Um dos desafios do ecossistema de impacto no Brasil continua sendo trazer a grandes corporações a discussão e a tese de impacto positivo. Um dos pontos nevrálgicos desta discussão está na capacidade, ou não, dessas empresas mudarem a chave de compreensão. Como corporações podem incluir o impacto socioambiental positivo na sua cadeia de valor? Ou até mesmo desenvolver novos produtos e serviços balizados por esse novo propósito?

Um dos cases mais conhecidos, neste sentido, continua sendo da água AMA, produzida pela Ambev. O total do lucro com a comercialização das garrafas de água são convertidos para projetos de acesso à água potável no semiárido brasileiro. Atualmente, o lucro com essa operação passa dos R$ 2,6 milhões, segundo a Ambev.

Um longo caminho

A aproximação de grandes empresas a este ecossistema, no entanto, ainda é feita com cautela. Neste sentido, é possível fazer um paralelo sobre a relação de negócios de impacto com a filantropia. A hipótese  é de que esses empreendimentos não são substitutos do terceiro setor, embora existam exemplos de ONGs que tenham migrado para modelos de negócios.

Semelhantemente, não há a expectativa de que gigantes corporativas se convertam para negócios de impacto. Pelo menos é essa a análise de Graziela Comini, professora da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP).

“Elas têm um papel muito mais de fomento, portanto. É importante pensar em contratar fornecedores locais para estimular inovações que as grandes não conseguem criar, justamente por serem grandes”, comenta Comini.  “Essa seria um meio de lidar com alguns problemas que as empresas têm na sua cadeia, como reciclagem, por exemplo. Há soluções para essas questões em negócios de impacto, que podem ser contratadas.”

A sugestão de Comini é uma das presentes no manual Oportunidades para Grandes Empresas: Repensando a forma de fazer negócio e resolver problemas sociais. A publicação é fruto de uma parceria do Sense-Lab com a Aliança pelos Investimentos e Negócios de Impacto, lançado durante o Fórum de Finanças Sociais deste ano.

Segundo o manual, ainda que uma companhia não se adeque enquanto negócio de impacto, ela poderia apoiar o ecossistema por meio de compras, por exemplo. Mas também por participações, doando ou emprestando e oferecendo garantias. Para além de recursos financeiros, garantir acesso à infraestrutura, metodologias, inteligência ou, até mesmo, a sua rede de clientes pode ser fundamental.

Caminho curto?

Embora essa discussão esteja sendo conduzida com proeminência, o movimento das empresas é “paquidérmico”, segundo Comini. Ainda não se multiplicam os casos de grandes empresas que trazem teses de impacto para seus modelos de negócio.

Todavia, ainda que lento, há movimento. Praticamente, em uma lógica  de fora para dentro, são as Fundações e Institutos vinculados a essas empresas que têm puxado o tema para o centro das decisões. Elas próprias têm testados algumas soluções neste sentido.

Impacto na cadeia de valor

Um dos exemplos disso está ocorrendo dentro da InterCement. Ligada ao Grupo Camargo Corrêa, a InterCement é vice-líder no mercado brasileiro de cimento. Atualmente representada pela diretora executiva Carla Duprat, a agenda de seu instituto tem levado a empresa a experimentar com  negócios de impacto. Com isso, algumas preocupações socioambientais passam a ser incluídas com mais ênfase na sua cadeia de valor.

Em 2011, a indústria de cimento respondia por 7% de emissões globais de CO2 no mundo. Segundo o Batelle Memorial Institute, o cimento emitirá, em 2050, 5 bilhões de toneladas de dióxido de carbono na atmosfera, devido ao aumento populacional e aumento da demanda da construção civil.

Segundo seu relatório de performance ambiental, a InterCement emitiu globalmente 13 milhões de toneladas de CO2 na atmosfera em 2017. É a mesma quantidade de 2016. Em 2015, foram 15 milhões.

Do ponto de vista social, uma fábrica de cimento é um colosso instalado em cidades pequenas e geralmente não emprega muita gente. Um estudo da Universidade de Brasília, de 2008, relata que a chegada da fábrica Ciplan em Queima Lençol (DF) ofereceu trabalho para apenas 19 pessoas diretamente e 28 indiretamente.

Segundo o vice-presidente de negócios da InterCement, André Schaeffer, a discussões sobre os impactos negativos que a indústria gera vem ocorrendo, internamente, há 10 anos.

“A maioria das empresas começaram a agir pela inviabilidade econômica de continuar causando impacto ambiental”, comenta André. “No nosso caso, o catalisador foram as pessoas mesmo. O movimento começa por ter alguém na empresa que chame a atenção para pensarmos no nosso impacto socioambiental. Aqui, a Carla [Duprat] tem um papel fundamental nisso.”

A fala de André demonstra o papel do Instituto em trazer para o centro da discussão o objetivo do impacto socioambiental positivo. Na InterCement, segundo o vice-presidente, tem-se identificado há oportunidades de avanços nas cadeias de produção. Exemplos práticos: o fomento na produção local de alimentos e uniformes que abastecem suas fábricas ou o uso de combustíveis alternativos na queima do cimento.

Os negócios de impacto, porém, têm se oferecido como ferramentas para lidar com alguns desses problemas. A InterCement vem experimentando com esses modelos. Desde 2015, mais notoriamente, é fornecedora de cimento do Programa Vivenda. Em 2017, a companhia deu início a um estudo sobre o desperdício de materiais no projeto, com objetivo de melhorar a eficiência e testar tecnologias.

Também em 2017, a InterCement compôs junto ao grupo Fundações e Institutos de Impacto (FIIMP) iniciativas de empréstimos e participações em negócios de impacto. A companhia desenvolveu junto à Din4mo Ventures e outros cinco institutos a experiência de equity crowdfunding que atraiu R$ 1,7 milhão às startups +60 saúde e ao programa Vivenda.

Em 2018, durante o Fórum de Finanças Sociais, a InterCement anunciou a iniciativa Housingpact. André comenta que o programa está ainda embrionário e, portanto, não pode ser avaliado. Mas em linhas gerais, é um convite para outros atores da construção civil para fomentar soluções de moradia e sustentabilidade junto às startups de impacto. Fazem parte da ação também BASF, Duratex, Neogera, Impact Hub e Fundação Espaço Eco.

“O olhar da empresa muda quando vier um impacto econômico neste assunto. E, por isso, a InterCement está trazendo a questão do impacto um pouco para o core business da empresa”, comenta André. Uma forma é gastar 100 milhões de dólares num projeto ambiental que não tem retorno econômico. Outra é gastar 200 milhões de dólares num projeto que gera impacto socioambiental positivo com um retorno de 300 milhões. Para esse eu nem preciso perguntar [por permissão].”

A iniciativa demonstra na InterCement a intenção de trazer negócios de impacto para a cadeia. “O que a gente quer com esse projeto [o Housingpact] é juntar empresas do setor de construção com mentalidade de investimento ambiental e social como a nossa. O objetivo é escalar essas soluções”, revela André.

Na próxima reportagem, detalharemos como se deu a experiência com negócios de impacto na Fundação Boticário. Por lá, o case é o projeto Araucária+.

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