Que os investimentos de impacto estão concentrados no eixo São Paulo-Rio, com ênfase na capital paulista, não é uma novidade. O próprio mapa da Pipe.Social revela essa desigualdade regional e estadual de aportes. Porém, num país de tamanho continental, como é o Brasil, potencialidades não faltam – e as peculiaridades dos territórios fazem toda a diferença, pois são sinônimos de oportunidades.
Ciente destas potencialidades impulsionadas pelos contextos territoriais do Nordeste, aliado à Economia Criativa e à força cultural, a in3citi, investidora social que fomenta inovação, compõe seu portfólio inspirado na máxima “O universal pelo regional”. Oriunda do Ceará, a in3citi explora seu entorno para a construção de suas propostas, embasadas em inquietações, como o fato de o estado ser um dos maiores do Nordeste, assim como é também mais árido. O Ceará é rico em capital humano, ao mesmo tempo em que é carente na retenção de talentos, apresenta forte presença em setores tradicionais da economia, porém afugenta inovação e inovadores.
“O Ceará sempre foi um balaio de contrastes – um cenário de seca e de povoamentos dispersos e pobres, ao mesmo tempo apresenta um capital humano pujante”, destaca Haroldo Rodrigues de Albuquerque Junior, sócio fundador da in3citi. “Onde há capital humano diferenciado, há lastro e Economia Criativa”, diz.
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Segundo o fundador, o modelo de negócio da in3citi nasceu para reverter a lógica econômica vigente. “Captamos recursos financeiros para startups de soluções digitais do Ceará com o propósito de gerar transformações sociais, ambientais e econômicas. Mas com uma diferença elementar, que reflete a maneira como entendemos impacto: ao investidor devolvemos o capital alocado, quatro anos depois, pois esse é o tempo esperado para que os negócios ganhem fôlego, para se tornarem escaláveis”, explana Haroldo. “Lucros e dividendos devolvemos em indicadores socioeconômicos gerados pelas próprias soluções das startups”, completa.
Impulsionamento
Com 8,8 milhões de habitantes, o Ceará ocupa a 6ª posição no ranking do Índice Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), de 2017. É também o estado com maior número de aprovados no vestibular do Instituto de Tecnologia de Aeronáutica (ITA), uma das provas mais concorridas do Brasil. Em 2018, das 110 vagas, 45 foram preenchidas por estudantes de Fortaleza, protagonismo que vem ocorrendo principalmente na última década.
Em 2018, Fortaleza foi reconhecida como uma das 500 cidades mais inovadoras do mundo (posição 423ª), segundo pesquisa da 2thinknow, agência de inovação australiana. “O mérito se dá devido às ações de mobilidade urbana, que geraram saltos significativos, em relação ao trânsito e ao conforto da população, como o bilhete único para o transporte público e o compartilhamento de bikes e carros-elétricos. Ou seja, há um ecossistema intelectual vibrante tomando decisões”, salienta Haroldo.
Uma curiosidade: apesar desses indicadores, o fundador da in3citi lembra que “O maior reconhecimento do Ceará para o grande público continua sendo o da qualidade indiscutível de seus sushimen – as estrelas anônimas por trás dos balcões dos melhores restaurantes japoneses do país”. Existe ainda uma questão de fundo preocupante nesta constatação: não são apenas sushimen que configuram a lista de exportação premium “Made in Ceará”.
“Vivemos uma fuga sistêmica de nossos melhores cérebros. Caso dos estudantes do ITA e também de centenas de jovens promissores e profissionais qualificados que partem para outros estados brasileiros e para o exterior, em busca de oportunidades ainda limitadas no Ceará. Perdemos, assim, o nosso maior ativo: o capital humano”, destaca Haroldo, que é categórico: “Há um desperdício do que existe de melhor no Ceará, sua gente. E todo desperdício é um erro de design. Isso acontece, em grande parte, devido ao descompasso entre o desenvolvimento da educação e o de uma economia produtiva pujante para absorvê-los”. A fuga de cérebros leva também o olhar do investidor, formando-se um ambiente com baixas chances de atração de aportes e investimentos.
Além disso, a dinâmica de uma nova economia centrada no ganho da sociedade, e não no dinheiro, afugenta uma geração que só aprendeu a valorizar retornos financeiros. “Mas é preciso avançar na percepção de que fechar a conta social traz benefícios diretos para todos, incluindo o investidor. Não é só uma questão de ser afeito a causas – se muitos colapsam, uma sociedade inteira colapsa. E mudar esse paradigma é a missão da in3citi”, reforça o fundador.
A experiência em Sobral
O Ceará é um notável exportador de cérebros, devido à cidade de Sobral, que apresenta o melhor desempenho na Educação Básica brasileira, segundo o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), de 2017. Sobral é uma das maiores economias do interior do estado, com considerável potencial de desenvolvimento: tem o 4º Produto Interno Bruto do Ceará (correspondendo a 3,01% de participação do PIB cearenses de 2017) e o segundo Índice de Desenvolvimento Humano por Município (0,714) no estado. Vale ressaltar, contudo, que a cidade é ainda bastante marcada pela desigualdade socioeconômica.
“Em Sobral, há uma geração de jovens já educados em um alto padrão de excelência – basta ver os indicadores nacionais da educação pública do Brasil. Porém, a economia do município permanece a mesma”, avalia Haroldo. Em 2017, a in3citi apresentou ao Poder Público Executivo de Sobral um projeto para implantar um plano integrando planejamento urbano de médio prazo, projetos de sustentabilidade ambiental e ações imediatas em mobilidade com potencial de consolidar a cidade como um polo de vanguarda e destino preferencial de investimentos. “O fluxo financeiro seria sustentando numa operação de crédito externa. O modelo de negócios do projeto teria alto potencial de replicabilidade em cidades de médio porte do Brasil”, explica.
Fato é: em 2018, a Prefeitura de Sobral assinou um contrato de empréstimo internacional com o Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF), no valor de US$50 milhões. Assim, o Programa de Desenvolvimento Socioambiental de Sobral (PRODESOL) tem como objetivo principal melhorar a qualidade dos serviços públicos por meio de investimentos em saneamento básico e ambiental, gestão socioambiental e requalificação da infraestrutura urbana do município. No que diz respeito ao contrato com o CAF, a Prefeitura de Sobral pôde celebrar um convênio de cooperação técnica não reembolsável, focado na cadeia circular da economia do lixo e na mobilidade urbana sustentável.
“A in3citi foi contratada pelo banco CAF, em 2019, e ficou responsável em desenvolver e modelar uma nova economia circular dos resíduos sólidos (lixo), no município”, explana Haroldo. A ação abrangeu: (a) caracterização, diagnóstico e projeções sobre o potencial econômico de coleta seletiva e reciclagem dos resíduos sólidos da cidade de Sobral; (b) modelo de programa de coleta seletiva para a cidade de Sobral baseado em incentivos e bonificações; e (c) projeto conceitual de aplicativo móvel para promover a coleta seletiva de resíduos sólidos para a cidade de Sobral.
“É nesse ambiente em implantação que Sobral induz Políticas Públicas inovadoras, sendo capaz de iniciar um círculo virtuoso de investimentos privados, para além da área de educação, fixando seus jovens talentos e ‘repatriando’ sua gente.”
A chave estratégica: parcerias
A atuação da in3citi está ligada às trocas entre Fortaleza e São Paulo, sendo nesta última capital, mais precisamente, o bairro de Pinheiros, na Zona Oeste. Além de ter a Pipe.Social e o Quintessa como parceiros de “primeira hora”, a in3citi compartilha o mesmo espaço de negócios de impacto no Civi-co.
Enquanto investidora, a in3citi tem como necessidade um portfólio de negócios para investimentos. Até o momento, a empresa aportou em negócios early stage, cuja necessidade é aprofundar e validar os respectivos modelos de negócio, organizar e sistematizar a gestão, buscar o engajamento do time, além de identificar o perfil de seus líderes. E, para isso, ter uma aceleradora para apoiar as tomadas de decisão dos investimentos faz toda a diferença. “Esse foi o nosso encontro: uma catalisadora de investimentos e negócios de impacto do Ceará para o Ceará, e do Ceará para o Brasil e o mundo (lembre-se, do universal pelo regional!), com a maior vitrine de negócios de impacto do Brasil, a Pipe.Social, e uma das excelências em aceleração de impacto do país, o Quintessa”, pontua Haroldo.
Esta parceria deu fruto ao produto Territórios de Futuro, da in3citi, que roda desde 2018. Trata-se de uma chamada nacional de negócios de impacto, onde a plataforma da Pipe.Social faz a atração dos negócios que querem fazer sentido no Ceará. Após o pipeline, os negócios que potencialmente receberão investimentos da in3citi (ou co-investimento) passam por uma aceleração com o time do Quintessa. “Entre 2018 e 2019, a plataforma Nina passou por essa trilha, por exemplo. Entre 2019 e 2020, estão passando a Eco PanPlas e HY sustentável”, exemplifica Haroldo. Mesmo com a crise atual, a in3citi não deve descontinuar estes investimentos – tanto que em setembro será lançada a chamada Territórios de Futuro 2020.
Investimento de impacto no Nordeste
Quem transita pelo ecossistema de impacto e acompanha os relatórios sabe da concentração dos investimentos de impacto no Sudeste, sobretudo em São Paulo. Este fato evidencia não só desigualdade nos aportes, mas também oportunidade perdidas de negócios, sobretudo se considerarmos as potencialidades dos territórios. Diante deste quadro, o fundador da in3citi explica: “Aqueles que proporcionam retorno financeiro aliado ao impacto social, podem ajudar a resolver os grandes desafios do nosso tempo. Estes investidores têm também relação direta com alguns dos pilares mais importantes da sociedade, como acesso à Educação, a inclusão social e as relações do homem com o meio ambiente, promovendo a tão falada economia do bem-estar”.
A fundação da in3citi trata também deste quadro desproporcional, já que uma das missões da empresa é justamente ser protagonista em negócios de impacto no Ceará e também no Nordeste. “Queremos que isso faça sentido dentro do estado do Ceará, valorizando negócios que gerem riqueza dentro do estado do Ceará”, enfatiza. “Há uma necessidade urgente de colocar os investimentos de impacto, de fato, no mapa do Brasil. É uma questão de equidade!”, comenta ele unindo as demandas regional e nacional.
Mas a pergunta que suscita é: os investidores estão preparados para essa ruptura? “Sou otimista. Estamos numa transição que tem sido acelerada também pela pandemia. Até então, havia certa curiosidade em alguns, com olhar para essa tendência de investimentos de impacto. E esse olhar ainda gerava muita desconfiança, pois, precisava de uma lupa mais apurada”, contemporiza Haroldo diante do obstáculo encontrado pela in3citi e outras empresas fora do eixo Sudeste-Sul. Em meio às movimentações de iniciativas com trabalhos isolados, há também uma discreta ressignificação de carteiras de investimento, processos, produtos, incorporação de novas tecnologias, bem como um novo propósito dentro dos próprios negócios. Outros apresentam-se mais resistentes, indagando até que ponto esse investimento vai gerar retorno para equilibrar o balanço. Por fim, os mais céticos, são focados em sua cartilha embasada no modelo tradicional. “Não se pode esperar a tempestade passar ou, como queira, a pandemia terminar. Todos os líderes de negócios vão ter que enfrentar de peito aberto essa tempestade. Ou enfrenta ou afundará”, avalia. “Aqueles em transição, devem acelerar. Já, daqueles que estão preparados para afundar, nascerão outros negócios completamente diferentes. Essa vai ser a grande transformação”, completa Haroldo.
“Há uma revolução em andamento, a humanização da tecnologia. A porta de entrada dessa mudança é o conhecimento. Somos responsáveis pela transformação da qualidade de vidas da nossa gente”.
E o contexto pós-pandemia?
Embora acredite que o tempo pode ser um ótimo mestre diante de bons alunos, Haroldo é pragmático quanto aos questionamentos sobre o futuro. “Não há respostas concretas e isso só aumenta a aflição”, destaca. “As empresas tradicionais com estratégias enrijecidas, não atentas aos movimentos da sociedade e da pesquisa científica, sofrem”, observa ele.
Historicamente, crises tendem a acelerar processos de mudança. E com o ecossistema de investimentos e negócios de impacto isso não é diferente. Não há como saber se o futuro será melhor. Haroldo cita Amy Webb futurista fundadora e CEO do Future Today Institute: o momento atual não é de previsão, mas, sim, de preparação para o que vem a seguir. “Precisamos de menos certezas e mais experimentação. É esse o recado aos investidores: que experimentem e diversifiquem seus ativos. Apostem em um capital mais paciente, pois, com certeza, terão grandes surpresas e muito mais do que somente retorno financeiro”, enfatiza o sócio da in3citi.
Se por um lado, o contexto de instabilidade pode pedir cautela, por outro, os desafios podem abrir caminho às possibilidade e experimentações diante de problemas ainda não completamente apresentados. “As tendências são pontos de referência para ajudar a antecipar estados futuros em um mundo onde a incerteza se aproxima. Assim, aproximam-se contextos disruptivos”, explica Haroldo. “Com ousadia, devo dizer que surgem mudanças radicais na sociedade. O segredo é inovar. Inovação não é acessório: é compreender os fundamentos do ecossistema e prover uma visão sistêmica, aproximar à Ciência”, completa ele. Para Haroldo, o momento é de investir pesadamente em negócios inovadores e geradores de impacto positivo nas pessoas e nos seus territórios. “Sem inovação não haverá futuro – e, aliás, essa é a melhor maneira de mudar”, finaliza.
Todas as imagens desta reportagem são do período anterior à pandemia causada pela Covid-19.