Quem é que paga?

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O Empreende Aí ocupa a importante função de oferecer formação empreendedora para as periferias de São Paulo. Mas o erro foi imaginar que a própria periferia bancaria seus cursos.

Texto Tiago Mota | Fotos agência Ophelia | Vídeo Ação Luz

“Eu tinha um emprego. A Jennifer tinha um emprego. E a gente passou madrugadas consertando o nosso negócio.” Não seria raro que outros empreendedores e empreendedoras sociais se identificassem com o relato do casal de fundadores do Empreende Aí, Luís Henrique Coelho e Jennifer Rodrigues. O negócio deles nasceu para levar para as periferias os cursos e as formações em empreendedorismo cuja oferta é tão grande no centro. Seus alunos seriam jovens que gostariam de empreender e bancariam, eles próprios ou sua família, os cursos. Ledo engano. O tempo mostrou que esse não seria o público pagante do Empreende Aí. Logo o casal teve de voltar para a prancheta para reestruturar o negócio.

A Empresa

Nascido e criado no bairro de Jardim São Luís, na Zona Sul de São Paulo, Luís Coelho estava no fim do curso de Administração, entre 2013 e 2014, enquanto tentava empreender ali, no seu território. Paralelamente a algumas tentativas, ele lançou um blog, já com o nome Empreende Aí, com conteúdos sobre empreendedorismo com esse olhar das e para as quebradas. Sua então namorada, hoje esposa, Jennifer Rodrigues, formada em Psicologia e com experiência na área, o apoiava revisando os textos.

O interesse no assunto tornou-se mútuo e crescente. Não demorou para que os dois passassem a sonhar, juntos, em expandir sua atuação para levar educação empreendedora para a periferia da cidade. O “estalo” veio em 2015, após assistirem a uma palestra de Muhammad Yunus, vencedor do Nobel da Paz por sua atuação em crédito social. Foi quando passaram a entender que o Empreende Aí poderia se tornar um negócio de impacto social.

De 2015 para cá, o Empreende Aí realizou dezenove turmas, formou mais de quinhentos alunos e abraçou mais de 250 novos negócios da periferia em seu portfólio. Dentre seus participantes, 67% são mulheres e 66% negros e pardos. Em 2018, além de ter formado oito turmas, eles se tornaram parceiros no VAI TEC, o programa de aceleração da Agência São Paulo de Desenvolvimento, a Adesampa. 

O Erro

A trajetória do Empreende Aí é uma dentre tantas que nos ensina sobre as peculiaridades de se empreender na periferia. E o “erro” do projeto só pode ser compreendido a partir desse lugar. Ao tentar sintetizar, Luís afirma que o maior equívoco seu e de Jennifer na condução do negócio foi na definição de qual seria seu público. Ou seja, quem pagaria pelos cursos de empreendedorismo.

Na cabeça do casal, esse público a quem se direcionava o curso era, de certa forma, o reflexo deles próprios. Jovens, na casa dos vinte anos, homens, que não estão no mercado de trabalho formal, seja por falta de oportunidade ou por falta de interesse, e que gostariam de ter o próprio negócio. Faz sentido, certo? “Em um primeiro momento, tentamos vender as formações direto para essa galera”, recorda-se Luís. “Depois imaginamos que os pais pagariam. Mas logo nas primeiras turmas erramos feio.”

Para se ter uma ideia, hoje a faixa etária do público é de 30 a 35 anos, sendo a maioria de mulheres, as quais acabam vendo no empreendedorismo uma maneira de segurar as contas. Logo, o perfil imaginado não se concretizou na realidade. E aqui entra o recorte social importante: ainda que se ajustasse esse perfil na periferia, tirar do bolso a grana para investir num curso implica um impacto significativo nas contas do lar e da família. Sendo assim, a partir mesmo da primeira turma, em 2015, Luís e Jennifer constataram que não seria possível esperar dessas pessoas o faturamento que levaria à sustentabilidade do negócio.

A Solução

Entre a primeira formação e a segunda houve um período de um ano. Durante esse tempo, o casal investiu tentando entender qual seria o seu cliente real. E, mais uma vez, o recorte social faz a diferença: cada um deles tinha um emprego formal durante o dia, para pagar as contas, e dedicaram-se a pensar sobre o Empreende Aí nas madrugadas.

Alguns negócios têm como usuário a periferia, mas nem sempre esse público tem a possibilidade de pagar pelo serviço”, aponta Edgar Barki, professor da Fundação Getúlio Vargas. Barki foi um dos mentores do Empreende Aí  quando, no ano passado, o negócio passou pela Aceleradora de Negócios de Impacto Periférico (Anip),uma iniciativa da produtora cultural A Banca, a aceleradora Artemísia e o centro de empreendedorismo social da FGV-SP. “É essencial identificar potenciais parceiros ou clientes que podem pagar pelos serviços oferecidos e a forma de monetizar esses serviços”, assinala o professor.

O aprendizado, entre 2015 e 2016, foi entender que havia um interesse de empresa, fundações e outras corporações em patrocinar essas formações, via setores de marketing, para estrategicamente se aproximar do público periférico. E foi por esse caminho que o Empreende Aí passou a investir. Atualmente, são clientes do Empreende Aí personagens como a Fundação Arymax, a Fundação Via Varejo, das Casas Bahia, e a rede de atacadistas Assaí.

Os Desafios

Crescer, crescer e crescer. Agora que já se sabe bem de onde vem a grana, Luís conta que o objetivo é expandir a base de clientes e ampliar o faturamento. E passará também por aumentar a equipe e saber gerir novas pessoas. Luís e Jennifer não estão mais atuando ali na ponta, nas formações. Atualmente, o Empreende Aí conta com dois facilitadores de formações e uma gestora de comunidades.