Constituição. Esses posicionamentos também se traduzem no Congresso Nacional, que se debruça para colocar em pauta projetos de leis que flexibilizam regras ambientais, como o PL 3729/04. Esse Projeto de Lei, que teve o texto-base aprovado pela Câmara dos Deputados, afrouxa o licenciamento ambiental, dispensando o documento para diversas atividades que impactam negativamente o meio ambiente.

Na contramão desses retrocessos, alguns movimentos surgem para incentivar políticas de uma economia verde em meio ao cenário adverso. O movimento #EstáFaltandoVerde, que prevê uma Reforma Tributária Sustentável, é um deles. Em nove propostas, as organizações participantes defendem um sistema tributário com regras simples e viáveis, socialmente justo e que permita transitar para uma economia de baixa emissões de carbono. A campanha é encabeçada por organizações como: Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), Instituto Akatu, Instituto Ethos, Observatório do Clima, Rede Advocacy Colaborativo (RAC), WWF Brasil, Instituto Clima e Sociedade (iCS), CDP, Instituto Escolhas, Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS), Centro Brasil no Clima e ISPN.

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Para falar mais sobre as propostas do movimento #EstáFaltandoVerde e da viabilidade do projeto em meio ao cenário de desmonte ambiental, conversamos com André Lima, advogado, ex-secretário do Meio Ambiente do Distrito Federal e um dos fundadores do IDS. Confira a entrevista completa:

AUPA – Quais as principais motivações para criar o movimento #EstáFaltandoVerde, que busca uma Reforma Tributária Sustentável?
André Lima – O principal motivo é porque a política tributária é um importante instrumento de fomento e incentivo de atividades econômicas. Aumentar ou reduzir tributos podem incentivar ou não determinadas atividades. Estudos que ajudamos a coordenar mostram que o Brasil, durante muitos anos – sobretudo, nas primeiras décadas deste século e na década de 1990 – deu muito incentivo às atividades altamente poluentes e intensivas em emissões de carbono. Inclusive incentivos para atividades como pecuária, consumo de agrotóxico e queima de combustível fóssil. Portanto, durante muito tempo, essas atividades se estabeleceram e se consolidaram com incentivos tributários, além de crédito também facilitado pelo Governo. Então, acreditamos que podemos caminhar por um outro rumo agora, ou seja, desenvolver incentivos para esta nova economia, que também pode gerar emprego, riqueza e prosperidade. Um estudo do WRI (World Research Institute) indica que, até 2030, é possível gerar mais de dois milhões de empregos só com atividades da economia verde e mais de dois trilhões de reais de agregação ao PIB com atividades sustentáveis. Os instrumentos econômicos, dentre eles, os incentivos fiscais e tributários, são importantes. A ideia da campanha é para chamar atenção dos parlamentares sobre a importância deste tema no contexto da reforma tributária.

AUPA – Qual o principal ponto que deve ser mudado na política tributária atual para que ela se torne mais sustentável e alinhada à Política Nacional de Meio Ambiente, de Biodiversidade e de Povos e Populações Tradicionais?
André Lima – São dois eixos centrais. O primeiro é proibir, ou reduzir gradualmente, incentivos tributários para atividades consideradas agressivas ao meio ambiente, como aquelas intensivas em consumo de energia e recursos naturais. Ou seja, vedar novos incentivos e reduzir os atuais para atividades poluentes. O outro eixo, que é muito importante também, é a identificação de novas cadeias produtivas e de atividades econômicas que mereçam incentivo na linha de energias renováveis, biocombustíveis, turismo ecológico e agricultura regenerativa. A ideia é canalizar os incentivos atuais das atividades econômicas predatórias, gradualmente e o mais rápido possível, para atividades consideradas sustentáveis que contribuam para a transição para uma nova economia.

AUPA – Temos um cenário de avanço no desmatamento da Amazônia, diminuição de recursos para políticas ambientais e propostas que afetam terras indígenas – como a permissão de atividades de mineração, que hoje são proibidas, mas acontecem. Todas essas ações pesam contra a implementação da reforma proposta por vocês? 
André Lima – Um ponto é a ilegalidade, o crime que precisa ser combatido com controle, fiscalização, sanções sérias e efetivas. Outro ponto é toda a agenda de incentivos. O que está acontecendo com a Amazônia, em relação ao aumento de desmatamento, e toda a des-política ambiental, só mostra que o Brasil está andando na contramão. Estamos retrocedendo em relação a 30 anos de construção de políticas ambientais. E isso, obviamente, torna mais desafiador a implementação de uma agenda positiva e uma reforma tributária que olhe para a frente. De fato, ela cria um ambiente desfavorável e muito difícil. Até porque, o mesmo Governo que está deixando de fazer a lição de casa – o Governo Federal -, está também deixando de implementar as ações de controle e de fazer investimentos na governança ambiental. Pelo contrário, inclusive, o Governo que está desmontando a governança ambiental é o mesmo que está pilotando a discussão da reforma tributária. Então, não é que uma coisa atrapalha a outra, é que as duas estão sendo conduzidas pelo mesmo Governo, que tem discursos, no mínimo, ambíguos. Se considerarmos os discursos mais recentes do ministro da economia Paulo Guedes, eles são no sentido de que os recursos devem migrar para atividades de tecnologia e sustentabilidade. Mas isso destoa e não é coerente com a prática de governança ambiental deste Governo, que não faz nenhum esforço para conter a predação – pelo contrário, o esforço está no sentido de aprovar legislações mais flexíveis e mais vulneráveis, e que consolidam e premiam crimes ambientais.

Uma vez que o Governo, sequer, faz a lição de casa, será difícil o apoio a uma reforma tributária que realmente olhe para o futuro da economia verde. 

AUPA – Uma das propostas é a criação de um Fundo de Desenvolvimento Regional Sustentável, que fala sobre aumentar a capacidade de investimentos em atividades econômicas sustentáveis nas regiões mais vulneráveis, como na Amazônia e na Caatinga. Como essa proposta pode ajudar na criação e apoio no desenvolvimento de negócios sociais feitos pela população desses locais?
André Lima – A proposta do fundo é canalizar recursos arrecadados do que seria o novo tributo do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) – agora não sabemos mais se será esse caminho -, mas a ideia de um fundo  de desenvolvimento sustentável regional é exatamente para tentar viabilizar o acesso a recursos e investimentos produtivos por comunidades locais para populações mais vulneráveis – como organizações ligadas a povos indígenas, quilombolas e agricultores familiares. É como se fosse um Fundo Amazônia, que embora esteja suspenso  e é muito voltado às ações de governança, a ideia é termos um fundo de desenvolvimento econômico para mobilizar atividades econômicas sustentáveis e verdes de restauração florestal e agroflorestal, cadeia da bioeconomia e da biodiversidade, o campo de turismo ambiental ecológico. Então temos uma série de atividades que geram renda e movimentam a economia. O Poder Público tem condição de reservar uma parte dos recursos arrecadados para investir nessas atividades e seu propósito, no sentido de redução das desigualdades regionais e da justiça social, é captar recursos junto a quem tem condição de pagar tributos e canalizar para aqueles setores e regiões mais carentes de investimento e de infraestrutura. 

AUPA – Outro ponto levantado pela proposta do movimento é que há atividades econômicas intensivas em emissões de GEE (Gases de Efeito Estufa), como nos setores de energia, agropecuária e transportes, que vêm recebendo isenções e incentivos fiscais há décadas e que continuam contribuindo para o aumento das emissões de carbono. Mudar essa lógica exige toda uma reestruturação do sistema. Como fazer isso?
André Lima – Primeiramente, é necessário vontade política. O básico e essencial é termos um maestro dessa reforma tributária, com esse propósito, que paute essa diretriz. Qual é a diretriz? Migrarmos de um sistema que incentiva atividades econômicas intensivas em queima de carbono, gradualmente e de forma ágil, para um sistema que incentive novas atividades geradoras de emprego e de baixa intensidade de emissões de carbono. Isso é uma decisão política que deve ser feita e a Constituição permite isso. No Art. 170 da Constituição, no inciso que menciona o meio ambiente como princípio da ordem econômica e financeira, é colocado que o Poder Público pode dar tratamento diferenciado a processos produtivos e produtos de acordo com a sua capacidade de impacto ambiental, portanto, isso já está dado, o que precisamos é trazer isso para dentro do sistema tributário. 

AUPA – Das nove propostas do movimento, qual você considera a mais urgente e por que?
André Lima – Bloquear novos incentivos para atividades predatórias, poluentes e intensivas em carbono. Precisamos de um programa para que os incentivos às atividades predatórias acabem. Isso já ajudaria muito as atividades econômicas verdes a se estabelecerem no sistema, porque, hoje, existe uma concorrência desleal. Por exemplo: o extrativismo do açaí paga um ICMS de 12% – às vezes, até mais – e a exportação de boi em pé paga 0 de ICMS, ou ICMS bem baixo. Isso é absolutamente injusto. Com isso, obviamente, que a atividade econômica com a floresta em pé fica menos competitiva em relação à atividade com a floresta derrubada. Quem derruba madeira e produz gado ganha mais dinheiro, pois paga menos impostos. Então, acredito que o mais urgente seja isso. Inclusive, aproveitar a aprovação da PEC Emergencial, pois ela diz que, em seis meses, o Governo deve estabelecer um mecanismo de corte e redução dos incentivos atuais. Portanto, usar critérios de sustentabilidade para redução desses incentivos é o mais urgente. Além disso, tem propostas importantes também, como tributar a queima de combustível fóssil, criar um tributo que pode começar quase insignificante e aos poucos vai aumentando, como também a proposta do IBS Ecológico, ou seja, canalizar recursos para Estados e Municípios, de acordo com a governança ambiental – ela é muito importante, pois aprimora esse aspecto nos municípios. 

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