Em um ano, o número de negócios de impacto no Brasil praticamente dobrou. Esta é uma das constatações feitas pelo 2º Mapa de Negócios de Impacto, a principal publicação sobre o cenário no Brasil, assinada pela Pipe.Social. Enquanto a primeira edição do estudo, de 2017, mapeou 579 startups, a que foi lançada em março deste ano identificou 1002 negócios que visam o lucro atuando para melhorar pelo menos um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU para 2030.

Isso, porém, não quer dizer que a situação do empreendedor ficou mais fácil. Ou que o aumento signifique um maior número de empresas bem-sucedidas. Dos negócios de impacto que foram mapeados nessa segunda edição, 9% estão no estágio mais avançado, o de escala. Ou seja, apenas noventa estão estruturados, apresentam um crescimento sólido e são referências para o setor.

A maior fatia, 21%, encontra-se em um dos momentos mais cruciais da jornada empreendedora: o de organização do negócio, que significa que o produto está validado e com clientes, mas ainda é preciso arrumar a casa.

Somado com os 14% que estão no estágio de ganhar tração (ou seja, de engrenar o negócio) e com os 11% que ainda estão no MVP (sigla em inglês para Mínimo Produto Viável, o primeiro estágio após a validação da ideia), a quantidade de empreendedores de negócios de impacto que ainda está batalhando para fazer acontecer é quase metade.

Os dados que mostram que os negócios de impacto ainda não decolaram no país também revelam a necessidade dos empreendedores de apoio por parte do ecossistema. A pesquisa da Pipe.Social mostrou que 50% dos negócios já quiseram ser acelerados, embora ainda não tenham tido acesso a nenhum programa de aceleração.

“É desafiador a questão de não haver aceleração em quantidade, ter poucos agentes especializados em acelerar negócios de impacto. Você vê uma evidente oportunidade em apoiar negócios claramente desassistidos, como os de periferia ou liderados por mulheres. Além disso, tem muita startup precisando de apoio no early stage, e tem aceleração que não olha para quem está muito pequeno”,

Mariana Fonseca, cofundadora da Pipe.Social

Visando essa fatia do mercado, a organização lançou recentemente a Piper, uma comunidade para empreendedores de impacto, em que os membros têm acesso a mentorias, eventos e conhecimento básico sobre empreendedorismo por meio do pagamento de uma mensalidade de R$ 85. A iniciativa foi ao ar no início de 2019.

O modelo da Piper, em que o empreendedor paga para receber informação, não é único. A contrapartida financeira é a solução mais difundida entre as aceleradoras brasileiras. É o que mostrou a edição de 2017 do Guia 2.5, publicação organizada pela aceleradora Quintessa, que observa o ecossistema de apoio dos negócios de impacto. De todos os programas, 59% são pagos.

“Isso acaba sendo um impeditivo para quem está no estágio de validação porque ainda não está gerando caixa”,

Anna de Souza Aranha, diretora do Quintessa

A realidade por trás desse número revela um dos principais problemas encarados pelas próprias aceleradoras: ter um modelo de negócio saudável.

O dilema das aceleradoras

Uma pesquisa feita em 2016 pela maior rede de startups do planeta, a Gust, consultou 579 aceleradoras do mundo todo para mostrar que o modelo mais difundido, em que as as startups recebem aportes de dinheiro e conhecimento em troca de equity (porcentagem da empresa), não tem funcionado em termos de retorno financeiro.

O estudo mostrou que as aceleradoras investiram US$ 207 milhões em 11.305 startups em 2016. Apenas 7% dessas aceleradoras afirmaram ter tido retorno em cima do capital investido como a principal fonte de receita. O motivo é claro: a demora para uma startup em estágio de aceleração começar a faturar alto e retornar o investimento para os shareholders. A conta não fecha.

Ainda que seja excludente para o empreendedor no início da jornada, no Brasil, a solução mais difundida para garantir o sustento das aceleradoras é o modelo “pague por apoio”. Ainda segundo o Guia 2.5, 23% das aceleradoras e incubadoras se valem do formato ajuda em troca de equity e apenas 18% rodam o programa de aceleração de forma gratuita.

A solução que tem sido encontrada por diversas aceleradoras ao redor do globo é fazer parcerias com grandes empresas. Foi o que também mostrou o estudo publicado pela Gust, ao afirmar que quase 40% da receita das aceleradoras vinha de patrocínio ou programa de parceria com grandes corporações. No Brasil, várias contam com esse modelo de apoio externo formado por fundos para sustentar a operação, como é o caso da própria Quintessa.

Mais quantidade não significa melhor qualidade

Apesar da inerente dificuldade de se manter em pé, a oferta de programas de aceleração vem se mostrando cada vez maior ao longo dos anos. De acordo com a edição de 2017 do Guia 2.5, até 2012 doze organizações promoviam a aceleração desse tipo de negócio. Em 2017 esse número saltou para 34.

O aumento, para Anna de Souza Aranha, deve ser olhado com cautela. “Uma primeira reação é positiva, no sentido de que tem muito mais opção para o empreendedor. No entanto, temos sido bem provocativos porque algumas aceleradoras exigem dos empreendedores fazer um bom pitch, falar com transparência da sua proposta de valor, ter clareza do diferencial competitivo, mas não fazem a própria lição de casa. O que é negativo é que tem novos players que tocam o assunto ou com superficialidade ou com pouca responsabilidade.”

Uma das recomendações que Anna faz a qualquer empreendedor que esteja prestes a se candidatar a um programa é não parar na palavra “aceleração”, e sim analisar a fundo o programa. Qual o time que irá ajudar? Haverá mentoria? Qual a frequência dos encontros? “O tempo dos empreendedores é um dos bens mais valiosos que eles têm. Não importa que o programa seja gratuito. Se coloca o empreendedor numa sala e não agregou valor, você prejudicou esse empreendedor”, completa.

Entre as iniciativas recentes, uma que vale o destaque é a Aceleradora de Negócios de Impacto da Periferia (Anip), um programa da aceleradora Artemisia feito em parceria com a produtora A Banca e o Centro de Empreendedorismo e Novos Negócios da FGV. Nascido em 2018, a Anip encontra-se hoje em sua terceira turma de acelerados, em um programa que conta com encontros temáticos presenciais, acompanhamento individual e mentoria pós-aceleração. Além disso, há a possibilidade de os empreendedores receberem um capital-semente de R$ 20 mil.

Anunciados em abril, os dez novos acelerados selecionados entre 168 candidatos estão espalhados por várias regiões periféricas de São Paulo, agregando negócios das zonas leste, norte e sul. Entre as startups selecionadas, 60% são lideradas por mulheres.

 

“Entendemos que é preciso ter muita responsabilidade, respeitar as necessidades locais e construir soluções de apoio que de fato favoreçam o crescimento dos negócios, empoderando quem realmente tem propriedade e conhecimento para estar na ponta, que no caso é a Banca. Nosso papel é contribuir, apoiar a Banca nesse processo”,

Priscila Martins, Relações Institucionais da Artemisia

 

Como todo cenário que envolve os negócios de impacto no Brasil, a questão da aceleração é complexa. Há indícios de que a necessidade de apoio por parte dos empreendedores acompanha o crescimento das startups do setor. A oferta de programas de aceleração, efetivos ou não, também vem aumentando e atrai olhares de grandes corporações que querem aliar seu nome à possibilidade de gerar impacto positivo na sociedade. Quais frutos esse ainda jovem mercado irá colher? O tempo e muito trabalho dirão.

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